Nosso Sumo Sacerdote - 3. Cristo, nosso Sacrifício



Por Edward Heppenstall

A igreja cristã sempre confessou sua fé na eterna redenção obtida para todos os homens na cruz. Em Jesus Cristo, Deus falou Sua suprema palavra aos homens perdidos. Este é o tema central da Epístola aos Hebreus:

Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes e de diferentes maneiras aos pais pelos profetas, nos últimos dias nos falou por seu Filho, a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual também fez o universo. Ele, sendo o resplendor da sua glória e a imagem expressa da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, quando ele mesmo purificou os nossos pecados, assentou-se à direita da Majestade nas alturas. (Hebreus 1:1-3).

O autor de Hebreus compara o sacrifício e o ministério de Cristo com os sacrifícios e serviços levíticos. Jesus Cristo, como sacrifício e como Sumo Sacerdote, ocupa todo o livro. Tipo e antítipo, sombra e realidade complementam-se mutuamente com a finalidade de mostrar a natureza da redenção de Cristo e Seu ministério sumo-sacerdotal que a acompanha.

Cristo desceu à terra para realizar uma obra completa. Na véspera de Sua crucificação, Jesus disse: "Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer" (João 17:4). E na cruz, Suas últimas palavras foram: "Está consumado" (João 19:30). Enfatizando a finalidade do sacrifício de Cristo, a Epístola aos Hebreus usa a frase "a oferta do corpo de Jesus Cristo uma vez por todas" (Hebreus 10:10).

Cristo não entrou em santuário feito pelas mãos dos homens, o qual é apenas um símbolo da realidade, porém no próprio céu, para comparecer agora diante de Deus em nosso favor. Nem entrou ali para oferecer-se muitas vezes, como o sumo sacerdote entra no santuário ano após ano com sangue alheio. Se fosse assim, teria sofrido muitas vezes desde a fundação do mundo. Porém ele manifestou-se uma vez por todas, no clímax da história, para abolir o pecado pelo sacrifício de si mesmo. (Hebreus 9:24-26, New English Bible).

O sacrifício de Cristo cumpre e substitui todos os sacrifícios típicos. O sacrifício de Cristo é o dom de Sua vida pela humanidade. Tal sacrifício é tão eterno como Ele mesmo. Não pode ser repetido. Em contraste com os sacrifícios levíticos, Cristo "não tem necessidade de oferecer sacrifício diariamente, como fazem os sumo sacerdotes, primeiro por seus próprios pecados, e depois pelos do povo, pois isto ele fez uma vez por todas quando a si mesmo se ofereceu. (Hebreus 7:27, NEB).

Na cruz do calvário pagou Ele o preço da redenção da raça humana. E assim adquiriu o direito de arrebatar os cativos das garras do grande enganador. - Mensagens Escolhidas, volume 1, p. 309.
A infinita suficiência de Cristo é demonstrada por levar Ele os pecados do mundo inteiro. Ele ocupa a dupla posição de ofertante e oferta, de sacerdote e vítima. - A Fé pela qual Eu Vivo, p. 105.
Pecado algum pode ser cometido pelo homem para o qual não se tenha dado satisfação no Calvário. - Mensagens Escolhidas, volume 1, p. 343.
Com Sua vida, Cristo adquiriu cada ser humano. Ele sofreu uma morte cruel para salvar os seres humanos da morte eterna. Ele deu Sua vida sem pecado para obter para o pecador uma vida que se mede pela vida de Deus. Através de Sua morte, Ele providenciou um caminho pelo qual o homem pode romper com Satanás, voltar à sua ligação com Deus e, por meio da fé no Redentor, obter o perdão. - Filhos e Filhas de Deus, p. 230.

Em contraste com essa oferta completa, os sacrifícios levíticos continuavam dia após dia, ano após ano. Eles nunca removeram pecados. Se o tivessem feito não precisariam ser repetidos.

