Geoffrey Shurlock substitui Breen; o Código é alterado
A velha guarda estava saindo de cena. Will Hays morreu em 1954, no mesmo ano em que Breen se aposentou, e o padre jesuíta Daniel Lord, autor do Código, morreu em 1955. Breen foi sucedido na PCA por Geoffrey Shurlock. E em sua nomeação também houve uma indicação de mudança de época, pois o candidato papista para substituir Breen, Jack Vizzard, não conseguiu o cargo. Shurlock não era papista, mas episcopaliano.
Embora tenha se comprometido a seguir o "princípio de Breen" e, usando a frase do próprio Breen, "tornar os filmes razoavelmente aceitáveis, moralmente, para pessoas razoáveis", Shurlock certamente não era tão rígido quanto Breen, discordando dele em algumas de suas decisões, mesmo quando Breen era seu chefe. Shurlock interpretava o Código de forma muito mais liberal do que Breen, que era um estrito cumpridor da letra da lei do Código. Por esse motivo, Martin Quigley e a Legião se opunham à escolha de Shurlock como diretor da PCA. Eles queriam que a instituição permanecesse firmemente nas mãos dos católicos, mas não tiveram sucesso. O sacerdote Thomas Little acusou Shurlock de aprovar mais filmes imorais do que jamais havia ocorrido antes. Além disso, sob o comando de Shurlock, a PCA sofreu uma pressão cada vez maior de todos os lados, morrendo lentamente ano após ano, à medida que continuava a perder terreno. O "Shurlock Office" simplesmente não era o "Breen Office". Os apelos para que o Código fosse modernizado estavam sendo ouvidos novamente. Sam Goldwyn declarou: "O mundo avançou nos anos desde que o Código foi adotado e acredito que, sem se afastar dos fundamentos, o setor cinematográfico deveria avançar com ele." [380]
Inevitavelmente, a MPAA cedeu à pressão e, em setembro de 1954, aprovou as primeiras emendas realmente sérias ao Código desde sua adoção em 1930. O próprio Breen, antes de sua aposentadoria, havia proposto as revisões.
A miscigenação não seria mais proibida. Se tratados "dentro dos cuidadosos limites do bom gosto", o romance e o casamento inter-racial seriam permitidos. A bebida alcoólica também poderia ser retratada sob os mesmos termos. Além disso, certas palavras e frases que haviam sido proibidas anteriormente agora eram permitidas, inclusive as palavras "inferno" e "maldito", se seu uso fosse "regido pela discrição e pelo conselho prudente da Administração do Código".
A TV incentiva Hollywood a "apimentar" os filmes
Quando, em 1955, Otto Preminger enviou para a PCA o roteiro de The Man with the Golden Arm, uma história sobre dependência de drogas, Shurlock o rejeitou. Além do tema das drogas, o filme tinha o suicídio como enredo, mulheres em um bar de strip-tease e muita violência. Mas Preminger ignorou a PCA e produziu o filme.
Shurlock rejeitou o filme finalizado. Os críticos da Legião da IFCA ficaram divididos, com alguns dizendo que deveria ser condenado, enquanto a maioria optou por uma mera classificação "B". O público compareceu em massa para assistir ao filme. Naquela época, os temas relacionados a drogas eram parte regular de muitos programas de TV, portanto o público não se sentiu ofendido com a produção. A televisão, de fato, tinha muito mais liberdade do que o setor cinematográfico, e esse era um dos motivos pelos quais os cineastas estavam cada vez mais dispostos a desafiar a PCA, a Legião e a MPAA: se não tornassem suas produções mais "picantes", argumentavam, perderiam receita, pois as pessoas simplesmente ficariam em casa assistindo à TV.
A moral despenca e a autoridade da Legião diminui ainda mais
Apesar da decisão de 1952 da Suprema Corte, o próprio setor cinematográfico continuou a aplicar seu Código de Produção por alguns anos. Mas os americanos mais jovens naqueles anos do pós-guerra simplesmente não aceitavam mais os valores e as normas das gerações anteriores. A própria moralidade passava por mudanças, com os padrões anteriores sendo questionados e cada vez mais descartados. O clima moral estava se deteriorando; coisas antes desaprovadas agora eram abertamente ostentadas, e os padrões anteriores eram alvo de zombaria. A década de 1950 e, mais ainda, a de 1960 vivenciaram uma revolução social que mudaria completamente o mundo ocidental. Como Bob Dylan, a voz de toda uma geração de jovens rebeldes, diria mais tarde em uma música: "Os tempos estão mudando'". Estavam, de fato, mudando.
A Legião da Decência continuou a condenar filmes que considerava questionáveis após a decisão de 1952 da Suprema Corte; o arcebispo de Los Angeles pediu aos padres em 1955 que alertassem os jovens sobre os perigos dos filmes imorais; os bispos americanos anunciaram planos para revitalizar uma campanha pela moralidade no cinema; e o próprio papa de Roma, Pio XII, pediu aos cineastas italianos que produzissem filmes morais. [381] Mas os tempos eram outros. Era como tentar deter a maré. O público, incluindo grande parte dos católicos, não queria mais receber ordens de um cão de guarda moral. Moralmente, as pessoas haviam chegado a um novo nível nos Estados Unidos e no mundo ocidental, e agora queriam entretenimento muito diferente daquele das gerações anteriores.
Martin Quigley, devoto papista que era, lutou durante anos por meio da Legião para manter os filmes "limpos" de acordo com a visão de moralidade de Roma. Em 1950, recebeu a medalha papal de São Gregório por seu trabalho na Legião. Ele era extremamente influente em Hollywood, amigo íntimo de cardeais e padres. E, no entanto, em 1956, ele foi forçado a admitir, em uma carta ao cardeal Spellman, que "A Legião da Decência... não é mais capaz de exercer sua influência prática anterior". [382] De fato, os católicos, assim como outros americanos, agora estavam "motorizados e com mobilidade, e só precisavam dirigir até uma cidade vizinha para evitar um pároco carrancudo na esquina da Bijou. Os batalhões de paroquianos obedientes que antes saíam da fila na bilheteria haviam se dispersado - indo para os subúrbios, ainda observando a fé, mas recusando-se a fazer genuflexão quando ordenados". [383] O espírito americano de liberdade de pensamento e independência entrara em conflito com o espírito católico de rigidez e autoritarismo, e este último estava sofrendo severos golpes.
E então veio uma bomba. E quem a lançou foi, nada menos, que um padre jesuíta.
Mudança na política de Roma: os jesuítas se posicionam contra a censura
John Courtney Murray, um importante teólogo e intelectual jesuíta, publicou um artigo sobre censura em 1956 no qual questionava se os adultos católicos eram realmente obrigados a seguir as restrições impostas à mídia por seus líderes religiosos. Ele afirmou que a censura em uma democracia era uma infração perigosa à liberdade de expressão e que somente a pornografia deveria ser restringida ou banida. Sem citar nomes, ele até criticou o poder e a influência da Legião da Decência. Argumentou que boicotar um cinema fazia com que os católicos parecessem ridículos. Eles deveriam ser livres para decidir por si mesmos o que era obsceno e o que não era, e até apelou para o Direito Canônico de Roma, afirmando que o Cânon 1399, que estabelecia as categorias de livros proibidos, parecia supor que os papistas comuns poderiam decidir por si mesmos nessa questão. [384]
Mas o que estava acontecendo? Por que esse padre jesuíta escreveu tal artigo? Por que seus superiores permitiram que ele o fizesse?
