Megalomania Eclesiástica - 13. O Século Dezenove


Tendo assumido uma posição favorável ao governo mundial autoritário, a Igreja-Estado Romana no século XIX voltou sua atenção para o ataque ao capitalismo e ao governo limitado. Durante séculos, a Igreja usou todos os meios à sua disposição em um esforço desesperado para acabar com a Reforma e a liberdade religiosa, política e econômica que ela proporcionou a milhões de cristãos e seus vizinhos. [1] Uma instituição da velha aristocracia, a Igreja aliou-se aos reis e à velha nobreza em um esforço para recuperar o controle da Europa. Seus esforços foram inúteis. A Reforma não pôde ser eliminada, embora milhões tenham perdido a vida nas perseguições e guerras que Roma iniciou em sua tentativa desesperada de écrasez l'infâme [esmagar o infame] protestantismo. O capitalismo, o sistema econômico do cristianismo, gradualmente substituiu o feudalismo e o socialismo de corporações, o sistema econômico medieval do romanismo. Depois que seus esforços mais violentos em destruir a Reforma falharam, os papas continuaram a lançar ameaças contra todos os que discordavam deles. Em 8 de dezembro de 1864, Pio IX publicou a encíclica Quanta Cura, contendo um Syllabus de Erros, não erros romanos, naturalmente, mas uma condenação mordaz de toda modernidade, tanto a Reforma e seus frutos, como as ideias e instituições humanistas que se desenvolveram do Renascimento.

Pío IX rugiu contra o panteísmo, naturalismo, racionalismo, indiferentismo, protestantismo, liberdade e outros erros teológicos, filosóficos e políticos. Aqui estão algumas das próprias palavras de Pio IX afirmando de forma positiva algumas das ideias contrárias aos princípios do pensamento político católico:

15. É livre a qualquer um abraçar e professar aquela religião que ele, guiado pela luz da razão, julgar verdadeira.

17. Pelo menos deve-se esperar bem da salvação eterna daqueles que não vivem na verdadeira Igreja de Cristo [a Igreja-Estado Romana].

18. O protestantismo não é senão outra forma da verdadeira religião cristã, na qual se pode agradar a Deus do mesmo modo que na Igreja Católica [Romana].

19. A Igreja [Romana] não é uma sociedade verdadeira e perfeita, inteiramente livre, nem goza de direitos próprios e constantes, dados a ela pelo seu divino Fundador, mas pertence ao poder civil definir quais são os direitos da Igreja e os limites dentro dos quais pode exercer os mesmos.

21. A Igreja [Romana] não tem o poder de definir dogmaticamente que a religião da Igreja Católica é a única verdadeira.

22. A obrigação a que estão sujeitos os mestres e escritores católicos [romanos] refere-se tão somente àquelas coisas que o juízo infalível da Igreja [Romana] propõe como dogmas de fé para todos crerem.

23. Os Pontífices Romanos e os Concílios ecumênicos ultrapassaram os limites do seu poder, usurparam os direitos dos Príncipes, e erraram, mesmo nas definições de fé e de moral.

24. A Igreja [Romana] não tem poder de empregar a força nem poder algum temporal, direto ou indireto.

34. A doutrina dos que compararam o Pontífice Romano a um Príncipe livre, e que exerce o seu poder sobre toda a Igreja [Romana], é doutrina que prevaleceu na Idade Média.

54. Os Reis e os Príncipes não só estão isentos da jurisdição da Igreja [Romana], mas também, no que se refere à resolução das questões de jurisdição, são superiores à Igreja.

55. A Igreja [Romana] deve estar separada do Estado e o Estado da Igreja [Romana].

57. A ciência das coisas filosóficas e morais e as leis civis podem e devem ser livres da autoridade divina e eclesiástica [da Igreja-Estado Romana].

77. Na nossa época já não é útil que a Religião Católica [Romana] seja tida como a única Religião do Estado, com exclusão de quaisquer outros cultos.

80. O Pontífice Romano pode e deve conciliar-se e transigir com o progresso, com o Liberalismo e com a Civilização moderna.

