I.
Aos dezenove anos, eu havia tomado a resolução de ingressar na Igreja e estava terminando meus estudos no Seminário de Vercelli. Eu costumava passar minhas férias na companhia de Luigi Quarelli, arcipreste e cura de Langosco, meu lugar de nascimento. Estimulado por uma ávida sede de conhecimento, eu havia, em poucos anos, esgotado completamente sua biblioteca; e muitas vezes este digno homem me repetia que, longe de ser-me útil, o saber seria, mais provavelmente, um obstáculo ao meu avanço na Igreja. Ele começou, então, a falar-me dos Jesuítas. O poder desta ordem, seus reveses, sua recente restauração, o mistério impenetrável em que esteve envolvida desde sua origem, tudo contribuía para enaltecê-la a seus olhos. Segundo seu relato, somente eram admitidos aqueles que se distinguiam por intelecto, riqueza ou posição social. Ele falava dela como a única ordem que, longe de reprimir as energias inatas da mente ou as tendências do gênio, realmente as favorecia de todas as maneiras. Esta afirmação ele a fundamentava com muitos exemplos notáveis.
A impressão que essas conversas me causaram foi extremamente forte. Jovem, inexperiente e ofuscado por declarações que me ensinavam a encarar o Jesuitismo como o único recurso para uma ambição nobre, eu ansiava, acima de tudo, por ser recebido na ordem. Nem o pensamento de abandonar meus pais, nem o das severas provações a que deveria me submeter, podia, de forma alguma, desviar-me do meu propósito.
O cura examinou escrupulosamente minha resolução e, sendo o resultado satisfatório, ele escreveu a Turim, ao Padre Roothaan, então reitor de um colégio da Companhia naquela cidade, e agora geral dos Jesuítas. O reitor, após fazer as investigações habituais a meu respeito, comunicou que eu poderia dirigir-me à capital e submeter-me aos exames preliminares.
Parti, portanto. Ao me apresentar a ele, conversou comigo por algum tempo, com grande franqueza e afabilidade. No início, seu objetivo parecia ser apenas inteirar-se da extensão de meus conhecimentos, mas, aos poucos, levou-me insensivelmente a fazer uma confissão geral, por assim dizer, de toda a minha vida.
Não tentarei aqui reconstituir os detalhes dessa conversa. Seria difícil para mim transmitir uma ideia da arte consumada empregada para sondar uma consciência, para descer às profundezas do coração mais íntimo e fazer ressoar todas as suas cordas, permanecendo o indivíduo, o tempo todo, inconsciente da análise que está em curso, tão ocupado que está com o agradável fluir da conversa, tão iludido pela atmosfera de franca bondade com que o astuto processo é conduzido.
Retive apenas vagas e desconexas lembranças de todos esses artifícios sutis. Uma parte da conversa, no entanto, imprimiu-se tão profundamente em minha memória que a repetirei, a fim de mostrar sob qual ponto de vista o atual chefe dos Jesuítas já começava a encarar a missão e o objetivo de sua ordem.
"E agora", disse ele, depois de me ter examinado, "o que tenho a comunicar-lhe está destinado a enchê-lo de esperança e alegria. O senhor entra em nossa sociedade numa época em que seus aderentes estão longe de ser numerosos, e quando há, consequentemente, todo estímulo para aspirar a uma rápida ascensão. Mas não pense que, ao entrar nela, deva cruzar os braços e sonhar. O senhor está ciente de que nossa sociedade, em certa época, floresceu vigorosamente, que marchou a passos gigantescos na conquista das almas, e que a causa de Cristo e da Santa Sé alcançou notáveis vitórias por nosso intermédio. Mas a própria grandeza da obra que estávamos cumprindo despertou uma inveja sem limites. O espírito de nossa ordem foi atacado, todas as nossas visões foram deturpadas e caluniadas, e como o mundo está sempre mais pronto a acreditar no mal do que no bem, chegamos, em pouco tempo, a ser universalmente detestados.
"Assim, nós, a Companhia de Jesus, fomos condenados a passar pelas mesmas provações que nosso Divino Mestre. Fomos sobrecarregados de insultos, fomos expulsos de todo lugar de repouso. Monarcas e nações nutriam a nosso respeito apenas um pensamento comum: o de varrer-nos da face da terra. Humilhados, insultados, esbofeteados, coroados de espinhos e carregando a cruz, fomos também condenados a sofrer a morte da ignomínia. Não faltou sequer um Caifás [1] para assinar a nossa sentença com sua própria mão; e o castigo com que foi logo depois visitado pelo justo julgamento do Céu deu origem a uma última calúnia contra nós, que coroou todas as outras. Nossa última luta terminou; morremos – mas, embora mortos, os poderosos ainda tremiam ao ouvir o nosso nome. Apressaram-se em lacrar nosso túmulo e puseram sobre ele uma guarda vigilante, para que não houvesse o menor sinal de vida sob a pedra que nos cobria.
"Mas vede o que aconteceu com os próprios potentados, durante o nosso sono de morte! Dia após dia, foram visitados por castigos cada vez mais severos. O mundo tornou-se o teatro de terríveis problemas e catástrofes. Um gigante enfiava coroas em sua espada irresistível, e monarcas eram derrubados no pó a seus pés. Mas o momento de terror logo chegou, no qual Deus Todo-Poderoso quebrou a espada do homem do destino e nos chamou do sepulcro. Nossa ressurreição surpreendeu as nações; e agora não seremos mais o escárnio e a presa dos ímpios, pois a nossa sociedade está destinada a tornar-se o braço direito do Eterno!
"Assim, uma nova era se abre para nós. Tudo o que a Igreja perdeu, ela reaverá por nosso intermédio. Nossa ordem, por sua atividade, seus esforços e sua dedicação, vivificará todas as outras ordens, agora quase extintas. Levará a todas as partes a tocha da verdade, para a dispersão da falsidade; trará de volta à fé aqueles a quem a incredulidade levou ao erro; em uma palavra, concretizará a promessa contida no Evangelho, de que todos os homens serão um só rebanho sob um só Pastor.
"Doravante, pois, não mais desastres; o futuro é inteiramente nosso. Nossa marcha será vitoriosa, nossas conquistas incessantes, nosso triunfo decisivo.
"Mas, mais uma vez, não espere caminhar sobre rosas; é justo que eu o advirta disso. A missão que nossa sociedade impõe a si mesma é severa. Nós não visamos (é importante que o saiba) apenas a restaurar o seu antigo império a alguns fragmentos da verdade, mas a restaurá-lo a toda a verdade Católica. Assim, não há orgulho ou pretensão que a nossa ordem não afronte e fira: de onde resultam todos os tipos de acusações, que devemos suportar com coragem. Tenha em mente que, uma vez posta a mão no arado, o único pensamento deve ser como traçar o sulco reto. Macte animo, então, não olhe para trás. O senhor pode fazer muito. Além disso, penso que, quanto mais se penetrar do espírito da ordem – se Deus, como confio, lhe conceder a graça de se tornar um de seus membros – mais energia sentirá em si mesmo para a tarefa que os superiores, e não o capricho humano, lhe hão de atribuir. Seus superiores é que devem ser os únicos juízes disto, pois Deus os dirige sempre de modo especial, para que cada um, permanecendo no posto que lhe é adequado, possa cooperar da forma mais útil na grande obra, a saber, o erguimento da Igreja, a salvação do mundo e a união de todas as seitas e partidos sob a autoridade daquele que, como representante do próprio Deus na terra, não pode deixar de agir no interesse de todos, contanto, porém, que todos consintam em obedecer-lhe."