É fundamental compreender a essência da Ordem dos Jesuítas. Esses agentes fervorosos do papado têm servido consistentemente como a vanguarda intelectual da instituição papal. Seus objetivos são notadamente de longo prazo, e seus métodos são frequentemente radicais, muitas vezes divergindo das políticas papistas convencionais ou tradicionais. Além disso, eles demonstram uma maior leniência com os católicos em relação a comportamentos pecaminosos. Por conseguinte, eles frequentemente enfrentam intensa animosidade de outras ordens religiosas católicas. Apesar disso, eles continuam a perseguir seus objetivos de maneira inflexível, sem medo de desafiar muitos dentro da hierarquia papal. Eles têm plena consciência de seu poder superior em relação a qualquer outra ordem religiosa. Ademais, eles mantêm um relacionamento próximo com o papa de Roma; se um determinado papa não responde à sua influência, eles não hesitam em orquestrar sua remoção por meio de uma "morte acelerada". A história está repleta de exemplos que ilustram esse fato. [385]
A verdade é que "o artigo de Murray, publicado 'com aprovação eclesiástica', sinalizou uma mudança interna em desenvolvimento dentro da Igreja Católica sobre o papel dos filmes". [386] Que o leitor tenha em mente o que foi declarado no capítulo sobre o uso jesuíta das artes dramáticas séculos atrás: como eles rebaixaram os padrões morais percebidos na época e introduziram elementos e temas considerados "limítrofes" para manter o controle sobre o público. Observamos que ficaria claro que as lições que os jesuítas aprenderam no passado ao produzir suas peças teatrais seriam aplicadas à indústria cinematográfica. Isso é exatamente o que estava acontecendo agora. Vários jesuítas intelectualmente "progressistas" examinaram o cenário de Hollywood e chegaram à conclusão de que, se Roma quisesse ter alguma influência sobre a indústria cinematográfica no mundo em formação nos anos 1950, seria necessário adotar uma tática totalmente diferente. Os métodos tradicionais, como os sintetizados pela Legião da Decência, não funcionariam mais; isso era óbvio. O mundo havia passado ao largo da Legião. Ela se tornou uma relíquia de uma época anterior. Um novo mundo exigia novos métodos, e os jesuítas acreditavam que tinham a solução. Não eram boicotes, piquetes, fulminações sobre o pecado mortal, ameaças contra os proprietários de cinemas e assim por diante. Não; a solução era muito mais sutil. E o fato de o artigo de Murray ter sido publicado "com aprovação eclesiástica" mostrava que a nova tática jesuíta havia conquistado a aprovação da hierarquia romana.
Os jesuítas estavam na linha de frente dessa nova tática. Havia Murray; havia John G. Ford, professor de teologia romana; Harold C. Gardiner, autor de The Catholic Viewpoint on Censorship; e Gerald Kelly, outro professor de teologia. Todos eram padres, e todos eram jesuítas. Havia outro padre, Francis J. Connell. Ele não era jesuíta, mas estava com eles nessa mudança interna em desenvolvimento.
Esses homens não se opunham necessariamente a toda censura. É muito provável que eles não fossem a favor da violência, do sexo, da nudez e da profanação desenfreados, tão comuns nos filmes atuais. No entanto, eles acreditavam que a censura era muito opressiva. Não defendiam necessariamente que a Legião fosse dissolvida, mas sim que, no mínimo, deveria passar por uma grande reforma. Eles acreditavam que os católicos não seriam necessariamente contaminados moralmente ao assistir a filmes que tratavam de assuntos como adultério, divórcio, crime, etc. Talvez o mais importante seja que eles acreditavam que as velhas táticas empregadas pela Legião faziam a "Igreja" Católica parecer tola e antiquada. No mundo moderno, acreditavam os jesuítas, essa não era a maneira de promover o romanismo ou de combater o protestantismo. Esses métodos pertenciam à Idade das Trevas. Era hora de mudar.
Os argumentos não eram de fato novos. Em 1946, Francis J. Connell, um dos padres teólogos intelectuais mencionados acima, declarou que os romanistas não eram estritamente obrigados a seguir as decisões da Legião. John G. Ford, um dos teólogos jesuítas supramencionados, escreveu que nenhuma lei eclesiástica tornava as classificações da Legião obrigatórias para todos os romanistas americanos. Ele ressaltou que a maioria dos romanistas – inclusive ele próprio – não entendia como algo poderia ser um pecado mortal em uma diocese, mas não em outra. "Não há nenhuma obrigação universal", escreveu ele, "que obrigue os católicos nos Estados Unidos, sob pena de pecado, a se manterem longe de filmes classificados como condenados pela Legião da Decência". [387] Então, em 1957, o jesuíta Murray, auxiliado pelo jesuíta Kelly, também publicou suas opiniões.
Naturalmente, essa mudança de política não foi bem recebida pela velha guarda, como Spellman, Little e Quigley, que continuaram a apoiar a posição da Legião. Quigley, furioso com o artigo de Murray, classificou a visão do jesuíta como sendo de "esquerda". Nisso ele estava certo, pois esses jesuítas "progressistas" eram ideologicamente de esquerda. Quigley escreveu freneticamente a Spellman, lamentando o declínio da influência da Legião e o fato de que um grande número de papistas não se enquadrava mais nas classificações do órgão. Ele ressaltou que até mesmo em sua própria diocese, debaixo de seu próprio nariz, por assim dizer, um padre jesuíta chamado Joseph M. Moffitt havia afirmado, em um sermão, que o compromisso com a Legião, assumido pelos papistas anualmente, era voluntário e que não era pecado assistir a um filme condenado pela instituição.
Baby Doll (1956): a máquina católica contra-ataca
No final de 1956, foi lançado Baby Doll. Descrito pela revista Time como "possivelmente a produção cinematográfica americana mais suja que já foi legalmente exibida", [388] trata do casamento de uma adolescente com um homem de meia-idade. A PCA não estava satisfeita com o roteiro e pediu mudanças. Quando Jack Vizzard assistiu ao filme, não ficou satisfeito, mas o diretor Elia Kazan finalmente o convenceu de que nada poderia ser cortado do filme sem prejudicar a história e, assim, o selo de aprovação foi concedido.
A Legião, no entanto, não foi tão complacente e condenou o filme como "moralmente repelente", "gravemente ofensivo", "repleto de detalhes sórdidos, simbolismo freudiano e tons de perversão". [389] Sabendo como esse filme poderia enfraquecer a influência da Legião, Little pediu aos diretores locais da instituição que combatessem o filme com tudo o que tinham. Quigley e Little fizeram com que Spellman, conhecido como "o papa da América", condenasse o filme de seu púlpito, lendo uma declaração que havia sido preparada para ele por Quigley e descrevendo o filme como revoltante, imoral, corruptor, maligno e (para completar) também antipatriótico - sendo, como ele disse, possivelmente uma ameaça maior para a América do que o comunismo internacional. [390] Em ocasiões anteriores em que condenou filmes, Spellman escreveu uma carta para ser lida por todos os padres durante as missas de domingo, mas dessa vez ele o condenou pessoalmente de seu púlpito na Catedral de St. Patrick, com o propósito de impressionar os católicos com a seriedade com que ele encarava o assunto.
Essa forte condenação por parte de Spellman foi um triunfo para Quigley, que assim enviou uma mensagem clara aos padres que estavam questionando a autoridade da Legião de que ele estava preparado para lutar com unhas e dentes para que a instituição permanecesse conservadora e assumisse uma posição vigorosa contra filmes imorais.
Spellman (ou melhor, Quigley) estava realmente certo no sentido de que os comunistas usavam (e continuaram a usar) a indústria cinematográfica para destruir a moral do Ocidente; de modo que, em grande medida, Hollywood é pelo menos uma ameaça tão grande quanto as forças comunistas externas. Esse único filme, considerado isoladamente, não teria sido uma ameaça tão séria quanto ele imaginava, mas, certamente, considerado como um todo, a influência nefasta de Hollywood estava causando danos incalculáveis ao povo americano e, na verdade, ao Ocidente em geral. Especialmente quando se considera que os estúdios estavam repletos de comunistas ou simpatizantes do comunismo. Entretanto, sem tolerar de forma alguma a sexualidade explícita do filme, rotulá-lo de "antipatriótico" não tinha fundamento. É um filme terrível por vários motivos, mas esse não é um deles.
