Megalomania Eclesiástica - 6. Teologia da Libertação


Uma das formas mais recentes que o coletivismo da Igreja-Estado Romana assumiu é a teologia da libertação. O movimento começou na América Latina no final dos anos 1960, após o Vaticano II, cujos pronunciamentos, assim como todo o corpo do pensamento econômico da Igreja, encorajaram seu desenvolvimento. A tradição da Igreja exigia ação pela justiça social. Não tinha Pio XI, na encíclica Sobre o Comunismo Ateísta, se referido a "uma época como a nossa, quando uma miséria incomum resultou da distribuição desigual dos bens deste mundo"? [1] Não tinha o papa encorajado a justiça de exigir uma redistribuição dos bens mundanos, quando se referiu aos "... abusos muito reais imputáveis à ordem econômica liberal", e ao exigir uma "distribuição mais equitativa dos bens deste mundo (objetivos inteiramente e sem dúvida legítimos)..."? [2] Não tinha o próprio Tomás de Aquino dito que a necessidade torna todos os bens comuns, e quando os pobres tomam os bens dos ricos, para seu próprio benefício ou o do próximo, não é pecado?

Em 1993, a própria Comissão Bíblica Pontifícia explicou a origem da teologia da libertação:

"A teologia da libertação é um fenômeno complexo, que não deve ser simplificado. Começou a se estabelecer como movimento teológico no início dos anos 1970. Para além das circunstâncias econômicas, sociais e políticas da América Latina, seu ponto de partida se encontra em dois grandes acontecimentos da vida recente da Igreja: o Concílio Vaticano II, com a sua intenção declarada de aggiornamento [renovação ou atualização] e de orientar a pastoral da Igreja para as necessidades do mundo contemporâneo; e a Segunda Conferência Geral do Episcopado da América Latina [CELAM] realizada em Medellín [Colômbia] em 1968, que aplicou os ensinamentos do Concílio às necessidades da América Latina. Desde então, o movimento se espalhou também para outras partes do mundo (África, Ásia, a população negra dos Estados Unidos)." [3]

O próprio Vaticano traça a origem da teologia da libertação na Igreja-Estado Romana, especificamente no Vaticano II (1962-1965) e na Conferência dos Bispos de 1968 em Medellín, Colômbia, uma conferência cujas declarações o próprio papa aprovou. Uma das figuras influentes na conferência de Medellín foi Gustavo Gutiérrez. Nascido no Peru em 1928, Gutierrez foi ordenado sacerdote da Igreja em 1959. Sua Theology of Liberation foi publicada em espanhol em 1971. Apesar daqueles pensadores esperançosos que acreditam que a Igreja tem um desacordo econômico fundamental com a teologia da libertação, Gutiérrez nunca foi repreendido ou demitido por suas publicações. As únicas divergências que o Vaticano teve com alguns aspectos da teologia da libertação são seus elementos seculares, a subserviência insuficiente de alguns teólogos da libertação ao papa e sua eventual defesa de um uso sistemático da violência para atingir os objetivos que a Igreja sempre aprovou: justiça social, bem comum e destinação universal dos bens. A Igreja-Estado nunca criticou as visões econômicas dos teólogos da libertação.

Em 1971, a Segunda Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos emitiu outro documento aprovado pela Justiça da Santa Sé no Mundo, no qual a Assembleia Geral fez as seguintes declarações:

"A missão de pregar o Evangelho dita no tempo presente que devemos nos dedicar à libertação do homem, mesmo em sua existência presente neste mundo. Pois, a menos que a mensagem cristã de amor e justiça mostre sua eficácia por meio da ação na causa da justiça no mundo, dificilmente ganhará credibilidade junto aos homens de nosso tempo." [4]

A evangelização do mundo "dita" que devemos libertar o homem "neste mundo" por meio da "ação na causa da justiça". Em carta de 1986 aos bispos brasileiros, João Paulo II escreveu:

"A Igreja não hesita em defender destemidamente a justa e nobre causa dos direitos humanos e em apoiar reformas corajosas, que conduzam a uma melhor distribuição dos bens, incluindo os bens terrenos como a educação, os serviços de saúde, a habitação, etc. Estamos convencidos de que a teologia da libertação não é apenas oportuna, mas útil e necessária. Deve constituir uma nova etapa da reflexão teológica iniciada com a tradição apostólica e continuada pelos grandes Padres e Doutores, pelo Magistério e pelo rico patrimônio da doutrina social da Igreja, expressa nos documentos, da Rerum Novarum a Laborem Exercens." [5]