II.
Este discurso, que abreviado por mim consideravelmente, inflamou a minha imaginação, inundou-me com novos pensamentos e despertou em meu coração uma fé ardente. Minha visita ao Padre Roothaan, seu semblante cativante, as frases untuosas que fluíam abundantemente de seus lábios, a singular destreza que exibia ao tornar sua conversação sempre cheia de interesse – tudo isso logo me havia subjugado completamente aos Jesuítas.
O leitor pode imaginar o que senti por ocasião deste memorável encontro. Eu estava na idade do entusiasmo, a idade em que todas as nossas faculdades se lançam com propósito indiviso em direção ao seu objetivo, seja ele qual for. Minha mente havia permanecido até então absorvida em uma espécie de meio-sono. Transportado e inflamado por uma causa que eu acreditava ser a do próprio Deus, minha única aspiração era pronunciar os votos que me ligariam a ela para sempre.
Ao saber da minha decisão, meu pai foi tomado pela mais profunda tristeza: nem consigo descrever a angústia da minha pobre mãe; mas, embora a forte afeição que eu sentia por ela sempre lhe tivesse dado grande influência sobre mim, desta vez suas preces não puderam mudar a minha determinação. Luigi di Bernardi, um homem de valor incomum, um sacerdote antimonástico por princípio, por quem eu havia sido iniciado desde cedo em tudo o que há de viril, austero e sublime nos anais da Grécia e de Roma, empregou toda a sua energia e todo o seu conhecimento para mudar a inclinação da minha mente. Todos os seus esforços falharam em abalar a minha resolução, embora minha gratidão e meu respeito por ele fossem ilimitados. Muitos amigos também me assediaram e acrescentaram uma sombra adicional aos quadros terríveis que diversas pessoas já me haviam traçado sobre a ordem dos Jesuítas. Mas em tudo isso eu via apenas pura malevolência ou estratagemas arquitetados para mudar a minha resolução.
Por fim, meu pai declarou que eu jamais teria o seu consentimento.
O arcipreste Quarelli, entristecido com a nossa iminente separação, foi obrigado, quase apesar de si mesmo, a usar um argumento que sabia ser decisivo para meu pai e minha mãe, ambos abatidos pela angústia de perder seu único filho.
Ele lhes disse que tudo provava a força irresistível de minha vocação e que minhas lutas internas não eram menos cruéis do que as deles; que era absolutamente necessário obedecer à voz que me chamava, sob pena de guerrear contra o próprio Deus. Ele lhes lembrou de Abraão e de sua disposição de sacrificar seu único filho. "Além disso", continuou ele, "talvez ele não esteja inteiramente perdido para vocês: talvez Deus permita que o abracem às vezes antes de sua morte. Vocês não podem viver em paz com a sua consciência se não consentirem, e, estejam bem certos, a recompensa que os aguarda em seu lar final será igual à magnitude do seu sacrifício; enquanto, por outro lado, quão profundo seria o seu remorso se persistissem em recusar a Deus aquilo que Ele lhes pede!"
Falar assim aos meus pais era atacá-los em seu lado vulnerável. Embora estivessem profundamente aflitos, consentiram finalmente em me dizer adeus. Meu pai foi incapaz de pronunciar uma única palavra; minha mãe estava quase dominada pela dor.
Foi exatamente nesta época que o Padre Roothaan me escreveu o seguinte:
"Filho dileto, confio em que seguirá sua santa vocação de tal maneira que jamais tenhamos de nos arrepender – o senhor, da resolução que tomou; eu, de tê-lo proposto; os superiores, de tê-lo aceitado. Sua salvação eterna, sua sólida perfeição religiosa para a maior glória de Deus, são e devem ser o primeiro e principal motivo pelo qual deseja ingressar na Companhia. Necessitará de toda a sua coragem, como lhe disse quando veio para o exame. Para ser um bom e verdadeiro Jesuíta é indispensável possuir um coração forte e estar pronto não apenas a laborar muito, mas a sofrer muito – sim, até a morte! – a ser perseverante na humildade, na obediência, na paciência, buscando somente a Deus, que Ele mesmo será merces vestra magna nimis [sua recompensa será muito grande]. Portanto, confortare et esto robustus [crie ânimo e seja forte]. Ao se entregar à ordem, o senhor se coloca nas mãos da Divina Providência! Confie-se inteiramente a Ele, e Ele o conduzirá seguramente ao porto! Sob Sua proteção podemos cantar enquanto navegamos!
"Apresse seus preparativos para que possa se apresentar aqui em setembro [2], e eu o enviarei imediatamente a Chieri, para que possa lançar ali, no noviciado, os sólidos alicerces de uma vida verdadeiramente religiosa e jesuítica." Poucos dias depois recebi dele outra carta, nos seguintes termos:
"Agora, então, pode ingressar no noviciado imediatamente. Tal é o teor de uma carta datada de ontem, que me foi enviada pelo padre reitor de Chieri.Procure por St. François-de-Paule, em Turim; se eu não estiver lá, me encontrará em Chieri, onde fica o noviciado. Quanto à maneira de proceder para Chieri, será informado aqui, em St. François-de-Paule. Reze por mim ao Senhor.
"Seu, mui afetuosamente em Cristo,
"João Roothaan, da Companhia de Jesus."
III.
Parti, em conformidade. À minha chegada, colocaram em minhas mãos as regras relativas a esta primeira fase de minha nova existência. Fui imediatamente iniciado nos Exercícios de Santo Inácio e de outros santos – todos jesuítas. É por meio desta súbita e completa imersão da alma que eles adquirem seu poder ilimitado sobre tantos jovens, desarmados pela experiência e totalmente indefesos devido ao entusiasmo irrefletido próprio de sua idade.
O silêncio mais profundo, raramente interrompido, mesmo por sussurros, reinava neste recinto, que, no entanto, não carecia de confortos materiais. O anjo da guarda (pois este é o nome dado ao padre designado para cada noviço) costumava fechar as venezianas das minhas janelas, para que eu permanecesse o máximo possível na escuridão. Assim, sentado na penumbra, ele raciocinava em voz alta sobre o mundo, sobre o pecado e sobre o castigo eterno. Em conformidade com uma das regras do fundador da sociedade, ele designava aqueles que não se submetem em tudo às decisões da Igreja como um exército de rebeldes, anjos das trevas, que Satanás inspira e governa, e contra os quais a batalha deve ser travada até o dia da vitória final pelo exército dos fiéis, conduzido por aqueles anjos de luz e chefes da milícia sagrada: os Jesuítas. Quanto ao acampamento inimigo, ele não falava de nada senão de sua peste fétida e corrupção.