Spellman também criticou a PCA, questionando se ela havia entrado em decadência e colapso. No passado, ela serviu fielmente aos interesses de Roma em Hollywood, mas isso não era mais garantido. Ele advertiu os católicos em Nova York que, se fossem ver Baby Doll, seria "sob pena de pecado". A máquina papal entrou em ação. Vários bispos apoiaram a posição de Spellman. Nos bastidores, a Legião pressionou os proprietários de cinemas e distribuidores. O proprietário de uma cadeia de cinemas papista, Joseph P. Kennedy, cujo filho John um dia se tornaria o primeiro presidente papista dos EUA, proibiu seus cinemas de exibirem o filme. Algumas cidades proibiram totalmente sua exibição. A poderosa organização papista, os Cavaleiros de Colombo, fez piquetes em alguns locais, e os Veteranos de Guerra Católicos também abraçaram a causa. As publicações papistas condenaram o filme em termos bastante vigorosos. Um padre jesuíta britânico chamado J.A.V. Burke, diretor do Catholic Film Institute na Grã-Bretanha, perdeu seu cargo como resultado da poderosa influência de Spellman por ter dito que Baby Doll poderia ser visto por adultos mesmo sendo repulsivo. Um cardeal britânico o destituiu de seu cargo. Como o próprio Burke disse: "o longo braço da vingança clerical atravessou o Atlântico". [391]
O diretor Elia Kazan rebateu. "Neste país, os julgamentos sobre questões de pensamento e gosto não são transmitidos com mão de ferro por uma autoridade incontestável", disse ele a Spellman. "As pessoas veem por si mesmas e finalmente julgam por si mesmas. É assim que deve ser. É nossa tradição e nossa prática." [392] O próprio Kazan não teria ousado dizer tais coisas a um cardeal apenas duas décadas antes. Mas ele não foi tão honesto quando disse que era tradição e prática americana ver e julgar por si mesmos, porque ele sabia muito bem que durante décadas a própria Hollywood havia se curvado em submissão à vontade da hierarquia romana, editando seus filmes para atender às exigências católicas.
Outros também se manifestaram contra a posição da Legião em relação ao filme. A American Civil Liberties Union, de esquerda, disse que o boicote da Legião era "contrário ao espírito de liberdade de expressão da Primeira Emenda". Vários ministros protestantes de Nova York se manifestaram contra a campanha, dizendo que eram "os esforços de um grupo minoritário para impor seus desejos à cidade". É de se perguntar se eles realmente aprovaram o filme. Até mesmo alguns católicos, que haviam absorvido mais do espírito do americanismo do que sua "Igreja" teria aprovado, criticaram a campanha da Legião. Um deles foi John Cogley, escrevendo no Commonweal. Ele acreditava que Spellman tinha o direito de fazer a advertência que fez, mas o que o preocupava era o que ele chamava de uso de "pressão econômica nua e crua". Isso, segundo ele, era semelhante aos métodos coercitivos usados pela Inquisição (que, diga-se de passagem, era católica!), e disse que a "Igreja" deveria usar apenas a persuasão moral para mudar o coração das pessoas. Isso parecia decididamente antipapista, e de fato era. Ele estava certo. Essas críticas não passaram despercebidas pela Legião e seus apoiadores. Quigley escreveu: "O maior dano que estamos sofrendo é o que é escrito e falado por várias pessoas que se identificam como católicas". [393]
A condenação de Baby Doll por Spellman/Quigley teve o efeito contrário, estimulando os católicos a assisti-lo. Como disse Kazan, "Foi preciso o Cardeal Spellman para torná-lo famoso". [394] Famoso, talvez, mas não exatamente o sucesso financeiro que ele esperava; pois, embora tenha lucrado, a condenação papista fez com que a produção faturasse menos do que teria faturado de outra forma. Kazan foi forçado a admitir que o "ataque de Spellman nos prejudicou..." [395] Ben Kalmenson, vice-presidente executivo da Warner Brothers, disse a Quigley, depois de receber um grande número de cartas de pessoas que se opunham ao filme: "Foi uma experiência terrível para nossa empresa e nunca mais queremos passar por isso". [396] Conquanto outros fatores estivessem em jogo – notadamente o fato de que o filme simplesmente não era um "grande" filme, mesmo segundo os padrões mundanos – essas coisas mostraram que, mesmo em 1956, a influência e o poder católicos sobre o cinema ainda eram consideráveis. Oito anos se passaram antes que qualquer outro estúdio de Hollywood assumisse a Legião novamente.
Tea and Sympathy (1956): prelado papal vs. editora papal
Em 1956, foi lançado um filme com temas de adultério e homossexualidade, intitulado Tea and Sympathy. Foi baseado em uma peça de sucesso da Broadway com o mesmo nome. A PCA e a Legião lutaram arduamente para esmagá-lo, mas no final não obtiveram sucesso. Os estúdios da MGM ganharam os direitos para produzir a versão cinematográfica da peça, embora tenham decidido suavizar a versão para a tela. De fato, o roteiro continha homossexualidade atenuada e uma posição um pouco mais branda sobre a sedução de meninos por mulheres adultas. Mas Geoffrey Shurlock e seu assistente Jack Vizzard deixaram claro que não seria possível obter um selo da PCA para o filme. O tema homossexual tornou necessário que a PCA o rejeitasse automaticamente, e o tema adicional de adultério entre uma mulher casada e um colegial o tornou duplamente inaceitável.
A MGM decidiu contestar a decisão da PCA, solicitando que a diretoria da MPAA examinasse o roteiro. O conselho disse à MGM e à PCA para chegarem a um acordo, permitindo que o filme fosse produzido e satisfazendo a PCA para que um selo pudesse ser emitido. Após alguns meses de mudanças, Shurlock se sentiu satisfeito.
O problema era outro com a Legião da Decência, que não tinha a menor intenção de aprovar o filme. Mas os dias em que tais ruídos da Legião teriam feito os cineastas tremerem em suas botas já haviam passado, e a MGM fez o filme. As avaliadoras da Legião da IFCA, bem como o padre Little e seu novo assistente, o padre Paul Hayes, assistiram ao filme. As mulheres da IFCA não ficaram nada satisfeitas, não por causa do tema homossexual, mas em virtude das cenas de adultério. Little exigiu mais mudanças. Apesar de várias alterações terem sido realizadas, a Legião estava disposta a condenar o filme.
Em uma nova exibição para os oficiais da Legião, Little também convidou quase 40 católicos proeminentes, incluindo quinze padres, para julgar Tea and Sympathy. Alguns dos padres eram professores de teologia moral da Igreja Católica, e nem todos apoiavam a Legião. Depois de assistirem ao filme, Martin Quigley argumentou que ele deveria ser condenado, mas nem todos concordaram. No final, apenas quatro padres votaram a favor da condenação, e onze deles disseram que o filme merecia uma classificação "B" ou "A2" (não censurável para adultos). Um bispo, William A. Scully, que estava entre os que analisaram o filme, foi quem tomou a decisão final: ele decidiu que as mudanças feitas, disfarçando a homossexualidade e mostrando remorso pelo adultério cometido, significavam que o filme poderia receber a classificação "B".
A estreia de Tea and Sympathy foi um sucesso de bilheteria. Martin Quigley, por sua vez, estava bastante insatisfeito. O bispo Scully havia lhe passado a perna. Quigley, no entanto, não desistiu. Ele queria que a Legião continuasse a ser o cão de guarda moral conservador de Hollywood. Mas ele tinha um inimigo, Scully, que, junto com Little, sabia que Quigley era visto pelo setor como alguém que falava em nome da Legião; na verdade, ele praticamente personificava a instituição. Scully ordenou a Little que "acabasse com a reputação [de Quigley] na indústria cinematográfica de ser 'a Legião da Decência'". [397] A falsa "Igreja" de Roma está cheia de homens ambiciosos e invejosos, com suas próprias políticas de poder sendo jogadas nos bastidores enquanto disputam posições, fama e reconhecimento. Não são homens cristãos, motivados por princípios cristãos!