Todo sacerdote realiza seu serviço diariamente e oferece, muitas vezes, os mesmos sacrifícios que jamais podem remover os pecados. Cristo, porém, ofereceu para sempre um único sacrifício pelos pecados. (Hebreus 10:11, 12, NEB).
Pois a lei contém apenas uma sombra dos bens futuros;... Eles oferecem os mesmos sacrifícios continuamente, ano após ano, os quais não podem aperfeiçoar os ofertantes. Do contrário, estes sacrifícios certamente não seriam mais oferecidos, pois os pecadores, purificados uma vez por todas, não teriam mais nenhuma consciência do pecado. Contudo, nesses sacrifícios os pecados são recordados todos os anos, porque é impossível que o sangue de touros e bodes remova pecados. (Hebreus 10:1-3, NEB).

O sacerdote levítico efetuava no altar, diariamente, sua obra inacabada e incompleta. Pela manhã e à tarde ele sacrificava o cordeiro. O sangue era aspergido nas bordas do altar de sacrifício e o corpo era completamente queimado, mostrando que, pela morte do animal, a expiação pelo pecado havia sido feita. Estes sacrifícios apontavam para o verdadeiro sacrifício pelo pecado, a verdadeira expiação por vir, feita uma vez por todas por Jesus Cristo na cruz.

Em Cristo, temos um sacrifício que transcende em muito os sacrifícios de animais, pois envolve ninguém menos que a Segunda Pessoa da Divindade. Na cruz, Jesus Cristo era o legítimo cordeiro pascal. Cristo entrou no santuário celestial, na presença do Pai, pela virtude de Seu sangue, tendo obtido para nós eterna redenção.

Sendo Cristo sumo sacerdote dos bens vindouros, mediante um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação; nem pelo sangue de bodes e de touros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no lugar santo, uma vez por todas, tendo obtido para nós eterna redenção. (Hebreus 9:11, 12).

Cristo levou os pecados do homem uma vez - na cruz. Ele não carrega pecados agora. Carregar os pecados é o que Cristo fez mediante Sua morte.

Carregando ele mesmo em seu próprio corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados. (I Pedro 2:24).
Ele se manifestou uma vez por todas, ao se cumprirem os tempos, para abolir o pecado pelo sacrifício de si mesmo (Hebreus 9:26, NEB).

A finalidade da redenção de Cristo na cruz não deixa espaço para questões vagas. Seu sacrifício é a solução para o problema do pecado. Jesus não é uma das muitas soluções. Ele é a única solução. Ele não é um ramo do mundo religioso, um aspecto da verdade. Ele é a verdade. Seu sacrifício é todo abrangente, uma verdade que inclui tudo. Não pode haver rivais.

Não há salvação em outra pessoa, pois não há nenhum outro nome sob o céu, concedido aos homens, pelo qual possamos receber a salvação. (Atos 4:12, NEB).

O universo gira em torno deste centro: a finalidade da obra de Cristo para a redenção do homem e a vitória final sobre o pecado. Trata-se essencialmente de um ato sobrenatural. Não é uma operação humana, um homem assassinado por homens ímpios. Ele não é um mártir entre outros mártires.

Nós podemos dizer com o salmista: "Isto procede do Senhor, e é maravilhoso aos nossos olhos" (Salmo 118:23). O grande fato de ter Cristo morrido por nossos pecados é a mais fundamental de todas as verdades. Nenhum homem pode estar em paz consigo mesmo, com seu próximo ou com Deus se não for primeiro reconciliado com Deus pela morte de Seu Filho, Jesus Cristo.

Há uma grande verdade central a ser mantida sempre perante a mente ao examinarmos as Escrituras: Cristo e Ele crucificado. Qualquer outra verdade será dotada de influência e poder proporcional à sua relação com este tema... A alma paralisada pelo pecado pode ser dotada com vida somente através da obra realizada na cruz pelo Autor de nossa salvação. - The SDA Bible Commentary, Ellen G. White Comments, vol. 6, p. 1084.


Por que Jesus Morreu?

Jesus veio morrer. Ele se tornou homem para provar a morte por cada homem. Sem tornar-se carne, Ele não poderia ter morrido.