O complemento indispensável destes discursos privados e diários é a confissão semanal, que compreende uma confissão de todo afeto do coração, de todo sentimento da mente e até mesmo dos sonhos. Esta é a sonda mantida sempre à mão pelos superiores, e por meio da qual eles verificam o que se passa nas profundezas da consciência de seus pupilos. Os milagres de todas as espécies com que as cabeças destes são preenchidas são todos inventados para edificar, sobre bases sobrenaturais, uma estrutura de obediência absoluta e cega. Sob tal sistema, onde não há conversação, leitura ou exercício devocional que não tenha sido elaboradamente ajustado por um poder misterioso, de tal forma a tomar posse tanto do entendimento quanto do coração, cada indivíduo que foi trabalhado durante tempo suficiente, chega, por fim, a se considerar religiosamente obrigado à total rendição de sua própria vontade.
Quanto a mim, sentia minha própria personalidade diminuir diariamente, e eu abençoava esta progressiva autoaniquilação, e reconhecia nela o sinal da minha salvação.
O assunto mais peculiarmente abordado durante as minhas confissões era o afeto que ainda me ligava à lembrança de meus amigos e parentes. Era-me constantemente dito que era meu dever imperativo romper esses laços de afeto e sufocar essas lembranças: a sua completa imolação era-me apresentada como o mais sagrado dos triunfos. Devotar-me inteiramente à ordem era o único objetivo que me era prescrito. Enquanto existisse em mim o menor traço de vontade própria ou de afeto terreno, restaria algo do "homem velho" que deveria ser finalmente absorvido no Jesuíta. Eu de modo algum me admirava que eles procurassem me converter em um novo ser desta forma, pois acreditava verdadeiramente que quanto mais me identificasse com a sociedade, mais pertenceria a Deus; e nesse entorpecimento de todo sentimento que pudesse atrapalhar minha dedicação integral à ordem, eu percebia nada além de uma justa e razoável consequência do seu princípio diretor: "que quanto menos laços tivermos com tudo o que possa nos distrair de nosso propósito, maior será o nosso poder de persuadir os outros a reconhecer aquela autoridade que é missão dos Jesuítas proclamar, como a única sobre a terra que não está sujeita a erro."
IV.
Assim, até então, tudo corria bem. Por mais laborioso que fosse, submeti-me resolutamente à probatoria (o período de prova que precede o noviciado). Não que eu estivesse isento de ansiedade e tristeza. Pelo contrário. Em horas de profunda depressão e angústia, meus pensamentos retornavam a muitos entes queridos que eu acabara de abandonar, e, sentindo que meu coração estava vazio, minha mente perturbada, minha alma a desfalecer dentro de mim, e até mesmo minha imaginação, antes tão livre, acorrentada, confesso que recuei com terror e me arrependi. No entanto, nunca, mesmo nestes momentos sombrios, a ideia de renunciar à sociedade se apossou de mim seriamente. O fato é que não havia uma partícula de tudo o que eu havia ouvido do Padre Roothaan que eu não acreditasse ser verdadeiro, nobre, santo e mais digno de ser seguido do que qualquer outra coisa na Terra. Além disso, quando estas lutas mentais me assaltavam, era-me dito que aquelas mesmas pessoas que haviam passado por experiências semelhantes tinham-se tornado depois as mais notáveis da ordem pelo seu zelo; e que, longe de considerar tais coisas como provas de falta de vocação, eu deveria antes ver nelas um sinal de eleição Divina. "Logo mais", diziam-me, "quando os seus estudos estiverem concluídos, a imolação do ‘homem velho’ estiver realizada e a sua vocação especial determinada, o senhor só terá que desdobrar as suas asas sem receio de qualquer impedimento ao seu voo ascendente."
Este tipo de linguagem me animava, e é provável que eu tivesse me apegado cada vez mais à sociedade, que eu até me tornasse um de seus membros mais devotados, não fossem os incidentes que estou prestes a relatar.
V.
Minha aplicação demasiado intensa aos temas de uma devoção sombria e a solidão completa da probatoria haviam minado meu ânimo e minha saúde. A primeira queixa que fiz, imediatamente me garantiu a indulgência de comer carne em um dia de jejum; e, quando tentei recusar este favor, foi em vão que aleguei a natureza insignificante da minha indisposição. Meu anjo da guarda, o Padre Saetti, de Módena, respondeu-me solenemente que eu deveria ter cuidado especial com a minha saúde, que eu estava chamado a ser um trabalhador no campo do Senhor, e que não era de modo algum a intenção da Igreja exigir demasiado daqueles que, tendo rompido todos os laços da carne e do mundo, se entregavam a ela com devoção.
Todas as manhãs, em jejum, eles me obrigavam, apesar da minha extrema repugnância, a beber uma espécie de vinho quente temperado, bastante espesso e de um sabor singular, que tinha o efeito de produzir, durante todo o dia, uma espécie de torpor que eu jamais havia experimentado antes. Em vão recusei esta poção; tudo o que pude obter foi a permissão para começar com pequenas doses, até que me acostumasse a ela.
Finalmente, fatigado pela longa e intensa leitura de livros ascéticos e pelas meditações que me eram exigidas, feitas repetidamente por horas de joelhos, sem qualquer apoio, e sendo tentado pelo belo clima outonal a respirar o ar fresco e desfrutar do sol, roguei ao meu anjo da guarda que pedisse permissão ao reitor para que eu pudesse caminhar por alguns instantes sozinho no jardim. "Basta", respondeu ele, "que vá até ele e peça essa permissão pessoalmente; pode ter certeza de que ele lhe concederá todo favor que estiver ao seu alcance."
No entanto, foi só dois dias depois que, excitado pelo esplendor de um dia mais do que usualmente bonito, resolvi fazer o meu pedido.
Era à tarde. Saí do meu quarto e dirigi-me aos aposentos do reitor, cuja porta encontrei aberta, embora o reitor estivesse ausente. Esta circunstância me surpreendeu não pouco, pois entre os Jesuítas tudo é conduzido com a mais exata regularidade.
Como os noviços nunca se dirigem ao superior, que tem a direção do noviciado, senão pelo seu título de reitor, sou incapaz de designá-lo aqui pelo seu nome; mas nada seria mais fácil do que descobri-lo, verificando quem era o padre jesuíta que ocupava a direção da casa do noviciado em Chieri no mês de setembro de 1824.
Este padre não possuía qualquer austeridade de maneiras. Eu tinha todos os motivos para ficar satisfeito com a sua bondade para comigo, e, separado como estava de todos aqueles que eu havia amado, comecei a sentir algum apego por ele. Desde a minha primeira entrada na casa, ele até me admitira a um considerável grau de familiaridade, com o intuito, sem dúvida, de se insinuar em minha confiança, a qual, de fato, estava em vias de obter por completo. Mas a familiaridade a que ele me havia acostumado teve, nesta ocasião, um resultado muito infeliz para as suas especulações. Se ele me tivesse tratado com aquela reserva que intimida e mantém à distância, eu jamais teria presumido entrar em seus aposentos durante a ausência do mestre, ir de um quarto para outro, e permitir-me fazer o que estou prestes a relatar.