E assim, "A briga por Tea and Sympathy marcou o início de uma curiosa disputa entre a hierarquia católica e um leigo católico sobre os temas que os filmes poderiam apresentar. Uma questão importante em seu crescente desacordo sobre o que era entretenimento aceitável dizia respeito à qual dos dois homens controlaria a Legião da Decência: o prelado [Scully] ou o editor [Quigley]." [398]
O Código sofre outras alterações
Em 1956, o comitê da MPAA se reuniu para considerar maneiras de modernizar novamente o Código. Um dos membros do comitê era Daniel O'Shea, presidente dos estúdios RKO. Ele era um romanista devoto e atuou como um representante da Legião, relatando as atividades do comitê a Little e Quigley (Quigley atuou como consultor especial do comitê), para mantê-los a par do que estava sendo decidido. Ele alertou a Legião, por exemplo, sobre as tentativas de Shurlock de liberalizar o Código. [399]
Em dezembro, após meio ano de deliberação, o comitê tornou o Código mais liberal. De acordo com Eric Johnston, quando ele anunciou que o Código havia sido revisado, isso demonstrou que era "destinado a ser – e tem sido – um documento vivo e flexível, não uma mão morta imposta ao esforço artístico e criativo". [400] Certas palavras consideradas profanas e proibidas foram removidas da lista, e foi adotada uma postura mais relaxada em relação a temas como aborto, drogas, prostituição, cenas com consumo excessivo de álcool, etc. O critério era que esses temas deveriam ser tratados "com bom gosto". Mas temas como nudez, perversão sexual, cenas cômicas no quarto, beijo na boca e doenças venéreas permaneceram inaceitáveis. Quanto à miscigenação, ela simplesmente não foi mencionada nesta revisão.
Em uma área, a de "Sentimentos Nacionais", o Código se tornou mais restritivo do que antes, pois afirmava que nenhum filme que incitasse o fanatismo ou o ódio entre povos de diferentes raças, religiões ou origens nacionais receberia aprovação, e que palavras ofensivas deveriam ser evitadas.
Os cineastas independentes simplesmente ignoravam a PCA e a Legião, e os limites eram constantemente testados e ultrapassados.
Storm Center (1956): o grande erro da Legião
Poderosa, ela certamente era, mas a Legião estava em luta. Ela se opôs ao filme Rebelde Sem Causa, com seu questionamento juvenil da autoridade, e a And God Created Woman, com sua sexualidade evidente. Mas, apesar de seus protestos, o público lotou os cinemas para assistir aos dois filmes.
Em seguida, houve um grande erro por parte da Legião. Ela se opôs a Storm Center, que não contém sexo nem violência, mas que trata de uma bibliotecária falsamente acusada de ser simpatizante do comunismo por se recusar a retirar um livro pró-comunista da estante. A PCA ficou satisfeita com o filme, mas a Legião disse que era propaganda esquerdista e o colocou em sua categoria "Separado" porque, como explicou o diretor assistente da Legião, o padre Paul Hayes, tratava-se um filme moralmente aceitável, mas prejudicial por motivos filosóficos ou dogmáticos, confundindo liberdade com liberdade irrestrita. Esse argumento era tolo, pois os livros pró-comunistas precisam ser lidos, analisados e expostos pelos oponentes do comunismo. O comunismo só pode ser derrotado se o público o compreender e souber como reagir a ele. O mesmo se aplica a qualquer ideologia ou religião falsa.
Além disso, o sistema de classificação indicativa da Legião foi criado com o objetivo de condenar a imoralidade nos filmes, e não a propaganda política. Assim, sempre que a Legião tentava condenar um filme por sua mensagem política, encontrava problemas.
Na história, a bibliotecária se recusa a retirar um livro pró-comunista das prateleiras quando o conselho municipal determina que ela o faça, porque a liberdade de expressão é garantida pela Constituição dos EUA. Ela é acusada de ser comunista, a cidade se volta contra ela e a biblioteca é incendiada. No final, fica claro que ela não era uma simpatizante do comunismo.
Os comunistas, de fato, procuraram colocar sua literatura propagandística nas prateleiras das bibliotecas, com o objetivo de plantar as sementes do comunismo entre o público. Porém, mais uma vez, é preciso dizer que, para que essa literatura seja examinada e exposta pelo mal que é, as pessoas devem estar cientes do que é o comunismo, como ele funciona, quais argumentos usa, etc. Como isso pode ser feito se é impossível obter as informações? O problema é que a Legião tinha alguns motivos para se preocupar. Julian Blaustein, o produtor do filme, havia sido investigado pelo Comitê Tenney do Senado da Califórnia por suas conexões com a esquerda (como a Legião descobriu). [401] Era realmente possível que o filme fosse uma tentativa, por parte de esquerdistas e/ou comunistas, de enviar a mensagem de que as pessoas que queriam censurar a literatura comunista eram idiotas fanáticos de mente estreita. Isso estaria totalmente de acordo com as táticas comunistas: uma tentativa sutil e enganosa, por meio de uma mídia visual muito poderosa, de doutrinar as pessoas no comunismo certamente não é a mesma coisa que um manual direto dos princípios comunistas. A União Soviética e a Alemanha nazista, conhecendo bem o imenso poder propagandístico dos filmes, fizeram grande uso deles para espalhar seu veneno - um fato apontado pelas publicações católicas na América, que denunciaram Storm Center como o mesmo tipo de propaganda. Pelo menos nesse ponto, eles poderiam estar certos.
Little foi apoiado em sua decisão de colocar o filme na categoria "Separado" pela maioria das publicações romanistas. A Commonweal, no entanto, criticou a decisão porque a Legião não tinha mandato para condenar produções por seu conteúdo político. A decisão da Legião também foi condenada pelo Motion Picture Industry Council. Além disso, o Departamento de Relações Comunitárias da MPAA apoiou o filme. Ficou claro que muitos achavam que a Legião havia se tornado demasiadamente arrogante. Mas Jack Vizzard acreditava que a Legião era a mesma – era Hollywood, que constantemente ultrapassava os limites, a causadora do atrito. Nesse ponto, ele estava obviamente certo. Hollywood estava constantemente ultrapassando os limites, dobrando a aposta, enquanto a Legião buscava defender os padrões católicos de moralidade e política (embora de forma mais ampla do que antes).
A nova abordagem liberal de Roma: a Conferência do OCIC de 1957
A Legião persistiu em sua oposição à crescente liberalização dos filmes; no entanto, a própria instituição católica estava começando a adotar valores liberais. Consequentemente, a Legião era cada vez mais vista como uma relíquia de uma versão anterior mais autoritária e conservadora da "Igreja" por aqueles que defendiam essa mudança liberal. Como sua educação havia melhorado em relação ao que seus pais e avós haviam desfrutado, muitos católicos começaram a questionar as posições de sua "Igreja" em vários assuntos, e sentiam que uma organização como a Legião da Decência os tratava como crianças e tolos.
A Ordem dos Jesuítas, em particular, estava impulsionando a liberalização da instituição papal, a fim de torná-la mais relevante num mundo em rápida mudança. O padre jesuíta John Courtney Murray, editor de religião da revista America, defendia a doutrina de que nenhuma instituição religiosa minoritária (e a instituição papal era uma religião minoritária nos Estados Unidos) poderia impor seus próprios padrões aos de outras instituições religiosas em uma sociedade pluralista. Essa doutrina foi combatida por outros padres, como Francis Connell, reitor da Escola de Tecnologia Sagrada da Universidade Católica, que afirmou que, como a "Igreja" Católica era a única Igreja verdadeira na Terra, seu dever sagrado era obrigar todos os cidadãos a obedecer a seus padrões morais, mesmo sendo uma religião minoritária nos EUA. Ele disse ao padre Little que os próprios apóstolos, apesar de serem um grupo minoritário, "tinham o direito de dizer a qualquer governante da Terra... que ele deveria abolir qualquer tipo de produção teatral que eles considerassem prejudicial à moralidade". [402] Não nos é dito exatamente de que parte da Bíblia esse padre extraiu sua doutrina, o que não é surpreendente, pois simplesmente não é encontrada em nenhum lugar das Escrituras.