É por isso que, ao vir ao mundo, diz: Não quiseste sacrifício e oferta, mas preparaste um corpo para mim. (Hebreus 10:5, NEB).

A cruz era Seu destino. Nenhum escape era possível a menos que Ele negasse o plano da redenção. Cristo conhecia a absoluta necessidade de ir à cruz.

Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também o Filho do homem deve ser levantado. (João 3:14).
Desde então começou Jesus a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário ir a Jerusalém, e sofrer muitas coisas. E ser ressuscitado ao terceiro dia. (Mateus 16:21).
Todo sumo sacerdote é constituído para oferecer dons e sacrifícios; Portanto, era necessário que este homem tivesse algo a oferecer. (Hebreus 8:3).

O calvário tinha uma hora marcada para Cristo. "Agora, minha alma está perturbada, e que direi? Pai, salva-me desta hora? Mas com este propósito vim para esta hora" (João 12:27). Em várias ocasiões antes do Getsêmani, homens tentaram matá-Lo, mas não puderam. Homens tentaram prendê-Lo, mas isto não deu em nada. Até àquela hora Ele foi milagrosamente protegido. Mas quando a hora marcada chegou nada pode evitar Sua morte, pois a morte de Cristo é o ponto crítico de toda a história e de todo o universo. Para isto Cristo veio. Aos dois discípulos no caminho de Emaús, após Sua ressurreição, Ele disse:

Quão néscios e lentos vocês são para crer em tudo o que os profetas disseram! Não era necessário que o Messias sofresse assim antes de entrar em sua glória? (Lucas 24:25, 26, NEB).

A morte e a ressurreição de Cristo é o núcleo central do evangelho. Foi assim que os apóstolos o proclamaram: "Decidi não saber nada entre vós, senão Jesus Cristo, e ele crucificado", disse Paulo (I Coríntios 2:2).

Seguindo sua prática habitual, Paulo foi às suas reuniões; E durante os três sábados seguintes ele discutiu com eles, citando textos das Escrituras que expôs e aplicou no sentido de demonstrar que o Messias devia sofrer e ressuscitar dentre os mortos. (Atos 17:2, 3, NEB).
Reuní as mais vigorosas declarações afirmativas sobre a expiação feita por Cristo pelos pecados do mundo. Mostrai a necessidade dessa expiação. Evangelismo, p. 187.

Por que, então, Jesus morreu? A Palavra de Deus não deixa dúvida:

Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras. (I Coríntios 15:3). Em quem temos a redenção pelo seu sangue, o perdão dos pecados, segundo as riquezas de sua graça (Efésios 1:7). Cristo nos redimiu da maldição da lei, fazendo-se ele maldição por nós. (Gálatas 3:13).

A figura-chave deste drama universal é Jesus Cristo, o Filho de Deus. O mais chocante é que, para resgatar e redimir os perdidos, Cristo teve que sofrer a mais violenta morte - morte por crucificação. A magnitude do sacrifício revela a magnitude do problema. Como o sacrifício de Cristo provê a completa solução para o pecado? Aqui não pode haver compromisso, nem ignorância do pecado. Há dois planos sobre os quais Deus pode lidar com o pecado, dois planos sobre os quais Ele pode enfrentar o problema: um é no plano da lei e do castigo; o outro é no plano da graça e redenção. Sendo Deus justo e fiel à Sua lei, como Ele pode deixar de executar a pena de morte sobre todos os pecadores? Sendo Deus amor e misericórdia, como Ele pode executar o salário do pecado sobre Seus filhos?


O Problema de Deus com o Pecado

O pecado é, antes de tudo, um problema para Deus. O pecado é a mais trágica realidade que já invadiu Seu domínio. O pecado somente tem trazido alienação, rebelião, sofrimento e morte a um universo outrora sem pecado. O pecado é o inimigo mortal de toda criatura com quem se torna envolvido. No conflito entre Deus e o pecado, Deus perdeu a terça parte dos anjos e milhões de seres humanos na Terra, todos eles Suas criaturas e Seus filhos. Nenhum ser humano escapou do pecado. Poucos escaparam da morte.