VI.
Entrei, então, pela porta aberta e, não percebendo nada de incomum no aposento, exceto uma pequena mesa, coberta com garrafas e copos, no canto direito, presumi que a ausência do reitor fosse momentânea e que ele voltaria em breve. Por falta de algo para fazer, vaguei com uma espécie de curiosidade indolente para uma câmara adjacente, onde uma pequena biblioteca imediatamente atraiu minha atenção. Imbuído como estava pelas santas máximas que me eram repetidas diariamente, e sobretudo por aquelas solenes palavras que iniciavam e encerravam toda conversa – Ad majorem Dei gloriam [Para a maior glória de Deus] – como poderia eu duvidar de que estava convivendo entre anjos? De fato, é impossível imaginar algo mais tocante do que a generosidade com que os padres atribuem uns aos outros as mais raras virtudes e os mais assombrosos poderes miraculosos. Eu estava, na verdade, não muito longe de acreditar cegamente que era um morador de um local peculiarmente favorecido por uma constante comunhão com o Céu.
Era impossível, portanto, que eu concebesse por um momento o pensamento de que os quartos do reitor de um noviciado, que, como meu confessor, estava sempre me incitando a uma vida de pureza e elevação, contivessem livros que não fossem de piedade e santidade. Cansado como estava há algum tempo de ler incessantemente os exercícios de Santo Inácio, e incitado por um desejo irresistível de folhear algumas outras páginas além daquelas, estendi a mão para uma prateleira da biblioteca e, alegremente, peguei um volume. Para minha surpresa, percebi uma segunda fileira de livros atrás da primeira. A curiosidade impeliu-me a retirar o volume que havia sido escondido pelo primeiro que agarrei. O nome do autor escapou à minha lembrança, mas creio que era um filósofo do século passado. Eu o teria olhado com mais atenção, não fosse uma terceira fileira de livros, atrás da segunda, ter-me chamado a atenção pelo estilo peculiar da encadernação. Qual não foi o meu espanto quando este título encontrou meu olhar: "Confissões dos Noviços!" As bordas laterais do livro estavam marcadas com as letras do alfabeto. Poderia eu fazer menos do que procurar a inicial do meu próprio nome?
As primeiras páginas, escritas, provavelmente, alguns dias após a minha chegada, continham um esboço grosseiro do meu caráter. Eu estava totalmente atônito. Reconheci as minhas sucessivas confissões, cada uma condensada em poucas linhas. Tão clara e precisa era a avaliação dada do meu temperamento, das minhas faculdades, dos meus afetos, da minha fraqueza e da minha força, que vi diante dos meus olhos uma completa revelação da minha própria natureza. O que me surpreendeu acima de tudo foi a concisão e a energia das expressões empregadas para resumir as características de todo o meu ser. As imagens favoritas que encontrei neste repositório de desabafos de toda sorte do coração da juventude ingênua eram emprestadas dos materiais utilizados na construção – duro, frágil, maleável, grosseiro, precioso, necessário, acessório; uma espécie de linguagem figurada que permaneceu firmemente gravada na minha memória. Lamento apenas ter conseguido só folhear com a rapidez de um relâmpago as páginas que me diziam respeito; contudo, este vislumbre bastou para me revelar o objetivo de tal obra. Pode-se ter uma ideia disso a partir da passagem que estou prestes a citar, e da qual guardo uma lembrança indelével.
"A quantidade de entusiasmo e imaginação com que ele é dotado", dizia o texto, "poderia, com o tempo, ser tornada muito útil para envernizar a nossa obra. Sua falta de gosto pelo grotesco (sic) na religião [3] não fará mal, mas prova que seu talento deve ser empregado em recomendar e exaltar, para as consciências mais delicadas, tudo o que é puro e enobrecedor na religião. Ele estragaria tudo se o deixássemos trabalhar nas partes mais grosseiras do edifício; ao passo que auxiliará grandemente o seu avanço se for empregado exclusivamente nas partes mais delicadas. Que ele seja mantido, portanto, nas regiões superiores do pensamento, e que nem sequer esteja ciente das molas que põem em movimento a parte vulgar do mundo religioso.
"É importante que ele tenha sempre perto de si, em seus momentos de depressão, alguém para animá-lo com antecipações brilhantes. Mas, se o seu ardor, pelo contrário, o levar longe demais, algum desencorajamento ou desapontamento deve ser preparado para ele, a fim de mortificá-lo e mantê-lo em sujeição."
Nenhuma migalha do que eu havia revelado, como questão de consciência, ao meu anjo da guarda ou confessor, foi omitida neste registro. Quando me recordo das induções abrangentes que foram tiradas das futilidades que eu me sentira obrigado a comunicar, não posso me admirar que tal sistema, tão baseado em um estudo profundo do caráter, perseguido com tanta assiduidade e constância, e aplicado em uma escala tão vasta a indivíduos de toda idade e toda condição, coloque nas mãos dos Jesuítas um meio quase infalível para alcançar o fim que se propuseram, com uma determinação tão extraordinária.
Pode-se imaginar quais foram as reflexões despertadas em mim com a descoberta que fiz. Em um instante, recordei todas as declarações sinistras que me haviam sido feitas a respeito desta celebrada sociedade. Mas nenhum desses pensamentos teve tempo de se fixar em minha mente, pois eu estava tão avidamente incitado pelo desejo de saber mais. Agitado, levado por uma curiosidade vertiginosa e uma ansiedade crescente, peguei um volume intitulado: "Confissões de Estranhos". Percorri apressadamente algumas linhas, aqui e ali, e as pequenas porções que li me induziram a crer mais tarde que tudo nesta ordem é feito em conformidade com as regras do pequeno código, conhecido pelo nome de Monita Secreta, ou Instruções Secretas. Era, de fato, uma coleção de notas sobre pessoas de todas as classes, de todas as idades, homens ricos, solteiros, etc. Aqui novamente havia detalhes circunstanciais – propensões, fortuna, família, parentes, vícios e virtudes, juntamente com anedotas calculadas para caracterizar as personagens. É apenas em casos de exceção, como soube desde então, que um Jesuíta permanece muito tempo no mesmo lugar. Se lhe é permitido continuar a sua permanência ali, é apenas quando os superiores estão convencidos da incontestável utilidade da influência que ele exerce. Sempre que um Jesuíta, particularmente um de habilidades modestas, esgotou os recursos de sua mente em algum lugar específico, e quando parece não ter nada de novo a produzir, os regulamentos da ordem exigem que ele seja substituído por outro que possa, por sua vez, ser notado e admirado por um período mais longo ou mais curto. Nestas frequentes mudanças reside outra vantagem: o recém-chegado, assumindo o ofício sagrado de seu antecessor, assim que souber os nomes das pessoas que o escolhem para o diretor de sua consciência, pode, por meio do Registro de Confissões, munir-se, em poucas horas, de toda a experiência adquirida pelos seus colegas. Este artifício o dota do poder infalível de surpreender, confundir e subjugar os penitentes que se ajoelham ao seu lado; ele os penetra de forma inesperada e, de uma maneira sem precedentes, introduz-se nos recônditos mais ocultos de seus corações. Não se pode dizer com quanta arte os Jesuítas se beneficiam do espanto que assim provocam, e quão habilmente o transformam em avanço de sua obra. Assim, encontrei beatas ricas, homens velhos e, frequentemente, jovens do sexo frágil, que afirmam audaciosamente que a maior parte destes reverendos padres está realmente dotada do espírito de profecia.
