A discussão a seguir sobre o tratamento dado aos hereges durante a Idade Média foi publicada no fórum de história da EWTN – uma rede de rádio e televisão católica de alcance mundial –, mas foi removida.
Felizmente, Michael Scheifler, editor do site Bible Light, a preservou para benefício de seus leitores e nós a reproduzimos aqui com o devido crédito.
Note que a discussão envolve duas classes de católicos: aqueles que defendem de forma extrema o passado de sua Igreja, e aqueles que o condenam, considerando a prática de queimar hereges um ato repulsivo.
Note também como o Dr. Warren H. Carroll, Ph.D., especialista católico do fórum de história da EWTN, reage aos argumentos em cada caso.
Pergunta de Don em 13-05-2002:
Dr. Carroll,
Ao considerar o tratamento dado aos hereges reincidentes (a maioria, mas não todos, tinha a chance de se retratar antes de ser queimada viva), é obviamente importante levar em conta as crenças subjacentes que motivavam esse comportamento por parte das autoridades católicas seculares e religiosas.
Para aqueles que assistiam a alguém sendo queimado vivo, bem como para a pessoa que estava sendo executada, é claro que essa morte era uma representação vívida das crenças das pessoas em relação ao inferno. No Julgamento de Condenação de Santa Joana d'Arc, o inferno não é chamado de "inferno", mas de "fogo eterno". A mesma terminologia foi usada posteriormente no Concílio de Florença e também está presente no atual Catecismo da Igreja Católica (parágrafo nº 1036).
Não parece lógico que os hereges fossem queimados vivos, com suas faculdades mentais intactas, para dar-lhes uma última chance de se arrependerem antes de serem enviados para o "fogo eterno"? Será que queimar um indivíduo não era visto como uma morte misericordiosa, como um meio de dar a essa pessoa uma última chance de salvar sua alma antes da condenação final? Eu li que "algumas autoridades e estudiosos medievais acreditavam que a queima [de um herege] libertava o pecador de seu estado anteriormente condenado e oferecia alguma esperança de salvação à alma agora 'purificada'".
O ensinamento imutável da Igreja é que o inferno é o "fogo inextinguível" (#1034) e que é eterno (#1035). Até o século XX, a heresia era vista como um pecado terrível, algo que o apóstolo Paulo condena como maléfico (#817), afirmando em Gálatas 1:6-9,
"Estou surpreso que estejais abandonando tão rapidamente aquele que vos chamou na graça de Cristo e se voltando para um evangelho diferente – não que haja outro evangelho, mas há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos pregue um evangelho contrário ao que vos pregamos, seja anátema. Como já dissemos, e agora repito: Se alguém vos prega um evangelho contrário ao que recebestes, que seja anátema." Algumas traduções trazem "eternamente condenado" ou "amaldiçoado" em vez de "anátema".
Diante de tal admoestação, o que se deveria esperar da Igreja medieval? Se os hereges estavam (e estão) em uma "estrada para o inferno", não faz sentido matar misericordiosamente um herege reincidente, para que ele ou ela possa "pacificamente" passar para a "fornalha de fogo" (#1034)?
Em nossa época, temos liberdade religiosa, um presente dos deístas do Iluminismo. Isso é muito bom! Precisamos de tolerância religiosa. Basta lembrar dos eventos de 11 de setembro para constatar isso! A tolerância é boa e maravilhosa! Sem ela, provavelmente estaríamos travando inúmeras guerras religiosas e étnicas, que custariam milhões de vidas.
No final, porém, nossa profunda tolerância religiosa pode não ser uma coisa boa. Ao dar às pessoas a liberdade absoluta de decidir em que acreditam ou não, podemos ter dado a elas a liberdade de "pensar e sentir" seu caminho direto para o inferno, eternamente. Em nossa era de relativismo completo, em que não há verdades absolutas, a Igreja precisa operar da melhor forma possível, e isso significa um certo nível de conformidade com as normas sociais predominantes – nesse caso, tolerância religiosa e ecumenismo.
O mundo da Europa católica medieval operava em um conjunto de circunstâncias muito diferentes. Eles faziam o que achavam certo aos olhos de Deus. Não eram "pecadores" e não faziam necessariamente um "julgamento ruim". Em última análise, Cristo julgará todas as pessoas, inclusive as da Inquisição. Os católicos não devem se sentir "envergonhados" por esse resultado. Eu não me sinto.