Não é possível para Deus menosprezar o pecado, esquecê-lo ou relegá-lo ao descaso. Um Deus santo e justo deve reagir ao pecado. Deus deve julgar o pecado e bani-lo ou deve tolerá-lo e, por conseguinte, conviver com ele. Nenhum governo divino seria possível a menos que Deus enfrentasse o pecado. Caso contrário, sua lei seria destruída. Homens e demônios seriam encorajados à rebelião.

Fundamentalmente, a questão a resolver é: afinal há ou não uma reação divina contra o pecado, não limitada à consciência, ou ao mundo puramente espiritual... mas permeando o mundo real em todas as suas dimensões? - James Denney, The Christian Doctrine of Reconciliation (New York: George H. Doran Co., 1918).

Quais são as necessidades morais envolvidas na expiação feita por Cristo na cruz? O que Deus está realizando mediante tal tragédia divina? Deus, como Pai, não abandona e nunca abandonará Seus filhos perdidos à própria sorte, sem um esforço supremo para reconciliá-los com Deus e julgar o pecado à sua final destruição. E, ao fazê-lo, Ele revela e vindica Seu próprio caráter diante do universo.

A redenção não foi meramente um triunfo para Jesus, mas uma tragédia, a mais terrível e também a mais gloriosa na história do homem; E se perdermos o senso disto, nós perdemos a chave de qualquer doutrina de reconciliação que possa aparecer no Novo Testamento. - Ibid., p. 263.

O sacrifício do Filho de Deus como a solução divina para o problema do pecado é, antes de tudo, a garantia que Deus dá de Seu caráter e de Seu justo amor. Paulo declara que "Deus designou-o [a Cristo] para ser o meio de expiar o pecado mediante sua morte sacrifical... manifestando, assim, sua justiça" (Romanos 3:25). João declara que "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito". (João 3:16).

Consequentemente, uma verdadeira interpretação do Calvário deve revelar o caráter moral de Deus em Seus atributos de Amor e Justiça. Uma vez que o amor de Deus é o motivo básico de Seu próprio ser, o processo de salvação em Cristo deve ser uma expressão desse amor. Em Cristo a divindade revela a divina capacidade de amar, imparcial a qualquer coisa que possa ocorrer no universo. Deus é responsável por Suas criaturas assim como o pai é responsável por seus filhos. Consequentemente, Ele tem o direito moral de assumir a pena da pecaminosidade deles e sofrer por e com Seus filhos.

Eu sou o bom Pastor. O bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas... Assim como o Pai me conhece, eu conheço o Pai e dou a minha vida pelas ovelhas. (João 10:11-15).
Em última instância, nada reconcilia a não ser o amor, e o que a alma, que foi alienada de Deus pelo pecado e está sofrendo sob a reação divina contra este, realmente necessita é da manifestação de um amor que possa assegurar-lhe que nem o pecado nem a condenação da alma... nem mesmo a reação divina contra o pecado, culminando em morte, é a realidade última no universo; a realidade última é exatamente o amor, fazendo seus os nossos próprios pecados em toda a sua realidade... e amando-nos até o fim através do pecado e a despeito dele. Reconciliação é realizada quando tal amor é manifestado e quando, a despeito da culpa, desconfiança e temor, conquista a confiança do pecador. Ibid., p. 218.

As pessoas frequentemente querem considerar a cruz somente do ponto de vista do amor de Deus. Elas procuram esquecer a exigência moral que é também uma revelação da justiça de Deus. Quando falamos do sacrifício de Cristo como uma revelação apenas do amor de Deus, não temos nós feito uma afronta ao caráter moral de Deus?