Seis anos depois, após Pio IX ter manipulado o primeiro Concilio Vaticano para que ele fosse declarado oficialmente infalível, [2] William Gladstone, primeiro-ministro da Inglaterra, escreveu um panfleto intitulado Os Decretos do Vaticano e sua Influência na Lealdade Civil após 1870. Em seu panfleto, Gladstone escreveu: "Com este decreto, as reivindicações de Inocêncio III sobre a humanidade foram ressuscitadas no século XIX - como uma múmia retirada de seu sarcófago empoeirado". [3] Em 1885, o papa Leão XIII, treinado pelos jesuítas, considerado o mais previdente dos últimos dois séculos na área do ensino social, endossou e repetiu o Syllabus de Erros de Pio IX:

"Do mesmo modo, também, conforme a ocasião se apresentava, Pio IX divulgou publicamente muitas opiniões falsas que estavam ganhando terreno, e depois ordenou que fossem condensadas de forma sumária, a fim de que neste mar de erros os católicos pudessem ter uma luz que os guiasse com segurança. Bastará indicar alguns deles [os erros]: ... A Igreja [Romana] deve estar separada do Estado, e o Estado da Igreja [Romana]... Não é verdade que a liberdade civil de todas as formas de adoração e o pleno poder dado a todos de manifestar aberta e publicamente quaisquer opiniões e pensamentos conduzem mais rapidamente à corrupção das mentes e da moral do povo?...". [4]

Agora, essas declarações não são do século XIII, mas foram feitas apenas cem anos atrás. A Igreja-Estado Romana não mudou suas manchas, mesmo no século passado, embora tenha se tornado ainda mais inteligente, menos cândida e mais sutil do que no passado. João Paulo II concorda: "... o ensinamento [social] da Igreja... permaneceu inalterado ao longo dos séculos no contexto de diferentes experiências históricas". [5]

Depois que a Igreja-Estado Romana perdeu os Estados Papais e seus três milhões de súditos para uma Itália recém-unificada em 1870, o papa se acocorou no Vaticano e lançou maldições contra o mundo. Foi somente com a coroação de Leão XIII em 1878 que a Igreja iniciou sua ascendência intelectual e política, que continuou ao longo do século XX. Com base no pensamento político desenvolvido da Igreja, Leão XIII publicou a encíclica Immortale Dei, A Constituição Cristã dos Estados, em 1885. Nela ele apelou para a analogia, hoje secular, da alma e corpo. [6] Esta "conexão ordenada" foi interrompida pela Reforma, que Leão XIII condenou repetidamente. Ele escreveu:

"É parte dessa teoria que todas as questões que dizem respeito à religião devem ser encaminhadas ao julgamento privado; que todos devem ser livres para seguir a religião que preferirem, ou nenhuma, se a desaprovarem. Disto se seguem logicamente as seguintes consequências: que o julgamento da consciência de cada um é independente de todas as leis; que as opiniões mais irrestritas podem ser expressas abertamente quanto à prática ou omissão da Adoração Divina; e que todo o mundo tem uma licença ilimitada para pensar o que quiser e publicar amplamente o que desejar." [7]

"Doutrinas como essas", escreveu Leão, apelando para a tradição da Igreja-Estado Romana,

"os Romanos Pontífices... nunca permitiram passar sem condenação. Assim, Gregório XVI em sua Carta Encíclica 'Mirari Vos', de 15 de agosto de 1832, invocou com pesadas palavras contra os sofismas que mesmo em sua época estavam sendo publicamente inculcados - a saber, que nenhuma preferência deveria ser mostrada por qualquer forma particular de culto; que é certo que os indivíduos formem seus próprios julgamentos pessoais sobre religião; que a consciência de cada homem é seu único e suficiente guia; e que é lícito a todo homem publicar suas próprias opiniões, quaisquer que sejam, e até conspirar contra o Estado." [8]

O resultado deste estado de coisas é uma interferência intolerável na liberdade da Igreja Romana, disse Leão.