VII.
Eu estava, entretanto, disposto a fazer mais e mais audazes pesquisas. O livro que abri em seguida era um registro de Rendas, Aquisições e [omissão]. Em minha febril impaciência, logo o deixei por outro, intitulado: "Inimigos da Sociedade". Neste momento, fui interrompido por um ruído que ouvi e mal tive tempo de recolocar os volumes que havia perturbado, quando distingui o som de numerosos passos se aproximando, como se várias pessoas estivessem prestes a entrar no aposento. Só então comecei a sentir o perigo da minha presença no armário.
Até aquele momento, eu estava completamente absorvido e levado, por assim dizer, por um turbilhão. Mas as descobertas que relatei provaram ser apenas o prólogo de um drama infinitamente mais sério, e que estou prestes a reconstituir.
Assim que percebi que o reitor estava retornando, juntamente com várias outras pessoas, debati rapidamente comigo mesmo se deveria sair da sala interior e atravessar a outra na presença deles, ou permanecer escondido como estava. Mas, para tornar minha narrativa mais clara, devo talvez relatar aqui um fato que pode unicamente explicar por que encontrei a porta do aposento aberta. Soube depois que um nobre rico e cortesão [4] havia vindo fazer uma visita aos padres jesuítas em Chieri. Eu mesmo tinha ouvido, alguns dias antes, um rumor sobre a chegada esperada de alguns padres de longe. Neste período, os Jesuítas estavam começando a lançar algumas raízes no Piemonte, cuja conquista eles meditavam; e não duvido que os superiores da sociedade residentes em Chieri desejassem oferecer uma recepção lisonjeira a esta alta personalidade. A conversa deles havia, provavelmente, girado em torno da obra que se propunham empreender naquele país. Entendi, pelo menos, por algumas de suas expressões, que eles se congratulavam por terem interessado o seu nobre visitante e confiavam ter adquirido nele um poderoso defensor. Parece haver todas as razões para supor que os padres, desejosos de agradá-lo, tivessem, no seu excesso de polidez, o acompanhado até a sua carruagem, onde a conversa e os cumprimentos de despedida se prolongaram por mais de um quarto de hora, enquanto a ninguém entre eles ocorreu que a porta dos aposentos do reitor estava aberta.
Não posso relatar com exatidão o número de padres. A julgar pelo ruído das vozes, poderiam ser pelo menos oito ou dez deles.
Quanto a mim, minha perplexidade pode ser mais bem concebida do que descrita. Eu estava perplexo. O que eu deveria fazer? Ficar? Mas a cada momento eu poderia esperar ser descoberto, e então! Deveria abrir a porta e interromper a sua conversa animada? Mas eu estava muito agitado, muito oprimido, pelo que acabara de ler; além disso, o que já tinha ouvido de seus projetos, sua animação intensa e a liberdade de sua fala, tudo me aterrorizava. Tremi com a mera ideia de enfrentar seu olhar inquisitorial. Uma terrível reação havia ocorrido instantaneamente dentro de mim. A Companhia de Jesus me foi subitamente revelada em cores mais escuras e mais repulsivas do que aquelas sob as quais me havia sido anteriormente retratada. Confundido, paralisado e totalmente incapaz de tomar qualquer decisão, permaneci imóvel... Longe de ser fatal para mim, esta perda de tempo foi a circunstância que me salvou.
VIII.
Enquanto conversavam assim com considerável veemência, de repente, como se tivessem desaparecido, o ruído de suas vozes cessou, e seguiu-se um silêncio mortal. Um choque elétrico não poderia ter produzido uma reviravolta maior de sentimentos do que a que eu experimentei; e, estando a porta do quarto em que eu me encontrava ligeiramente aberta, como estivera desde o início, minhas próprias pulsações pareciam parar durante esta pausa.
No entanto, se eu fosse novamente submetido a tal provação, não sei se seria capaz mais uma vez da resolução que então surgiu dentro de mim. Eu era composto, por assim dizer, de dois seres. Senti, ao mesmo tempo, toda a timidez e toda a ousadia temerária de uma criança. Uma espécie de fascínio me inspirou um pensamento audacioso, deixando-me ao mesmo tempo perfeitamente ciente do perigo da minha situação. Outros podem ser capazes de explicar este mistério; quanto a mim, apenas relato o que me ocorreu. Conto o que ousei tentar e o que realizei, sem procurar ocultar o terror pelo qual fui abalado durante a sua execução, e que me deixou uma impressão que durou mais de um ano. O certo é que logo experimentei, no meio dos meus temores trêmulos, uma espécie de exaltação juvenil, um sentimento de alegria e triunfo com a ideia de ser iniciado em segredos, cuja natureza misteriosa e terrível eu fui levado a inferir das revelações da biblioteca, das palavras que feriram os meus ouvidos, da opinião que eu havia concebido do poder dos Jesuítas, e da lembrança, que estas circunstâncias tão vividamente evocaram, de tudo o que eu tinha ouvido em seu desfavor. Mas não me antecipo.
Até este momento, eu vinha tentando reunir toda a minha coragem para me apresentar diante da assembleia e tentar sair, desculpando-me com o reitor, caso, como era muito provável, ele me interrogasse; e, provavelmente, eu teria acabado por tomar esta atitude, se a conversa confusa tivesse continuado por muito mais tempo. O silêncio repentino, a ideia de que eu havia sido descoberto, pôs fim à resolução que eu estava prestes a tomar. No exato momento em que eu esperava ver a porta ser aberta, o incidente que ocorreu mudou a minha situação e a tornou crítica no último extremo. Às primeiras palavras que ouvi, e que estou prestes a relatar, senti com terror que estava, de fato, sendo testemunha de um conselho que colocava diante de mim os dois grandes perigos entre os quais eu tinha que escolher. Mas o perigo, se eu me apresentasse, era imediato, embora desconhecido, enquanto me parecia que, ao ganhar tempo, havia alguma chance de segurança. Este último plano, também, era o mais fácil devido à sua inação; ele me deixava um raio de esperança de que eu ainda pudesse escapar indetectado, e permaneci, portanto, imóvel, aguardando meu destino. Relatarei agora as palavras que quase imediatamente quebraram o silêncio atordoante.