Uma demonstração clara do sofrimento ou morte sobre uma cruz não é necessariamente redentora. Ao contrário, pode criar hostilidade. Sacrificar deliberadamente a vida de alguém como uma demonstração não tem em si nenhum efeito salvador. A cruz é mais do que uma demonstração de amor. O fato de Deus permitir a crucifixão de Seu Filho simplesmente como uma demonstração de amor não explica por que o sacrifício de Cristo é realmente necessário. Cristo poderia ter vindo à Terra e vivido por milhares de anos amando e curando as pessoas e proclamando o amor de Deus tão efetivamente como morrendo sobre uma cruz. Se o valor da cruz é simplesmente garantir uma reação correta por parte do pecador, então por que o pecado é tão mortal a ponto de requerer um tal sacrifício?

O pecado não é mal simplesmente porque os homens não se sentem bem com ele. Muitos nem se sentem mal. Como uma clara demonstração, a cruz pode beneficiar somente aqueles que são suficientemente velhos e inteligentes para serem motivados por ela.

A garantia que Deus dá de Si mesmo, de Seu trato com o homem e do propósito que Ele infunde na história, a garantia de Sua vontade... está em Cristo e Sua cruz ou em nenhuma outra parte. A cruz de Cristo... é a auto-justificação de Deus em tal mundo... A cruz significou mais mudança em Deus que no homem. O Seu ato de mudar a justiça em misericórdia foi um milagre, e a primeira ação foi o Seu santo amor, não o nosso. - P.T. Forsyth, The Justification of God. (London: Independent Press Ltd., Memorial Hall, E.C. 4, 1957), p. 37.
O que entendemos nós por redenção?... Entendemos libertação do mal por um Deus cuja maneira de agir é moral... o ato de um Deus santo, fazendo justiça e justificando a Si mesmo, a qualquer preço..., o ajustamento moral do homem e Deus em um ato santo, amorável, poderoso, final e eterno. - Ibid., p. 69.

A necessidade moral para o sacrifício do Filho de Deus está baseada não somente no amor de Deus, mas também em Sua justiça. Por que foi exigido do Filho de Deus um tão terrível preço? Quem o exigiu? Onde residia a necessidade moral? Não poderia Deus ter salvado o homem sem a morte de Seu Filho? Se Ele podia fazê-lo, então por que foi Sua morte necessária afinal? Paulo declara ser a cruz a revelação da justiça de Deus a fim de que Ele mesmo pudesse ser justo.

A quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. (Romanos 3:25 e 26).

O que queria Paulo exatamente dizer? Que são estes pecados do passado aos quais se refere Paulo? Quando é que Deus passou por alto o pecado? Durante o tempo do Antigo Testamento, a justiça de Deus tinha sido obscurecida e mal compreendida porque nenhum julgamento adequado tinha sido executado sobre o pecado durante quatro mil anos. Nas épocas anteriores à vinda de Cristo, Deus aceitava e perdoava os homens arrependidos ao oferecerem eles sacrifícios de animais. Paulo indica nessa passagem que Deus tinha evidentemente perdoado livremente sem uma base justa. Até a cruz, Deus não tinha tratado adequadamente com o pecado, ou feito uma expiação adequada (veja Hebreus 10:3 e 4). Portanto, se a reação de Deus ao pecado é revelada simplesmente pelo sacrifício de animais, então Ele não seria um Deus justo, pois a justiça precisa tratar adequadamente do pecado. O pecado não pode ser passado por alto, e certamente não o seria por Deus.

Consequentemente, isso trouxe o caráter moral de Deus e Seu governo sob a suspeita de injustiça, de leniência para com o pecado. Deus não podia permanecer sob tal suspeita. Seu caráter justo não podia permanecer sob uma mancha. O próprio Deus devia ser declarado justo e reto. O texto declara que Deus designou Seu Filho como propiciação a fim de demonstrar cabalmente tal justiça.

O sacrifício de Cristo, então, primeiramente satisfaz necessidades para com a própria Divindade. Esta tem prioridade. Sem satisfazer estas divinas necessidades, a salvação não poderia vir ao pecador. A justiça deve ser feita em primeiro lugar na ordem divina.