Dentro da própria comunidade católica, um número crescente de vozes criticava a Legião e seu trabalho. Essa situação chocou Martin Quigley, que havia trabalhado por tantos anos na defesa da Legião.
Até mesmo o compromisso anual da Legião foi alvo de críticas, inclusive dos próprios padres. As coisas pareciam cada vez mais sombrias para o trabalho da Legião. De acordo com Quigley, um número crescente de padres estava dizendo a seus rebanhos que o juramento era opcional. Os católicos assistiam a filmes condenados em número crescente, e muitos padres afirmavam que não era pecado. Quigley estava profundamente perturbado.
Em janeiro de 1957, realizou-se um encontro católico numa escola jesuíta em Cuba, com o objetivo de estudar o cinema como um meio de comunicação internacional. O evento foi organizado pelo Office Catholique International du Cinéma (OCIC), criado em 1928, e contou com a participação de delegados de 31 países da Europa e das Américas. O tema da classificação dos filmes despertou grande interesse.
Pio XII enviou um monsenhor como seu representante para a conferência; e uma mensagem do papa foi lida, na qual se referiu ao cinema como "um instrumento privilegiado" que poderia elevar os homens se fosse usado adequadamente. Ele também queria que os católicos valorizassem ainda mais o cinema, por meio da orientação de seus líderes eclesiásticos. [403] De fato, o OCIC queria que os católicos realmente estudassem sobre o assunto em faculdades, universidades e seminários romanistas; que assistissem a bons filmes, etc.
Isso era efetivamente um sinal de mudança na atitude da hierarquia romana em relação ao cinema, desde o papa até os padres e leigos. Homens como Quigley representavam a velha escola. Embora fosse um papista devoto, sua "Igreja" simplesmente o ignorou. Uma nova abordagem estava sendo adotada. Quigley sabia disso e, conquanto o monsenhor Thomas Little, que estava na conferência com Mary Looram, da Legião, o tivesse convidado, Quigley declinou, pois acreditava que o OCIC havia sido tomado por esquerdistas que não defendiam a moral em que ele acreditava. Sua suspeita não estava muito longe da verdade: o OCIC havia apoiado e elogiado filmes com temas sexuais, etc. Ainda que fosse católica, a organização refletia a mudança de posição de muitos dentro de Roma.
Por que isso aconteceu?
Percebendo o imenso poder da indústria cinematográfica, Roma estava agora preparada para ignorar certas questões morais se, com isso, um objetivo maior e mais abrangente pudesse ser alcançado. Na qualidade de igreja não verdadeiramente cristã, Roma entendeu que, para ter influência, teria de acompanhar as mudanças em desenvolvimento, rebaixar seus próprios padrões e adequá-los ao resto do mundo. Isso fazia sentido, porque Roma é uma igreja do mundo e nunca se separou dele. Nesse ponto, seguia o exemplo do jesuitismo. A verdadeira Igreja Cristã recorre à pregação do Evangelho, e a nada mais, para ganhar almas. Em contraste, a falsa "Igreja" de Roma necessita atrair os mundanos por meios mundanos. Portanto, embora pregasse a moralidade, a fidelidade conjugal, o pecado do aborto, etc., Roma acreditava que, em matéria de entretenimento, era razoável ser mais flexível e permitir liberdade aos membros de modo a satisfazê-los, deixando-a, assim, livre para se concentrar nos assuntos de escopo maior que sempre foram de seu interesse.
Em lugar de criticar ou condenar filmes que não se enquadravam em sua posição moral oficial, a nova tática de Roma consistia em elogiar os que se enquadravam e ser mais indulgente em relação aos imorais. Apesar de sua oposição, Quigley sabia que essa seria a nova abordagem. Portanto, manteve-se afastado.
Durante a sessão inaugural da reunião da OCIC, ficou bastante claro que um novo tipo de sacerdote havia surgido no mundo. Thomas Little fez uma apresentação na qual articulou a conexão entre a PCA e a Legião da Decência, afirmando que essa conexão fornecia uma plataforma para o discurso moral e a promoção de valores éticos no cinema americano. No entanto, ao concluir suas observações, houve muita indignação entre os delegados, levando um padre dominicano belga a criticá-lo veementemente por suas declarações. Em seguida, Mary Looram, a presidente de longa data do Departamento de Cinema da IFCA e chefe da equipe de revisão da Legião, tentou defender a instituição, mas seus esforços foram tão inadequados que ela foi ridicularizada pela plateia. De acordo com Jack Vizzard, da PCA, a reunião concluiu que a Legião era "muito legalista e negativa". Quanto a Little, ele renunciou ao cargo de presidente do subcomitê no mesmo dia de sua apresentação.
Considerando que essa conferência foi realizada sob a autoridade do próprio papa, os ataques públicos à Legião Americana da Decência, por parte de delegados romanistas de outros países católicos, confirmaram que Roma estava agora defendendo uma abordagem mais liberal para a indústria cinematográfica. E após o término da conferência, também ficou claro que a nova abordagem mais "liberal" também foi compreendida nos círculos católicos americanos. O arcebispo William A. Scully, presidente do Episcopal Committee on Motion Pictures, apesar de pedir aos romanistas que continuassem a apoiar a Legião, enfatizou que não se tratava de um órgão de censura e elogiou a conferência de Cuba pela sugestão de que os papistas deveriam realmente formar-se em cinema.
Enquanto isso, os jesuítas continuaram a trabalhar para uma maior liberalização do que os católicos podiam ver nos cinemas. Dois dos padres jesuítas "progressistas", Gerald A. Kelly e John Ford, em um artigo publicado em setembro de 1957, disseram que não havia documentos oficiais da "Igreja" declarando que assistir a uma determinada categoria de filme era um pecado mortal. Alguns padres e cardeais podem ter dito isso, mas não havia uma política oficial. Em geral, disseram os padres, era melhor evitar os filmes classificados como "B" ou "C", mas poderia haver exceções e, portanto, afirmar que todos os filmes condenados eram quase sempre uma ocasião de pecado mortal significava ser excessivamente rigoroso. Eles até criticaram os bispos que originalmente fundaram a Legião da Decência.
Heaven Knows, Mr. Allison (1957): outro filme de guerra pró-papista
Embora os tempos estivessem definitivamente mudando, Hollywood ainda lançava ocasionalmente filmes do gênero que exaltavam o catolicismo. Nessa produção em particular, vagamente baseada em uma história real, uma freira devota e um fuzileiro naval dos EUA estão perdidos em um atol do Pacífico e acabam percebendo as semelhanças entre o amor dela pela religião e o amor dele pelo Corpo de Fuzileiros Navais. O fuzileiro garante à freira que os católicos são "bons fuzileiros, os melhores", o que deixa a freira muito feliz. Ela abençoa a luta dele contra os japoneses e garante que Deus protege Seus soldados.
O diretor, John Huston, planejou desde o início fazer desse filme uma produção muito virtuosa, no que diz respeito à virgindade da freira e seu compromisso com a religião. O fuzileiro naval diz que a ama e pede que ela não faça seus votos finais, mas ela se recusa, e ele aceita, nunca impondo-se a ela. O filme promove fortemente o romanismo e a suposta virtude e santidade da vida de uma freira.