"Agora, quando o Estado se apoia em fundamentos como os que acabamos de citar - e por enquanto eles são muito favoráveis -, prontamente se evidencia em que posição e quão injusta a Igreja é dirigida. Pois quando a administração dos negócios públicos está em harmonia com doutrinas desse tipo, a religião católica tem permissão para uma posição na sociedade civil igual ou inferior apenas às sociedades alheias a ela; nenhuma consideração é dada às leis da Igreja [Romana], e ela que, por ordem e comissão de Jesus Cristo, tem o dever de ensinar todas as nações, encontra-se proibida de tomar parte na instrução do povo… Eles que administram o poder civil... desafiadoramente põem de lado os decretos mais sagrados da Igreja [Romana]... Eles tratam a Igreja [Romana] com tal arrogância que, rejeitando inteiramente seu título à natureza e aos direitos de uma sociedade perfeita, sustentam que ela não difere em nada de outras sociedades no Estado...". [9]

A Igreja-Estado Romana denunciou a igualdade perante a lei pela simples razão de que nenhuma outra sociedade na Terra é de fato igual a ela.

Leão XIII escreveu:

"A causa de todos esses males [da modernidade] reside principalmente nisto: que os homens desprezaram e rejeitaram a santa e augusta autoridade da Igreja [Romana], que, em nome de Deus, é colocada sobre a raça humana... Declaramos que nunca deixaremos de lutar pela plena obediência à nossa autoridade, pela remoção de todos os obstáculos colocados no caminho do pleno exercício de nosso ministério e poder, e pela restauração da condição de coisas em que o providente projeto da Sabedoria Divina havia anteriormente colocado o Pontífice Romano... Não só porque a [posse da] soberania civil é necessária para a proteção e preservação da plena liberdade do poder espiritual, mas porque, além disso - coisa em si mesma evidente - sempre que se trata do principado temporal da Santa Sé, estão envolvidos, com efeito, os interesses do bem público e a salvação de toda a sociedade humana." [10]

Notas

1. Leão XIII culpou a Reforma por tudo de ruim: "Na verdade, levantes repentinos e as rebeliões mais ousadas se seguiram na Alemanha imediatamente à chamada Reforma, cujos autores e líderes, por suas novas doutrinas, atacaram na própria fundação a autoridade religiosa e civil; e isso com uma explosão de guerra civil tão terrível e com tal massacre que dificilmente haveria algum lugar livre de tumulto e derramamento de sangue. Dessa heresia surgiu no século passado a falsa filosofia... Portanto, chegamos ao limite dos horrores, a saber, o comunismo, o socialismo, o niilismo, hediondas deformidades da sociedade civil dos homens e quase sua ruína" (Diuturnum Illud, do Governo Civil, 1881; em Gerard F. Yates, editor, Papal Thought on the State: Excerpts from Encyclicals and Other Writings of Other Recent Popes. New York: Appleton-Century Crofts, 1958, 8-9).

2. Ver Geddes MacGregor, The Vatican Revolution, e Henry Hudson, Papal Power: Its Origin and Development. "O Vaticano I foi o primeiro Concílio Ecumênico total e oficialmente secreto da história e o primeiro sem representação leiga significativa" (Richard N. Ostling, Secrecy in the Church: A Reporter's Case for the Christian's Right to Know. New York: Harper and Row, 1974, 82).

3. Citado em Anthony Rhodes, The Power of Rome in the Twentieth Century, 16.

4. Leão XIII, Immortale Dei, Da Constituição dos Estados Cristãos (1885), 23.

5. João Paulo II, Laborem Exercens, Sobre o Trabalho Humano (1981), 26.

6. "O Todo-Poderoso, portanto, designou o encargo da raça humana entre dois poderes... Deve, consequentemente, existir entre esses dois poderes uma certa conexão ordenada, que pode ser comparada à união da alma e do corpo no homem..." (Leão XIII, Immortale Dei [1885], em Yates, Papal Thought on the State, 17).

7. Leão XIII, Immortale Dei [1885], em Yates, Papal Thought on the State, 40.

8. Leão XIII, Immortale Dei [1885], em Yates, Papal Thought on the State, 23.

9. Leão XIII, Immortale Dei [1885], em Yates, Papel Thought on the State, 20.

10. Conforme citado em R.W. Thompson, The Footprints of the Jesuits, 339-343.

Capítulo 14

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