Pela desobediência Adão caiu. Foi quebrantada a lei de Deus. O governo divino foi desonrado, e a justiça exigia que fosse para a pena da transgressão. Ele Se deu em penhor para efetuar nossa salvação plena, de modo satisfatório às reivindicações de justiça de Deus, e coerente com a exaltada santidade de Sua lei. Que direito tinha Cristo de arrebatar das mãos do inimigo os cativos? O direito de ter feito um sacrifício que satisfaz aos princípios da justiça pelos quais é governado o reino dos Céus. Veio Ele à terra como Redentor do gênero humano perdido, para vencer o astuto inimigo e, por Sua firme fidelidade ao que é reto, salvar todos os que O aceitem como seu Salvador. Na cruz do Calvário pagou Ele o preço da redenção da raça humana. E assim adquiriu o direito de arrebatas os cativos das garras do grande enganador. - Mensagens Escolhidas, Vol. I, p. 308 e 309.

Tudo muda não em Sua vida ter sido tirada, mas em ter Cristo dado a Sua vida voluntariamente, morrendo de livre e espontânea vontade pela raça perdida. A própria morte do Filho de Deus não poderia ter poder salvador se o seu valor não fosse maior que a morte de um mártir. O sacrifício de Cristo é um ato divino, não simplesmente uma atrocidade humana. Foi um ato de redenção por parte da Divindade. Foi o "dom inefável" de Deus; uma manifestação do amor e da graça divina.

A cruz é também uma expressão divina de juízo sobre o pecado. Justiça, amor e juízo são eternamente inseparáveis. Deus deve executar o juízo sobre todos os pecadores ou deverá assumi-lo. Os membros da Trindade escolheram a última alternativa, honrando a lei enquanto justificavam o culpado. A lei de Deus é honrada, ou pela completa obediência do homem, ou por um adequado juízo sobre a violação dela; sendo, dessa maneira, manifesta a justiça de Deus em meio à pecaminosidade do homem. A morte de Cristo revelou a justiça de Deus. Somente um membro da Trindade poderia fazer isso, e somente isto estabeleceria um verdadeiro juízo sobre o pecado ante o universo. A necessidade da morte de Cristo repousa mais sobre a justiça de Deus do que na natureza radical da rebelião do homem. Não é a morte por martírio ou assassinato que expia a culpa, mas morte como uma expressão do juízo divino sobre o mal. A cruz é ambas as coisas: a redenção do homem pecador e o juízo de Deus. Para Deus e para o universo deve haver ou um juízo adequado sobre o pecado ou um fim para a justiça. Não podem existir ambos em um mesmo universo. Não há salvação ou justificação para o pecador exceto pela justificação de Deus. Nunca é o homem tão justo diante de Deus como quando, com coração partido, ele confessa como justo o juízo de Deus sobre o pecado na cruz, o qual pertence diretamente a ele como pecador. A justificação do homem é baseada na justificação divina.

Esta foi uma salvação na qual Deus primeiramente justificou a Si mesmo, santificou o Seu nome, e cumpriu Seu eterno propósito naqueles lugares celestiais, os quais regem as coisas terrestres. Seu santo amor não existe como um instrumento da salvação do homem, mas a salvação do homem existe para a glória do santo amor de Deus. O homem é salvo somente pela santidade de Deus e não da santidade de Deus ou a despeito dela. Ele é salvo pela ação trágica de um Deus santo, pela honra dada por Deus, em Cristo, ao Seu nome e propósito santos. Nós estaríamos mais convencidos da salvação do homem se buscássemos primeiro a justiça de Deus. - Forsyth, op. cit., p. 124.

A expiação feita por Cristo sobre a cruz é a vindicação de um Deus justo, vindicação da lei moral de Deus em um universo moral. Por ser isto verdade, os crentes são transformados. A expiação jamais pode ser alguma transação mecânica que automaticamente salve homens. Ela deve atualmente conquistar homens a Deus, à Sua mente e vontade e à justiça pela qual o universo é governado.