Isso não significa que queimar pessoas vivas fosse justificável, mesmo que o indivíduo em questão fosse um herege genuíno que se recusasse repetidamente a se retratar. Acho que qualquer julgamento precisaria ser feito caso a caso. Todos nós morreremos um dia, e acredito plena e firmemente que Deus julgará todos para que passem a eternidade no céu ou no inferno. Do ponto de vista de um herege obstinado que foi levado ao cadafalso para ser executado, mas que se retratou antes de morrer, a Inquisição pode ter sido, em última análise, uma coisa "boa", supondo, é claro, que a pessoa foi para o Céu e que, de outra forma, teria ido para o Inferno, exceto pela "graça" da Inquisição. Naturalmente, só Deus sabe com certeza.
Se você acha que a Inquisição foi maligna ou mal orientada, basta considerar a situação dos países em que as Inquisições foram mais ativas – Espanha, Portugal e Itália. Quase todo mundo nesses países é católico e, consequentemente, todas essas três nações têm as leis de aborto mais restritivas do mundo.
Ao longo de seiscentos anos, as inquisições católicas enviaram entre quarenta e sessenta mil indivíduos ao cadafalso para serem queimados pelas autoridades seculares. Isso representa menos da metade do número de abortos realizados nos Estados Unidos todos os meses.
Atenciosamente,
Don
Resposta de Warren H. Carroll, Ph.D. em 15/05/2002:
Bem colocado. – Dr. Carroll
Pergunta de Jared em 13-05-2002:
Dr. Carroll, em resposta à postagem de Michael Edwards-Ronning em 11-5-02: Acredito que os papas daquela época achavam que a matança de hereges era justa. Em sua opinião, não seria muito melhor para a população em geral se alguns hereges tradicionais fossem mortos, para que toda a população não fosse "infectada" pelas heresias de alguns? O que estou tentando dizer é que não foi uma ideia terrível. Matar alguns hereges para salvar as almas eternas da população. Isso pode parecer duro, mas essa é a base de minha suposição. Obrigado. [Leia O Grande Conflito, p. 615.2.]
Resposta de Warren H. Carroll, Ph.D. em 15/05/2002:
Bem observado. Eu concordo com você. – Dr. Carroll
Pergunta de David Betts em 14/05/2002:
Dr. Carroll,
A bula papal "Exsurge Domine", de 15 de junho de 1520, condenou os erros de Martinho Lutero e seus seguidores. Na tradução dessa bula que li, o papa Leão X repudia o seguinte ensinamento protestante:
#33. O fato de os hereges serem queimados é contra a vontade do Espírito.
Essa proclamação do Papa Leão X prova que a Igreja Católica ensinava que a queima de hereges era aceitável para Deus. A responsabilidade por essa prática não pode ser transferida para as autoridades civis, como foi sugerido.
Você chamou a Reforma de "Revolta", o que pode ter sido, mas eu lhe pergunto: que tipo de cristão obedeceria cegamente a uma doutrina tão distorcida?
Respeitosamente,
David Betts
Resposta do Dr. William Carroll em 18/05/2002:
Tradicionalmente, a fogueira sempre foi a penalidade para a heresia porque, como os leitores anteriores observaram, acreditava-se que a heresia levava as almas ao fogo do inferno. É por isso que essa prática era seguida. – Dr. Carroll
Pergunta de Leslie Tate em 17-05-2002:
Tenho lido com horror cada vez maior as postagens recentes que defendem a queima de hereges. Parece que o ramo conservador da Igreja acha que as Cruzadas, a Inquisição, etc., foram completamente justificadas. A Igreja NUNCA está errada, e se você questionar o que aconteceu naqueles anos, suponho que será considerado o quê, um herege? Em meus estudos históricos, sei que, sem dúvida, havia muitas práticas corruptas na Igreja e que alguns dos chamados hereges eram, na verdade, apenas pessoas boas tentando fazer algumas mudanças (como permitir que a Bíblia fosse traduzida para o idioma do povo, para ser lida pelo povo). Essas pessoas que afirmam que a Igreja tinha o direito de queimar hereges não diriam que os "hereges" modernos (Billy Graham, talvez?) também deveriam ser condenados por serem protestantes? Não posso acreditar que QUALQUER PESSOA que se declare cristã toleraria a tortura e a queima de hereges. Estou perdendo minha fé na Igreja se esse for o caso.