Nesse mesmo mês, o Vaticano, por meio da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, emitiu a Instrução sobre a Liberdade e Libertação Cristã. No decorrer de sua Instrução, a Congregação discutiu a liberdade: "Liberdade não é a liberdade de fazer seja o que for. É a liberdade de fazer o bem". [6]

O Vaticano endossou as "comunidades de base" do movimento de libertação, sem fazer objeções ao pensamento econômico da teologia da libertação, [7] e reiterou sua doutrina social como "um conjunto de princípios de reflexão e critérios de julgamento e também diretrizes de ação para que profundas mudanças exigidas por situações de pobreza e injustiça possam ser produzidas…" [8] A Instrução reiterou os princípios da solidariedade e da subsidiariedade e declarou que "a doutrina da Igreja se opõe a todas as formas de individualismo social ou político". [9]

A Instrução condenou o "recurso sistemático à violência apresentada como o caminho necessário para a libertação" como uma "ilusão destrutiva". Porém "É preciso condenar com igual vigor a violência exercida pelos poderosos contra os pobres..." [10] Na verdade, a Igreja endossou a revolução armada; apenas se opôs ao "recurso sistemático à violência": "se há recurso à luta armada, o Magistério da Igreja a admite como último recurso para pôr fim a uma tirania evidente e prolongada que prejudica gravemente os direitos fundamentais das pessoas e o bem comum". [11] Portanto, a Igreja-Estado Romana, no final, não tem objeções a uma revolução socialista. O leitor não deve deixar-se enganar pela linguagem dos direitos em alguns dos documentos papais; os Direitos do Homem [12] também foram um tema da Revolução Francesa.

Sob os títulos "Bem comum nacional e internacional", "Prioridade do trabalho sobre o capital", "Reformas profundas", "Uma nova solidariedade" e "Os bens são destinados a todos", a Instrução enfatizou os princípios seculares da Igreja-Estado Romana: "Os bens materiais são destinados a todos" e "O direito à propriedade privada é inconcebível sem responsabilidades para com o bem comum. É subordinado ao princípio superior que afirma que os bens são destinados a todos". [13]

Notas

1. Pio XI, Sobre o Comunismo Ateísta, 19 de março de 1937-

2. Pio XI, Sobre o Comunismo Ateísta (1937), 15.

3. Pontifical Biblical Commission, The Interpretation of the Bible in the Church. Washington, D. C.: United States Catholic Conference [1993] 1996, 16.

4. Second General Assembly of the Synod of Bishops, Synodal Document on Justice in the World. Approved by the Holy See. Boston: Daughters of St. Paul,, sem data [30 de novembro de 1971], 12-13.

5. João Paulo II, Carta aos Bispos do Brasil, 9 de abril de 1986.

6 Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Cardeal Ratzinger, Prefeito, Instruction on Christian Freedom and Liberation. Boston: Daughters of St. Paul, 1986, 16.

7. "As novas comunidades de base, ou melhor, grupos de cristãos que surgiram para ser testemunhas desse amor evangélico são uma fonte de grande esperança para a Igreja. Se viverem realmente em unidade com a Igreja local e a Igreja universal, serão uma verdadeira expressão de comunhão e um meio para construir uma comunhão ainda mais profunda. A fidelidade à sua missão dependerá do cuidado que tenham em educar os seus membros na plenitude da fé cristã, no ouvir a Palavra de Deus, na fidelidade ao ensino do Magistério, na ordem hierárquica da Igreja e na vida sacramental. Se estas condições forem cumpridas, a sua experiência, enraizada no empenho pela libertação total do homem, tornar-se-á um tesouro para toda a Igreja" (69). Observe que as preocupações do Vaticano são exclusivamente eclesiásticas: as comunidades de base devem permanecer sujeitas ao papado. Não há objeção à economia da teologia da libertação, pois ela é, de fato, a economia da Igreja-Estado Romana.

8. Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Instruction on Christian Freedom and Liberation (1986), 72.

9. Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Instruction on Christian Freedom and Liberation (1986), 73. "Os obstáculos ao progresso que desejamos para nós e para a humanidade são óbvios. O método de educação usado com muita frequência ainda hoje incentiva o individualismo estrito" (Justice in the World [1971], 16).

10. Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Instruction on Christian Freedom and Liberation (1986), 76.

11. Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Instruction on Christian Freedom and Liberation (1986), 79.

12. A tradução inglesa da Instrução, no parágrafo 32, feita por tradutores do Vaticano, usa essa mesma frase e a coloca em maiúscula, assim como os revolucionários franceses fizeram em 1789.

13. Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Instruction on Christian Freedom and Liberation (1986), 84, 87.

Capítulo 7

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