A expiação de Cristo não é um mero truque para ter nossos pecados perdoados; ela é o divino remédio para a cura da transgressão e para a restauração da saúde espiritual. Ela é o meio ordenado pelo Céu pelo qual a justiça de Cristo possa estar não somente sobre nós, mas em nosso coração e caráter. - The S.D.A. Bible Commentary, E.G. White Comments, Vol. 6, p. 1074.

A cruz resolve o assunto da moral divina. Ante um universo expectante Deus revelou-Se justo e amorável no trato com o problema do pecado. Todas as decisões divinas revelaram-se consistentes com Seu justo caráter. Deus julgou o pecado até seu último limite. Dando Seu Filho, Ele sustentou Seu justo amor. Ao mesmo tempo, Ele garantiu a final erradicação do pecado, e a eterna segurança de Seu trono e de Suas criaturas em todo o universo.

Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso. E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo. Isto dizia, significando de que gênero de morte estava para morrer. (João 12:31-33).
E que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse, consigo mesmo, todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus. (Colossenses 1:20).
Quando, sobre a cruz, soltara o brado: "Está consumado", dirigira-Se ao Pai. O pacto fora plenamente satisfeito. Agora Ele declara: "Pai, está consumado. Fiz, ó meu Deus, a Tua vontade. Concluí a obra da redenção. Se a Tua justiça está satisfeita, 'quero que, onde Eu estiver, também eles estejam comigo'". Ouve-se a voz de Deus proclamando que a justiça estava satisfeita. - O Desejado de Todas as Nações, p. 621.
Por meio da obra redentora de Cristo, o governo de Deus fica justificado. Ibid., p. 18.
Fazia parte da justiça de Deus manter Sua lei infligindo a pena. Era esta a única maneira em que a lei podia ser mantida, e pronunciada santa, e justa e boa. Foi a única maneira pela qual ao pecado se podia dar o aspecto de muitíssimo maligno, e ser mantida a honra e a majestade da autoridade divina. A lei do governo de Deus devia ser engrandecida pela morte do unigênito Filho de Deus. - Mensagens Escolhidas, Vol. I, p. 301-302.

Como o sacrifício de Cristo efetua tudo isto? A justiça de Deus não está tanto no fato de que Cristo morreu como na natureza de Sua morte. O pecado é um intruso, o inimigo mortal de Deus e de todos os seres criados. O pecado abalou a segurança do universo, incluindo o governo de Deus. Deus e pecado são mutuamente antagônicos. Como Legislador moral do universo, Deus é fatalmente obrigado a agir contra o pecado. A ação do pecado pode ser enfrentada somente pela ação divina na cruz.

Pela própria natureza de Seu caráter, Deus tem somente certas maneiras de tratar com o pecado. Ele não pode usar a força e ainda manter o universo unido. Ele pode ainda condená-lo, julgá-lo e estabelecer o direito de erradicá-lo.

Na cruz, todos os membros da Trindade estavam unidos em Seu julgamento do pecado, pois "Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo" (II Coríntios 5:19). Tal julgamento custou a Deus o Seu amado Filho. Unicamente a Trindade podia revelar tal juízo. Nenhuma criatura poderia fazê-lo. Quando um pecador sofre a penalidade por seus pecados, isto é sua dívida. Na cruz, a Divindade assumiu o próprio juízo sobre o pecado.

Uma vez tomada a decisão, não há alternativa. A terrível agonia e a experiência da separação na cruz não devem ser ignoradas ou menosprezadas. A morte de Cristo foi única. O grito de abandono dado por Cristo não pode ser explicado por sabedoria humana. O pecado somente pode ser perdoado por um ato de Deus que transmita justiça ao mesmo tempo. Deus pode manter Seu governo e Sua lei somente com o pecado devidamente condenado e banido. A cruz revelou esse reto juízo ante todo o universo.