A Farewell to Arms (1957): outro aceno firme em direção à virtude e coragem sacerdotais
Este filme foi a segunda versão para as telas de um livro de Ernest Hemingway. Na primeira, lançada em 1932, os votos de casamento de um jovem casal são abençoados por um padre-capelão católico, e na última cena do filme eles vão para o céu. Tudo isso, é claro, para agradar a PCA e a Legião da Decência, pois Hemingway, um convertido ao catolicismo, não incluiu esses elementos em sua história. Na segunda versão do filme, lançada em 1957, outra cena é adicionada: o martírio de um padre e uma declaração da grandeza da religião católica. Quando, durante a guerra, um hospital precisa ser evacuado, o médico, que se opunha ao que o padre-capelão representava, recebe ordens para partir, embora ele (assim como o padre) não queira, e agora pela primeira vez ele se impressiona com o padre e sua religião, pois o padre decide ficar. Ele diz ao padre: "Fui ordenado pelos militares a partir, mas o senhor tem ordens muito melhores para ficar, Padre. Eu saúdo o seu comandante." A cena seguinte mostra o padre e seus pacientes cantando a Ave Maria enquanto morrem no ataque ao hospital. [404] Tratava-se, portanto, de mais uma produção do gênero no qual a instituição papal era retratada como o grande bem moral – mesmo que essa mesma instituição tivesse apoiado Hitler, Mussolini e Franco. Tal é o poder de Hollywood para distorcer a verdade; para reescrevê-la, de fato.
Assim, mesmo durante a morte lenta e prolongada da PCA e da Legião e, consequentemente, da censura católica em Hollywood, ainda havia filmes que exaltavam o romanismo. E continuariam a existir nos anos seguintes.
A encíclica papal Miranda Prorsus
Nesse ponto, seria muito proveitoso fazer uma pausa e examinar a encíclica papal Miranda Prorsus, que expôs (conquanto em linguagem concisa) a nova abordagem que o Vaticano adotara com relação ao uso de filmes, TV e rádio para atingir seus objetivos. A encíclica foi publicada pelo papa Pio XII em setembro de 1957.
Nela, Pio chamou o cinema de uma das "descobertas mais importantes de nossos tempos", com o potencial de ser "um instrumento digno pelo qual os homens podem ser guiados para a salvação". Ele afirmou que era "essencial que as mentes e inclinações dos espectadores fossem corretamente treinadas e educadas" para entender a forma de arte dos cineastas e conclamou os católicos a estudarem cinema nas escolas e universidades romanas. [405]
Longe de defender o fim da Legião da Decência, Pio deixou claro que a instituição deveria prosseguir em seu trabalho de classificar os filmes de acordo com os padrões morais católicos e que os papistas não deveriam assistir a filmes imorais. Não obstante, a encíclica era muito diferente daquela emitida em 1936 por seu antecessor, Pio XI, intitulada Vigilante Cura, que pedia a proibição de produções imorais.
Examinaremos alguns parágrafos importantes da encíclica de 1957:
O parágrafo 34 diz: "A Igreja Católica deseja ardentemente que esses meios [cinema, rádio e TV] sejam convertidos para a divulgação e o avanço de tudo o que pode ser verdadeiramente chamado de bom. Abrangendo, como faz, toda a sociedade humana dentro da órbita de sua missão divinamente designada, a Igreja está diretamente preocupada com a promoção da civilização entre todos os povos."
Aqui mesmo o jogo é revelado. Roma deseja "converter" essas formas de mídia de massa para seus próprios fins. Além disso, no que lhe diz respeito, ela tem a missão divina de subjugar toda a raça humana aos pés do papa de Roma, que é visto como Deus na Terra, o Rei dos reis, o verdadeiro governante de toda a humanidade. Quanto ao avanço do "bem", Roma entende esse e outros termos de modo muito diferente, conforme expresso no seguinte parágrafo da encíclica:
Parágrafo 35: "Este, então, deve ser o principal objetivo do cinema, da radiodifusão sonora e da televisão: servir à causa da verdade e da virtude..."
As palavras "bem", "verdade" e "virtude" são de fato atraentes, mas que interpretação Roma atribui a elas? Seria um erro grave presumir que Roma se refere aos mesmos significados que um verdadeiro cristão atribuiria a esses conceitos! É imperativo perguntar: de quem é a "verdade" (por exemplo) que deve ser honrada? É a verdade de Cristo segundo expressa em Sua sagrada Palavra, a Bíblia? Certamente não. Roma tem rejeitado e falhado consistentemente em defender a verdade de Cristo. Em vez disso, ela se refere à sua própria interpretação de "verdade", "virtude" e "bem".
Parágrafo 51: "Essas novas artes que afetam diretamente a visão e a audição podem dar origem a inúmeros benefícios ou inúmeros males e perigos, de acordo com o uso que o homem faz delas. Percebendo isso, a Igreja tem um dever a esse respeito que ela se esforça para cumprir. Sua tarefa está... relacionada... com a religião e com a direção e o controle da moral. Para facilitar o desempenho adequado dessa tarefa, nosso predecessor de memória imorredoura, Pio XI, declarou e proclamou que 'será necessário que em cada país os bispos estabeleçam um escritório nacional permanente de revisão a fim de promover bons filmes, classificando os outros, e levar esse julgamento ao conhecimento dos sacerdotes e dos fiéis'. Ele acrescentou, também, que era essencial que toda iniciativa católica relacionada ao cinema fosse direcionada para um fim honroso. Em vários países, os bispos, tendo em mente essas diretrizes, criaram escritórios desse tipo..."
Note a expressão: "controle da moral". Roma deseja controlar a moral do mundo inteiro, pois, em sua visão, o mundo inteiro deve ser romanista. Trabalhando sempre para esse fim, ela conhece o imenso valor da mídia de massa para que possa atingir esse objetivo. Os católicos têm o dever de obedecer ao papa em todas as questões de fé e moral (papistas); e ele dirige todas as esferas da vida deles, desde o nascimento até o túmulo. "A liberdade católica é restrita apenas à escolha dos métodos a serem usados para implementar as políticas e diretrizes sociais católicas. Em princípio, ela é idêntica à liberdade comunista. Significativamente, ambos os sistemas têm o mesmo objetivo e ambos usam os mesmos métodos". [406] De fato, ambos empregam métodos como a oposição à liberdade de pensamento, à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão.
Parágrafo 52: "Desejamos que os escritórios mencionados sejam estabelecidos sem demora em todos os países onde ainda não existem. Devem ser confiados a homens experientes nessas artes, sob a orientação de um sacerdote especialmente escolhido pelos Bispos.... Ao mesmo tempo, pedimos que os fiéis, e particularmente aqueles que são militantes na causa da Ação Católica, sejam adequadamente instruídos, para que possam apreciar a necessidade de dar a esses escritórios seu apoio voluntário, unido e eficaz."
A menção explícita do papa à Ação Católica neste parágrafo não pode passar despercebida.
Em seguida, vamos considerar o parágrafo 76 desta encíclica:
"Para os diretores e produtores de filmes católicos, emitimos uma injunção paternal para que não permitam a realização de produções que estejam em desacordo com a fé e os padrões morais cristãos [ou seja, católicos]. Se isso acontecer – o que Deus proíbe – caberá aos bispos repreendê-los e, se necessário, impor-lhes sanções apropriadas."
Já vimos como, nos Estados Unidos, a Legião da Decência exerceu exatamente o tipo de poder almejado pelo papa nesse parágrafo durante décadas. A era que se seguiu ao lançamento da encíclica em 1957 foi marcada por uma série de filmes pró-papistas de alto nível procedentes de Hollywood. Isso continuou até quase o final da década de 1960. Infelizmente para Roma, porém, essa encíclica chegou um pouco tarde demais para ter o grande efeito que a hierarquia papal esperava. Certamente ela teve um grande efeito, mas não na medida desejada. E a razão para isso, como vimos, é que o mundo ocidental, bem como o catolicismo americano, havia mudado naqueles anos do pós-guerra, insurgindo-se contra a autoridade, as crenças e a moral das gerações anteriores e afastando-se do autoritarismo, uma tendência verificada até mesmo entre os jovens católicos. No momento, vamos continuar examinando esse documento, pois ele define claramente a agenda papal, mesmo que, no que diz respeito à Hollywood, ele tenha tido apenas um breve período de aplicação efetiva nos anos seguintes, quando a "Era de Ouro" chegou ao fim.