Não pretendo reproduzir com precisão literal cada expressão da alocução do Jesuíta que desempenhava o cargo de presidente nesta ocasião; mas garanto que o sentido é reportado fiel e precisamente: as palavras, que em um momento tão grave, e no meio de tamanha atenção profunda, caíram lenta e enfaticamente em meu ouvido, permanecem indelevelmente impressas em minha memória.
"Vocês me desculparão, caros irmãos" – (um gesto imperativo do próprio presidente sem dúvida produziu o silêncio que me foi tão surpreendente) – "vocês me desculparão se os interrompo desta forma. Estão cientes de que não temos tempo a perder. Hoje, como já resolvido, entraremos em uma visão geral dos interesses e do plano de ação pelos quais nossa sociedade deve ser guiada no presente. Até o momento, nossas discussões se limitaram apenas a assuntos locais. Devemos agora definir os princípios que, doravante, devem regular a nossa conduta. Os homens com quem temos que lidar agora são totalmente diferentes dos de tempos passados. O plano que devemos traçar agora deve ser calculado para enfrentar obstáculos presentes e futuros. E não seremos nós", acrescentou ele, com um tom de arrogância contida, "com os nossos esforços unidos, capazes de fazer tanto – ou até mais do que foi feito por um único homem, em poucos anos, para o espanto do mundo inteiro? Mantenham-se prontos, então, vocês que têm entendimento suficiente para lançar luz sobre as importantes questões que temos que resolver.
"Vocês têm, diante dos seus olhos, a lista dos pontos que formam o nosso principal objetivo.
"O que é mais importante para nós é que os nossos materiais se multipliquem e que, em última análise, seja feito um livro a partir deles – não direi um livro grande, mas um livro que se torne, embora pequeno em volume, um vasto fundo, onde se concentre a experiência de milhares, para o benefício de todos aqueles que iniciaremos em nossa obra. Pois todos vocês sabem que, desde que a tranquilidade foi restaurada e o gênio da guerra está acorrentado, a mente de cada nação está à disposição daquele que mais habilmente dela se apossar.
"Mas não nos iludamos. Por mais boas que sejam as nossas velhas espadas, vendo a luta que nos aguarda, não basta afiá-las; devemos, acima de tudo, modernizá-las.
"Devemos primeiro decidir, então, que curso seguir com a multidão que tem sido iludida e fascinada por palavras de tão belo som como 'direito', 'liberdade', 'dignidade humana', e assim por diante. Não é pela oposição direta, nem pela depreciação de seus ídolos, que prevaleceremos. Preparar para os homens de todos os partidos, seja qual for a sua bandeira, uma surpresa gigantesca, eis a nossa tarefa. (Creare a tutti i partiti, qualunque sia la lor bandiera, una gigantesca sorpresa, ecco la nostra opera.)
"Que o nosso primeiro cuidado seja, portanto, mudar completamente a natureza de nossas táticas e dar um novo verniz à religião, parecendo fazer grandes concessões. Este é o único meio de assegurar a nossa influência sobre estes modernos, meio homens, meio crianças.
"Faremos primeiro, então, uma revisão do arsenal das nossas forças. A presente reunião será a mãe fecunda dos nossos futuros procedimentos (séance mère), na qual concentraremos todas as ideias que formamos sobre a época, a fim de direcioná-las para o engrandecimento da Igreja. Aqui estão as atas das três reuniões precedentes, que todos podem consultar à vontade. Foram deixadas margens amplas para que possam anotar as suas reflexões, as suas retificações e até mesmo as suas objeções, caso se apresentem às vossas mentes; e, acima de tudo, as vossas novas visões sobre as dificuldades que encontraremos e sobre os melhores meios de vencê-las. Desta forma, seremos cada vez mais esclarecidos sobre o grande desígnio da nossa ordem e sobre o curso que o cumprirá com mais prontidão e certeza.
"Tenham sempre em mente que o nosso grande objetivo, em primeiro lugar, é estudar profundamente e aperfeiçoar a arte de nos tornarmos tanto necessários quanto formidáveis aos poderes estabelecidos."
IX.
Quase me faltou o ar ao descobrir que o pior que me havia sido dito sobre os Jesuítas era assim, súbita e inesperadamente, confirmado pelo que eu acabara de ler e ouvir. Abrir a porta agora e me apresentar diante deles teria sido um ato de loucura. Tudo o que me restava era decidir o que faria se fosse descoberto; e pensei que meu único recurso possível, se os ouvisse se aproximar da porta, seria cair estendido no chão como se estivesse em um ataque. Sentia-me, de fato, como se estivesse na iminência de ser precipitado de cabeça em um despenhadeiro.
Uma salutar distração tirou-me deste estado de ansiedade extrema: houve um movimento e um ruído de cadeiras; eles estavam evidentemente se sentando à mesa. Aqui estava uma trégua! Respirei novamente. A pessoa que já havia falado proferiu agora, num tom simples e familiar, as seguintes palavras, que subitamente me inspiraram os sentimentos e a resolução de que falei acima.
"Eu gostaria", disse ele, "que nada se perdesse do que estamos prestes a dizer. Desejo muitíssimo que todas as nossas ideias sejam registradas por escrito, para que outros tenham oportunidade de criticá-las, desenvolvê-las ou melhorá-las. Portanto, vamos expressá-las de forma clara e deliberada, para que o nosso amigo o secretário (l'amico nostro, il secretario) não perca nada do que for dito."
Ouvir isto, observar perto de mim uma pequena mesa fornecida com materiais de escrita, e resolver eu mesmo desempenhar o papel de secretário, foi obra de um instante.
Desde o início dos meus estudos, primeiro por capricho, e depois com um motivo especial, eu havia inventado para meu próprio uso um sistema de abreviaturas na escrita. Pensei, a princípio, apenas em conseguir um pouco de tempo livre durante o ditado das lições, e assim poder me divertir, com toda a vanglória de um estudante, observando meus colegas escreverem penosamente o que eu havia terminado há muito tempo. A indulgência desta diversão por vezes, de fato, levava o professor a exigir que eu provasse, lendo o ditado, que eu realmente o havia escrito. Mas, mais tarde, transformei esta espécie de estenografia em algo mais útil, porque me permitia desfrutar de leituras furtivas durante as aulas. E o efeito disso permanece até hoje; pois, embora eu não utilize mais este sistema, acho difícil escrever sem muitas abreviaturas, de modo que a minha caligrafia é, infelizmente para os meus correspondentes, singularmente ilegível. Além disso, aqueles dentre os Jesuítas cuja língua nativa não era o italiano naturalmente falavam com lentidão. Consequentemente, não tive dificuldade em escrever tudo o que era dito. Fiquei ocupado desta forma até o final do dia; mais quinze minutos, e a luz do dia me teria abandonado totalmente.