Ellen G. White vai diretamente ao ponto e seria bom que considerássemos sua interpretação da agonia de Cristo no Getsêmani e sobre a cruz:

Cristo se achava, então, em atitude diversa daquela em que sempre estivera... Como substituto e refém do pecador, estava Cristo sofrendo sob a justiça divina. Viu o que significa justiça... Ao sentir Cristo interrompida Sua unidade com o Pai, temia que, em Sua natureza humana, não fosse capaz de resistir ao vindouro conflito com os poderes das trevas... A alma de Cristo se encheu de terror da separação de Deus. - O Desejado de Todas as Nações, p. 514.
O afastamento do semblante divino, do Salvador, nessa hora de suprema angústia, penetrou-Lhe o coração com uma dor que nunca poderá ser bem compreendida pelo homem. Tão grande era essa agonia, que Ele mal sentia a dor física... O Salvador não podia enxergar para além dos portais do sepulcro, A esperança não lhe apresentava Sua saída como vencedor... Temia que o pecado fosse tão ofensivo a Deus, que Sua separação houvesse de ser eterna. - Ibid., p. 561.
Ele, o portador dos pecados, sofre a ira da justiça divina e torna-Se mesmo pecado por amor de ti. - Ibid., p. 563.

A cruz envolve uma crise na Trindade. Mas nesta ação não há ruptura na Divindade. A união da Trindade permanece inalterada. Toda a agonia da separação que Cristo manifestou através daquelas terríveis palavras "Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?" foi experimentada pela Divindade.

Embora amando o pecador e Suas outras criaturas através do universo com amor eterno, Deus nunca poderia deixar a impressão de que amor significa indulgência para com o pecado. O amor de Deus expresso em João 3:16 não deve ser considerado como um incentivo para pecar livremente. Na cruz, nem a salvação do perdido, nem a justiça de Deus é ignorada. Tanto o amor como a justiça é real em Deus. Apenas uma crença sentimental no amor de Deus e uma compreensão superficial desse amor não farão os homens mais indignados para com o pecado. Deus não seria mais amorável se graciosamente esquecesse o pecado. Ele não mais seria um Deus justo. Ele não mais seria digno de confiança.

Graça é livre, mas não fácil... Esta cruz tornou-se não somente libertação da dificuldade, mas o princípio e a dimensão do mundo inteiro. O Senhor da Cruz é o depositário final do juízo de todo o universo. - Forsyth, op. cit., p. 54-55.

Se Deus houvesse falhado em executar um justo juízo sobre o pecado, não poderia o homem, então, concluir que Deus aprova o pecado? Se o pecado ou a desobediência à lei de Deus pudesse ser passado por alto sem um julgamento adequado, não poderia então a expulsão de Satanás do Céu com a terça parte dos anjos ser vista como excessivamente rigorosa, e a expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden, como muito severa?

Se o pecado é perdoado sem um justo julgamento da parte de Deus, não terá, então, modificado Sua maneira de agir desde a expulsão de Satanás e seus anjos do céu?

Se a lei de Deus pode ser ab-rogada após todos esses anos, não é claro que a lei era muito exigente inicialmente e que a obediência nunca deveria ter sido requerida? Se a pecaminosidade do homem pode agora anular a obrigação de obedecer aos Seus mandamentos, então Deus é quem deve ajustar-Se à vontade de Suas criaturas, e não vice-versa. Obviamente, pecado não mais seria suficientemente sério a ponto de exigir tal morte para o Filho de Deus. Se o pecado pode ser perdoado sem um julgamento da parte de Deus, então a morte não é mais o salário do pecado, e Deus limpa a culpa.

Assim, a cruz é a maravilhosa revelação do amorável e justo caráter de Deus. Ela é a própria solução de Deus ao problema do pecado É Deus portando Sua própria sentença contra o pecado, ao invés de executá-la sobre os pecadores. Todas as criaturas são chamadas a tomarem posição com Cristo em Sua vida justa, Sua lei e Seu justo juízo sobre o pecado. Quando os homens fizerem isto, o pecado nunca mais poderá ressurgir. O problema do pecado é assim resolvido. O trono de Deus está eternamente seguro.



Postar um comentário

0 Comentários