O parágrafo 96 diz: "Enquanto isso, somos obrigados, Veneráveis Irmãos, a exortá-los paternalmente a fazer todos os esforços proporcionais às necessidades e recursos de suas respectivas dioceses para aumentar e tornar mais eficaz o número de programas que tratam dos interesses católicos".
Como atingir esse objetivo? Obviamente, aumentando o número de católicos que trabalham na mídia, que então controlariam o fluxo de informações, o tipo de entretenimento, etc.
Parágrafo 97: "Claramente, seria de grande ajuda estabelecer centros de treinamento e cursos de estudo nos países onde os católicos empregam o equipamento de rádio mais recente e têm a vantagem adicional que sua experiência diária lhes proporciona."
Essa instrução foi cumprida? Se os fatos da Austrália servirem de referência, sem dúvida: ali, a instituição católica possuía 50% da maior organização de programação fora dos Estados Unidos e, por meio dela, Roma tinha interesse em uma escola de locutores de rádio, promoções de concertos e programação de outras estações. [407]
A televisão, em particular, que ainda era relativamente nova quando essa encíclica foi publicada, era de especial importância para o papado na divulgação de sua propaganda. No parágrafo 113 a encíclica diz:
"Exortamos paternalmente os católicos que são bem qualificados por seu aprendizado, sã doutrina e conhecimento dessas artes, e em particular os clérigos e membros de ordens e congregações religiosas, a voltarem sua atenção para essa nova forma de arte [a TV]. Que eles trabalhem lado a lado em apoio a essa causa, de modo que todos os benefícios que o passado e o verdadeiro progresso contribuíram para o desenvolvimento da mente possam reverter em plena medida para a vantagem da televisão."
Qual foi o sucesso de Roma nesse aspecto? A evidência fala por si só, pois os programas de TV eram decididamente pró-papistas e promoviam sua agenda.
Naturalmente, quando Pio afirmou que o cinema é uma arte nobre que poderia, potencialmente, ser benéfica para a humanidade, o número crescente de liberais católicos americanos entendeu nessa declaração uma permissão para que os filmes retratassem temas "adultos". [408] Esses jovens papistas não eram tão intensamente leais à tradicional e ultraconservadora "Igreja" romana de seus pais: ao contrário das gerações anteriores de papistas americanos, muitos deles agora frequentavam universidades e se expunham a todos os tipos de influências. Esse sempre foi o dilema de Roma nos Estados Unidos: como manter o controle absoluto sobre seus súditos em um país onde a liberdade de expressão e a liberdade de acesso a todos os tipos de informação trabalhavam constantemente contra seus propósitos. Por esse e outros motivos, Roma e os EUA sempre estiveram em desacordo. O Vaticano vê a América como um grande prêmio a ser conquistado, mas nunca foi capaz de usar os métodos que empregou com tanto efeito em outros países menos "abertos". Ironicamente, o próprio setor cinematográfico que o Vaticano usou com tanto êxito nos Estados Unidos durante décadas estava agora potencialmente prestes a se tornar uma de suas maiores ameaças.
A Legião é enganada pelos jesuítas; Quigley é afastado
Martin Quigley era, a essa altura, um homem profundamente angustiado. Sua posição conservadora em relação a produções imorais havia sido bastante prejudicada, e até mesmo atacada, pela conferência de Cuba e pela posição adotada por vários intelectuais jesuítas liberais importantes, principalmente John Courtney Murray, Harold C. Gardiner, John C. Ford e Gerald Kelly. Esses homens declararam que as classificações da Legião não eram mais do que diretrizes para adultos católicos. Os jesuítas estavam decididamente por trás da nova abordagem liberal de Roma em relação à indústria cinematográfica, e Quigley sabia disso, escrevendo mais tarde: "Essa camarilha jesuíta, que dominou a conduta do escritório da Legião desde 1957, se opõe à condenação de qualquer filme – ou qualquer artefato por uma agência católica – nesta 'sociedade pluralista'". [409] Ele também sabia que sua própria posição de influência, antes inatacável, dentro da Legião, agora estava longe de ser segura. Algo precisava ser feito. Quigley achava que a melhor coisa a fazer era trazer para a organização um jovem jesuíta que ele pudesse controlar. Ele achava que isso silenciaria as críticas dos jesuítas. Mas estava muito enganado. Ele claramente não tinha um entendimento real das técnicas ou intrigas jesuítas, nem do seu poder e lealdade.
O padre jesuíta que ele escolheu foi Patrick J. Sullivan. Ele substituiu o padre Paul Hayes como assistente do padre Little em setembro de 1957. Mas Sullivan era, antes de tudo, um jesuíta, e não se curvaria diante de Quigley. De fato, ele concordava com a crença do colega jesuíta John Courtney Murray de que Roma não podia impor seus pontos de vista aos não papistas. Pelo menos, era isso que os jesuítas diziam; mas eles sempre agem de maneira a promover o romanismo, mesmo quando aparentam ser mais complacentes. Ainda assim, para começar, Quigley achava que Sullivan era uma boa indicação. Sullivan lhe disse que queria "vender" a Legião para seus irmãos jesuítas.
Mas Sullivan queria mudanças na Legião. E quando Miranda Prorsus foi publicada uma semana depois que Sullivan começou a trabalhar na organização, o padre viu nisso o apoio de que precisava para fazer mudanças. É bem provável que ele estivesse por trás da nova declaração dos bispos sobre censura, que afirmava que "o bom gosto inevitavelmente restringirá o campo do que é moralmente questionável" nos filmes.
Em novembro de 1957, o Episcopal Committee on Motion Pictures realizou uma reunião para discutir o sistema de classificação e a encíclica Miranda Prorsus. O Comitê decidiu fazer alterações nas classificações da Legião, as quais foram redigidas por Sullivan: a categoria "A2" classificaria filmes aceitáveis tanto para adultos quanto para adolescentes; uma nova categoria foi criada: "A3", "moralmente aceitável para adultos", e a Legião agora poderia recomendar filmes que considerasse particularmente bons. A categoria "B" destinava-se aos filmes que poderiam ser moralmente perigosos para os espectadores, e a categoria "C", aos filmes totalmente ruins e prejudiciais.
Assim, pela primeira vez, os católicos agora seriam incentivados a assistir às produções recomendadas pela Legião, e os adultos e adolescentes passaram a ter muito mais liberdade para assistir aos filmes de sua escolha. A Legião declarou que a nova categoria "A2" poderia agora incluir filmes que antes eram classificados como "B"; disse que os adolescentes não deveriam ser "excessivamente protegidos"; e os padres locais foram instruídos a educar os jovens católicos para que pudessem assistir a filmes mais "maduros". Não havia dúvidas sobre isso: a liberalização da atitude de Roma em relação a Hollywood estava em andamento. Dessa forma, Roma esperava manter o controle sobre sua juventude.
Outra mudança implementada foi enfraquecer bastante as mulheres avaliadoras da IFCA, que eram a equipe de avaliadores da Legião desde meados da década de 1930. Essas mulheres católicas eram geralmente mais conservadoras e a nova liberalização exigia que sua influência fosse diluída: a Legião nomeou um conselho de consultores, composto por padres e "leigos", que se tornaram muito influentes. [410]
Quigley ficou furioso com essas mudanças e percebeu que cometera um erro ao nomear Sullivan, que havia "conseguido impor uma abordagem nova e diferente para... a função da Legião", conforme escreveu ao arcebispo, William A. Scully. Ele advertiu Scully de que as mudanças implementadas por Sullivan poderiam minar a influência da Legião. Ele também disse que os estúdios de Hollywood estavam se regozijando com as mudanças. Nesse ponto, ele estava correto. Sullivan, no entanto, estava simplesmente cumprindo suas ordens como jesuíta quando elaborou o novo sistema de classificação, e Scully, como presidente do ECMP, havia aprovado todas elas. Os bispos americanos também as endossaram e, de fato, expressaram seu apreço pelo trabalho dos jesuítas Ford e Kelly por contribuírem para "uma melhor compreensão" do trabalho da Legião, ou seja, uma abordagem mais liberal. [411]
Martin Quigley, fiel papista que era, estava agora na outra extremidade do espectro dos bispos de Roma com relação à indústria cinematográfica. A política da Legião da Decência não era mais ditada por ele. Seu tempo havia passado e sua própria "Igreja" o havia ignorado.