Não tentarei descrever minhas sensações enquanto estava ocupado. Senti como se tivesse dado um salto prodigioso. Ainda muito jovem (eu tinha apenas dezenove anos), simples e confiante, fui confrontado, completamente despreparado, com as maquinações mais ousadas e profundas que homens, como os chefes dos Jesuítas, eram capazes de conceber. Retirado o véu, vi-me frente a frente com um dos poderes mais misteriosos que já se conheceu por reduzir a sistema, em vasta escala, a arte de subjugar toda sorte de paixões – as paixões da massa e as paixões dos soberanos – para a obtenção de um propósito fixo e imutável.
Assim, mal ousando fazer o menor movimento, consegui, através da porta parcialmente aberta, ouvir distintamente cada palavra. Ouvi os discursos de oito ou dez dos mais energéticos chefes da sociedade, que, tendo deixado de lado, nesta ocasião, sua linguagem untuosa e frases doces de santidade, raciocinavam audaciosamente sobre seitas, partidos, opiniões e interesses, ponderavam obstáculos e recursos, e construíam um edifício colossal de engano, perante o qual Maquiavel teria curvado a cabeça.
Esta foi uma dura prova para um entendimento tão juvenil e despreparado como o meu. Além disso, a singularidade da minha situação – ouvindo e escrevendo as palavras de personagens invisíveis, enquanto eu sabia que a espada estava suspensa sobre mim por um único fio – causou emoções tão violentas que não consigo, até hoje, recordá-las sem um arrepio nervoso.
Os próprios sentimentos dos meus leitores, ao lerem o que se segue, permitir-lhes-ão julgar o que devo ter sofrido.
X.
Uma certa impressão, que acolhi como uma esperança de segurança e de proteção Divina, pareceu acometer-me, de que esta situação singular, que eu nem procurara nem previra, não era efeito do acaso. Ademais, minha ocupação absorvia-me tão profundamente que eu afundara numa espécie de calma – uma calma interiormente perturbada, é verdade, e, por assim dizer, convulsiva. Mas, quando percebi que a sessão estava prestes a terminar, toda a minha agitação foi renovada. Um terror profundo tomou conta de todos os meus sentidos; depois do que eu havia ouvido e do que eu havia feito, eu não podia esperar nenhuma misericórdia. Ao ruído que se seguiu, quando toda a assembleia se levantou de seus assentos, meus joelhos bateram um no outro, e gotas de suor frio caíram da minha testa.
Enquanto isso, por mais que eu me assemelhasse a um criminoso condenado cuja hora da execução havia chegado, eu não estava tão totalmente dominado pelo terror que não tivesse alguns momentos lúcidos. Aproveitei o ruído produzido pelos seus cumprimentos mútuos para enfiar meus manuscritos nas minhas meias, e senti-me um pouco aliviado quando eles ficaram assim escondidos. Depois, quando as garrafas foram destampadas e os copos tilintaram, empreguei toda a pouca força que me restava para aliviar meus membros entorpecidos; pois a postura que eu fora obrigado a manter por tanto tempo havia cãibrado todo o meu corpo, especialmente o pescoço e as pernas. Felizmente, o ruído era agora suficiente para me permitir esticar os membros e deixar meu sangue retornar à sua circulação natural.
Obtido este alívio, e tendo o ruído na sala adjacente diminuído novamente, o chefe que já havia falado dirigiu as seguintes observações aos seus colegas, que escutavam com a renovada atenção que suas palavras pareciam sempre comandar.
"Onde está o revolucionário que, assim que se envolve em qualquer trama, não é obrigado a arriscar sua fortuna e sua vida? Quanto a nós, não temos nada disso a temer. Pelo contrário, aqueles que nos cobrem de favores, a quem devemos estas espaçosas mansões onde realizamos nossas reuniões em perfeita segurança, não só nos confiam seus subordinados e suas famílias, como se colocam em nossas mãos."
Estas últimas palavras, proferidas num tom ligeiramente irônico, despertaram um murmúrio de aprovação, que levou o orador a acrescentar:
"Mas não confiemos demasiado nas singularidades de nossa admirável posição. Devemos, antes, tomar extremo cuidado para evitar o menor passo em falso, para chegar em segurança ao resultado de nossos esforços."
Após estas palavras, houve uma explosão de entusiasmo – brinde seguiu brinde; mas nada do significado preciso da sua ruidosa conversa chegou a mim. As únicas palavras que ouvi distintamente foram estas que um deles, evidentemente inglês ou irlandês pelo seu sotaque, pronunciou em uma voz grave e sonora, acentuando cada sílaba de forma impressionante: "Et erit unum ovile, et unus pastor" [E haverá um só rebanho, e um só pastor].
Continuamente com medo de ser descoberto, eu esperava a cada instante ver a cena alegre da qual eu era a testemunha desconhecida mudar para uma cena de morte. Olhei ansiosamente ao meu redor – nenhum canto onde eu pudesse me esconder. Eu ouvia o rápido bater do meu coração; meu destino parecia mais sombrio do que a noite cuja aproximação tornava meus pensamentos ainda mais lúgubres. Que posição! Eu desejava e temia uma mudança, fosse ela qual fosse. Desejava-a, para ser libertado de um constrangimento tão cruel; temia-a, pelo que me poderia acontecer! De repente, um acidente afortunado tirou-me do meu torpor – a campainha da casa tocou. Ouvi estas palavras: "Vamos, vamos jantar"; seguidas destas outras: "Nós ganhamos um, e um bom por sinal."
XI.
Assim que pude perceber que eles se dirigiam à porta e estavam realmente de saída, fui tomado por uma agitação de natureza completamente diferente da que eu havia suportado antes. É-me impossível expressar o que senti neste momento, quando, escutando atentamente, adquiri a certeza de que a sala estava ficando vazia. Pareceu-me que um peso opressor, que me havia oprimido durante metade do dia com um terror misterioso, foi instantaneamente retirado, por assim dizer, por uma mão invisível.
A partir de então, cheio de coragem, eu não duvidava que Deus havia me assistido até aquele momento, e que Ele continuaria a me assistir.
Assim que o som dos passos em retirada desapareceu completamente nos corredores, esgueirei-me suavemente para o aposento. Mesmo ali, não pude evitar lançar um olhar sobre a mesa em torno da qual a assembleia se havia sentado. A tentação era demasiado forte para que a minha curiosidade não superasse os meus medos. A primeira coisa que me chamou a atenção foram alguns grandes livros em forma de registros, com as bordas alfabetadas. A visão deles me explicou um ruído que eu havia ouvido no momento em que os Jesuítas entraram. No entanto, nenhum uso havia sido feito desses livros durante a conferência.
Embora àquela hora eu mal pudesse ver para ler, ainda assim não quis perder a oportunidade de lançar um rápido olhar para estes volumes. Descobri que eles continham numerosas observações relativas ao caráter de indivíduos distintos, organizadas por cidades ou famílias. Cada página estava evidentemente escrita por várias mãos diferentes. Ao lado destes enormes volumes, vi três livros manuscritos não encadernados, dois em italiano e um em francês, todos densamente preenchidos com notas marginais. Se eu não estivesse atormentado por fortes apreensões, poderia ter empregado algum tempo precioso folheando esta massa de escritos. Mas eu já havia incorrido em perigo suficiente e, por maior que fosse a atração, era necessário resistir a ela e partir sem mais demora.