Resposta de Warren H. Carroll, Ph.D., em 20/05/2002:
Os hereges são revolucionários que se opõem à Igreja e, se lhes for dada liberdade de ação, podem e vão colocar em risco a salvação de milhões de pessoas e iniciar a subversão da sociedade. Pergunte a qualquer pessoa que tenha conhecido a revolução comunista na Rússia ou em Cuba quais são os horrores que a revolução traz. – Dr. Carroll
Pergunta de David Betts em 20/05/2002:
Dr. Carroll,
Já declarei anteriormente meu respeito por seu trabalho neste fórum e, sinceramente, repito agora. O senhor defende obstinadamente e com conhecimento especializado as verdades da fé católica.
Eu me uno a todos aqueles que acreditam que não se pode encontrar no caráter e nos ensinamentos de Jesus Cristo nenhuma justificativa para a queima de hereges. A defesa da fogueira apresentada por um dos participantes do seu fórum – que oferece ao herege aterrorizado uma última e misericordiosa chance de se arrepender antes de ser lançado no inferno – não se sustenta. Aquele homem na estaca foi roubado para sempre, por ordem do papa, de qualquer chance de arrependimento sincero que só agrada a Deus. Nenhuma confissão de pecado grave extraída de um homem que se contorcia em agonia poderia trazer satisfação a Jesus Cristo. Não precisamos consultar o magistério da Igreja Católica para saber que é assim. Tampouco há qualquer possibilidade de que um espetáculo tão horrível possa elevar a moralidade pública ou restaurar os homens a um relacionamento correto com Deus. Os papas que aprovaram essa punição horrenda desonraram a Deus muito mais do que os hereges e alimentaram a Reforma.
Você fala solenemente sobre a responsabilidade das autoridades centrais (como na Rússia, em Cuba, no governo dos EUA em 1861, no bispo de Roma ao longo da história) de resistir aos revolucionários, fazendo uma analogia entre rebeldes políticos perigosos e hereges. Mas a ordem e a disciplina nem sempre são dignas de admiração. A vida na Rússia sob os czares tinha pouco a recomendar. Você gostaria de ser um servo? Com relação a Cuba, você negaria que o governo dessa ilha era totalmente corrupto nos anos anteriores a Castro? É possível que ainda seja, mas havia motivos poderosos para a revolta que ocorreu lá. Não é em louvor a Lênin e Marx que os homens em países livres ainda podem rejeitar o governo dos czares e dos gângsteres astutos que já governaram Cuba com mão de ferro. As pessoas comuns têm o direito de lutar contra a tirania. Você não percebe que um papa que ultrapassa sua autoridade suprema de identificar e excomungar hereges, chegando ao ponto de QUEIMÁ-LOS VIVOS, afastou-se de Cristo e assumiu o manto de um tirano?
Resposta de Warren H. Carroll, Ph.D., em 23/05/2002:
Não defendo a volta da fogueira e concordo que essa penalidade não deveria ter sido imposta. Mas a revolução é o maior mal humano da história, um verdadeiro banquete para Satanás. Tenho um livro sobre esse assunto que dá muitos exemplos: THE RISE AND FALL OF THE COMMUNIST REVOLUTION, que pode ser obtido na Christendom Press em Front Royal, Virginia, ligando gratuitamente para 1-800-698-6649, ou na biblioteca local por meio de empréstimo entre bibliotecas. Se você ler esse livro, como espero que faça, leia meu relato do que aconteceu com Armando Valladares na Cuba de Castro, conforme inesquecivelmente descrito em seu excelente livro AGAINST ALL HOPE. Qualquer coisa é melhor do que isso! – Dr. Carroll
Pergunta de Shawn Madden em 21-05-2002:
Isso é muito interessante, Dr. Carroll. Sua postagem para Leslie Tate em 20-5 é, no mínimo, uma apologia à queima de hereges no passado e, no pior dos casos, um chamado para queimar hereges hoje. Observo sua menção a um herege atual, Billy Graham, e sua falta de qualquer tipo de distinção entre as circunstâncias atuais e o passado. Na verdade, parece que você está usando os movimentos comunistas na China como um exemplo de por que a queima de hereges hoje seria justificada.