Aberta a temporada de caça ao Código
Um magnata de Hollywood após o outro agora desafiava abertamente o Código, de modo que a revista Variety admitiu em 1957: "Está aberta a temporada de caça ao Código de Produção de Hollywood e o conjunto de padrões morais parece ser alvo de críticas de várias direções. No passado, houve prós e contras sobre suas funções, é claro, mas raramente houve uma concentração tão grande de expressões de preocupação com seus valores." [412] Com a saída de Breen e a falta de vontade e determinação férrea dos administradores do Código, os cineastas simplesmente torciam o nariz para o Código – e saíam impunes. Um deles foi o católico Alfred Hitchcock, que deliberadamente incluiu finais em seus filmes, To Catch a Thief (1956) e North by Northwest (1959), que não deixavam dúvidas na mente do público sobre o que estava acontecendo sexualmente entre seus protagonistas.
Ben-Hur (1959): o "épico religioso" em que a religião é neutralizada
Sempre que Hollywood abordava temas supostamente "cristãos", a doutrina era deixada de lado e o foco se concentrava em temas mais mundanos, na criação de "uma boa história", em vez de qualquer interesse real em algo mais elevado. Esse foi o caso do épico de 1959 de William Wyler, Ben-Hur. O autor do livro no qual o filme foi "baseado", o general Lew Wallace, escreveu de uma maneira tão "romanista" que o livro foi endossado por Roma e abençoado pelo papa Leão XIII. [413] Mas o filme era outra história: de forma alguma destinava-se a "pregar" o romanismo. O herói, interpretado por Charlton Heston, nem mesmo faz uma declaração de "fé"; não há nenhuma conversão implícita do herói ao "cristianismo". O filme não defende nenhuma visão religiosa e é tão ambíguo em relação a isso que atraiu pessoas de várias convicções religiosas, inclusive católicos, protestantes e judeus. Essencialmente, é uma produção ecumênica, porém, mais do que isso, é tão ambígua que pode ser considerada inter-religiosa, pelo menos na medida em que não ofende membros de nenhuma religião.
É exatamente por isso que é tão ingênuo e tolo que cristãos professos presumam que filmes como Ben-Hur não são apenas bons e inofensivos, mas até mesmo morais e úteis! É melhor um filme que seja uma interpretação honesta de um livro, mesmo que promova a religião falsa da história, do que um filme que seja tão inofensivo que atraia todos os públicos (até mesmo evangélicos ingênuos). Pelo menos os criadores do primeiro são honestos e francos sobre seus motivos, e os verdadeiros cristãos não se deixarão influenciar. O último tipo de filme, entretanto, é perigoso justamente por parecer tão inofensivo e atraente. O livro Ben-Hur tem uma mensagem religiosa definida, que não é aceitável para os verdadeiros cristãos; o filme não tem essa mensagem, mas quantos são induzidos a ler o livro depois de ver o filme e, assim, são levados de um erro a outro?
Além disso, em produções desse gênero, Hollywood criou seus próprios deuses. "Donald Spoto intui corretamente que o surpreendente de Ben-Hur, de 1959, em sua provocativa visão geral em Camerado: Hollywood and the American Man, foi o poder transcendental do novo superstar. Como Ben-Hur, Charlton Heston não precisou se apegar ao cristianismo; os milagres da tecnologia de Hollywood elevaram sua figura imponente 'ao nível de um salvador religioso'. Spoto isola com perspicácia uma mudança cósmica. Nesse Ben-Hur de 1959, Heston não precisa ir a Cristo porque o próprio Heston se tornou o novo Messias de Hollywood, um salvador criado pela maravilhosa máquina de sonhos do século XX. Charlton Heston foi transfigurado, nas palavras de Spoto, em 'nosso deus ex machina, todo maquiado e sorridente, que vem nos salvar com o braço estendido e o olhar deslumbrante, mas um tanto sem espírito'." [414]
Portanto, os cristãos têm um motivo duplo para evitar esses épicos de Hollywood.
Suddenly Last Summer (1959): elogio papista para uma história de terror
Em 1959, foi lançado Suddenly Last Summer, uma história de terror com temas de homossexualidade e canibalismo, produzida por Sam Spiegel. A PCA disse a ele que a perversão sexual ainda não era permitida, mas Spiegel argumentou que, se a PCA negasse o selo, ele recorreria à diretoria da MPAA. Assim, a PCA reteve o selo e Spiegel recorreu. "Se alguma vez houve um filme que parecia pronto para ser condenado, era esse." [415] E ainda assim, incrivelmente, a MPAA concedeu um certificado! Naturalmente, Thomas Little, da Legião, protestou junto à MPAA, mas o novo conselho consultivo da Legião estava longe de ser tão rigoroso quanto a antiga IFCA. Embora alguns tenham condenado o filme, não houve consenso entre os consultores. Um padre do conselho disse que Suddenly Last Summer era o melhor filme americano que ele já tinha visto, que nenhum adulto seria prejudicado ao assisti-lo e recomendou uma classificação "A3". Outro padre disse que o filme era "poderoso" e "excelente", e outro ainda o descreveu como "entretenimento magnífico", "profundo... entretenimento para adultos". Outro consultor disse a Little que seria "um erro condenar um filme desse porte". O filme foi avaliado positivamente na influente publicação católica Our Sunday Visitor. Outras publicações romanistas também emitiram críticas positivas.
Por fim, a Legião concedeu ao filme uma Classificação Separada, declarando que ele foi "julgado moral em seu tema e tratamento", mas como o assunto envolvia perversão sexual, era destinado apenas a "um público sério e maduro". [416]
Por incrível que pareça, enquanto muitos críticos católicos o elogiavam, os seculares frequentemente o condenavam e até criticavam duramente a Legião por sua classificação! Um colunista de fofocas de Hollywood chegou a dizer sobre a Legião: "aparentemente, não está mais funcionando" [417] Como as coisas haviam mudado quando um filme que incluía sodomia e canibalismo era aclamado pela organização católica que, no passado, teria condenado totalmente essa sujeira. "A classificação da Legião e a recepção de apoio do filme na imprensa católica chocaram muitos católicos e membros do setor, que ainda não tinham percebido plenamente as mudanças internas que estavam ocorrendo nas operações da Legião e na atitude católica em relação ao cinema." [418]
Tudo isso foi demais para Martin Quigley. Ele protestou diretamente com Spellman, que então organizou um encontro entre Quigley e Scully, mediado por James McNulty, bispo da arquidiocese de Paterson, Nova Jersey. Eles se encontraram em julho de 1959, e Quigley falou sobre a conspiração jesuíta para controlar a Legião. Nisso, é claro, ele estava absolutamente certo. Contudo, ele havia cometido o erro tático de nomear um jesuíta, Sullivan, de modo que, quando protestou contra o fato de Sullivan estar sob a influência dos intelectuais jesuítas Murray, Gardiner e Ford, essa alegação soou vazia. O relatório de McNulty não apenas afirmava que as acusações de Quigley eram infundadas, mas também ameaçavam prejudicar sua reputação, acusando-o de tentar doutrinar Sullivan, de ameaçá-lo com a remoção se ele não seguisse a linha de Quigley e de ser uma pedra no sapato da Legião.
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