Considero sua resposta extremamente perturbadora. As pessoas podem dizer o que quiserem no site da EWTN sobre os ataques dos protestantes aos católicos, mas ainda não li nada de um protestante justificando ou pedindo a queima de católicos.
Posso ver e entender algumas posições extremas que defendem o passado católico, mas propagar tão facilmente a queima de hereges é, em minha opinião, inconcebível. Acho que nem mesmo os feinianos iriam tão longe.
Shawn Madden smadden@sebts.edu
Resposta de Warren H. Carroll, Ph.D., em 23/05/2002:
Em uma postagem recente, procurei esclarecer minha posição sobre essa questão. Certamente não defendo a restauração da queima de hereges, porque, no atual clima de opinião, isso prejudicaria a Igreja [note, portanto, que se o clima fosse outro, como nos séculos de ferro da Igreja, a restauração da prática seria aceitável], e não acho que isso deveria ter sido feito no passado, porque não deveríamos infligir deliberadamente uma dor tão grande nem privar o herege da oportunidade de se arrepender. Mas entendo por que isso foi feito no passado, pelos motivos que várias postagens declararam. Billy Graham teria sido visto como um herege no passado, e ele é de fato um herege agora, embora ame a Cristo e tenha feito muito bem. – Dr. Carroll
Pergunta de Gregory Dulmes em 09-08-2002:
Por que estamos sempre pedindo desculpas pelas inquisições? Por que os católicos deveriam sentir-se mal pelo fato de a Exsurge Domine ter condenado Lutero pelo erro de afirmar que a queima de hereges era contra a vontade do Espírito? Estou farto dos críticos hipócritas que denunciam a Igreja por causa disso. Permitam-me propor uma defesa:
1) Os governantes temporais e os estados têm a autoridade legítima para aplicar a pena capital.
2) Na época das inquisições, os estados envolvidos eram explicitamente, formalmente, oficialmente entidades *católicas*. Reis e imperadores eram coroados em cerimônias religiosas. Como a Igreja reconstruiu a Europa, a autoridade desses reinos derivava da Igreja.
3) Um herege era tanto um proliferador de erros doutrinários *quanto um revolucionário social*. Ser herege significava que alguém se dedicava a derrubar tanto a Igreja quanto a ordem temporal, ou seja, fomentar a revolução.
4) A Igreja não executou ninguém. A função principal da Igreja era determinar se o acusado era de fato um herege ou não. Em seguida, ele ou ela era entregue ao estado – às vezes. A punição oficial do estado para heresia era geralmente a sentença de morte.
Portanto, como um herege era tanto um falso mestre quanto um revolucionário social, ele ameaçava desencadear o caos na sociedade. Não tenho dúvidas de que, considerando os governantes da época (governantes que *Deus* permitiu que existissem), a vontade do Espírito era dar ao herege sua justa recompensa (ou seja, *justiça*), o que significava a morte na fogueira. Isso não torna Deus ou a Igreja Católica cruéis ou sádicos. Qualquer um que pense que isso é cruel pode simplesmente rever os séculos XVI e XVII, quando a heresia triunfou. A tragédia em vidas e almas perdidas fala por si só.
Por fim, as inquisições não só não foram ruins, como foram boas. Por quê? Porque foram um avanço em relação à violência da turba e à justiça com as próprias mãos que as precederam. Em geral, tudo era feito de acordo com as regras, executado pelas devidas "autoridades legais responsáveis". Se um homem era executado, você podia pelo menos ter certeza de que as acusações contra ele eram verdadeiras.
Onde estou errado nisso?
Resposta de Matthew Bunson em 09-08-2002: [Bunson substituiu o Dr. Carroll no fórum em agosto de 2002.]
Obrigado pelas suas opiniões. Elas são compartilhadas por muitas pessoas que se opõem ao número aparentemente interminável de pedidos de desculpas exigidos da Igreja.
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2 Comentários
Misericórdia Senhor!! Sabemos que vamos passar por provações porque a Palavra de Deus já nos avisou. Mas é surreal saber que tem gente que pensa assim ainda hoje. Por isso Deus irá destruir com fogo pecado e pecadores. 🙏🏻
ResponderExcluirA vingança a Deus pertence, quem sou eu pra julgar e decidir se que meu irmão é um hereh
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