XII.
Que atividade nesta ordem! – que poder de combinação! – que ousadia de vistas! – que fecundidade de meios! Mas também, que orgulho imaginar ser possível, mesmo com todos estes artifícios, iludir, enredar, mistificar e subjugar esta era rebelde, que se torna a cada dia mais perspicaz para compreender estes planos e perceber o objetivo definitivo destas manobras.
O jesuitismo, de fato, tem estado há muito tempo sob as mais terríveis suspeitas.
Fra Paolo Sarpi, um homem de grande capacidade, de experiência consumada, ele próprio um monge, e que, durante uma longa vida, estudou este tipo de corporação anfíbia (pois não se declara decididamente nem eclesiástica nem monástica), chama-a, na sua habitual linguagem lacônica, de "O segredo da corte de Roma, e de todos os segredos, o maior."
"De todas as ordens religiosas", disse também o formidável Filipe II, "a dos Jesuítas é a única que não consigo compreender minimamente."
Atualmente, esta sociedade continua a ser um enigma, mas o seu significado está prestes a ser desvendado.
Um dia, durante os últimos anos, abri a Revue des Deux Mondes, e grande foi a minha surpresa ao encontrar ali detalhes muito semelhantes aos que acabei de relatar, e dos quais, como já disse, não fiz mistério à minha chegada à Suíça. É possível, no entanto, que a informação contida nas seguintes linhas tenha vindo de outra fonte:
"As casas provinciais correspondem às de Paris; elas também estão em comunicação direta com o geral, que reside em Roma. A correspondência dos Jesuítas, tão ativa, tão variada e organizada de uma maneira tão maravilhosa, tem por objetivo fornecer aos chefes toda a informação de que possam necessitar. Todos os dias, o geral recebe um número de relatórios que se verificam mutuamente. Existem na casa central, em Roma, enormes registros, nos quais estão inscritos os nomes de todos os Jesuítas e de todas as pessoas importantes, amigas ou inimigas, com quem têm qualquer conexão. Nesses registros são registrados, sem alteração, ódio ou paixão, fatos relativos às vidas de cada indivíduo. É a coleção biográfica mais gigantesca que jamais foi formada. A conduta de uma mulher leviana, as falhas ocultas de um estadista, são recontadas nestes livros com fria imparcialidade; escritos com um objetivo de utilidade, estas biografias são necessariamente genuínas. Quando é necessário atuar de alguma forma sobre um indivíduo, eles abrem o livro e imediatamente ficam a par de sua vida, seu caráter, suas qualidades, seus defeitos, seus projetos, sua família, seus amigos, seus conhecidos mais secretos. O senhor não pode conceber que vantagens práticas soberanas deve gozar uma sociedade que possui este imenso registro policial que abrange o mundo inteiro? Não é levianamente que falo destes registros, é de alguém que viu esta coleção e que está perfeitamente familiarizado com os Jesuítas que obtenho o meu conhecimento deste fato. Isto sugere matéria para reflexão para aquelas famílias que dão livre acesso aos membros de uma comunidade na qual o estudo da biografia é tão habilmente cultivado e aplicado."
Fui forçado, embora com pesar, a deixar a mesa; além disso, a escuridão impedia a leitura proveitosa. Não tive dificuldade em deixar o aposento; eu sabia que a porta abria por dentro e que eu só teria que fechá-la suavemente para alcançar o corredor. Pensei ser melhor não ir para o meu quarto, pois este devia ter sido fechado durante a minha ausência. O que eu mais temia naquele momento era encontrar alguém, pois estava convencido de que, durante esta ausência de meio dia, eu havia sido procurado com ansiedade. O melhor expediente que consegui pensar foi ir e colocar-me em um banco gradeado na igreja, no qual eu assistia à missa todos os dias, acompanhado pelo meu anjo da guarda.
XIII.
Sozinho ali, e em certa medida seguro, tive tempo para sentir os efeitos plenos da fadiga física e mental que havia suportado. Todas as minhas ideias tinham, de fato, sofrido uma revolução completa, que, se tivesse ocorrido lentamente, não teria tido as consequências sérias de que estou prestes a falar; mas ela se deu com uma violência extraordinária: a árvore tinha sido arrancada subitamente pela raiz e jogada nas águas furiosas de uma torrente. Não tentarei descrever tal situação; às vezes eu apreciava o evento em toda a sua realidade; em outras, o ardor do meu cérebro era tal que eu não duvidava ter sido vítima de alguma visão satânica; eu estava presente mais uma vez na cena que havia testemunhado, mas agora estava tão exagerada que eu imaginava ouvir espectros ou demônios conversando.
Sob o peso de tais impressões diversas de medo e espanto, com a minha força intelectual e moral quebrantada pelo trabalho e pela coação, depois de me ter entregue a um labirinto de pensamentos sombrios e agonizantes, foi bom para mim que caí num sono profundo. Devia ser cerca de nove ou dez da noite, quando fui subitamente despertado por alguém gritando o meu nome. Mecanicamente, saí do meu banco e ainda estava esfregando os olhos quando não sei quantos padres se agruparam ao meu redor.
Fui instantaneamente oprimido por perguntas. Fui obrigado a parar alguns instantes para reunir as minhas ideias; e então não consegui encontrar nada melhor para dizer do que me tinha sentido indisposto – que tudo me fatigava – que o menor ruído me torturava – e que eu me tinha recolhido ali para ficar sozinho.
Mas tudo isso estava longe de satisfazê-los. O Padre Saetti observou que não só ele estivera onde estávamos, mas que tinha batido em todas as portas, até mesmo na do reitor, sem conseguir me encontrar.
De fato, durante a reunião eu tinha ouvido a porta abrir; e enquanto duraram os sussurros, e até que ela fosse fechada novamente, eu senti um calafrio percorrer meu corpo.
Respondi, portanto, que era verdade que eu não tinha estado ali o tempo todo; que eu tinha estado ausente por cerca de quinze minutos e mencionei um lugar para onde eu havia sido obrigado a ir.
O constrangimento manifestado em cada palavra que eu falava aumentava as suas suspeitas. Os padres, mais irritados do que aplacados pelas minhas respostas, continuaram, sob diferentes formas, a repetir as mesmas interrogações.
O anjo da guarda teve o trabalho de me informar, em um tom mal-humorado, que a princípio ele acreditara que eu tinha ido fazer o meu pedido ao reitor, mas que, sendo a minha ausência tão prolongada, ele tinha mudado de opinião. E como se temesse ser acusado de negligência, ele se justificou em um tom ansioso e sério.
"Era impossível para mim supor", disse ele ao reitor, "que, mesmo que o senhor o tivesse recebido, o teria mantido por tanto tempo – sobretudo hoje, quando, por causa da reunião, o senhor me havia dito que não haveria recepções. Foi só depois de ter ido mais de uma vez perguntar ao porteiro e aos irmãos leigos, depois de ter importunado todos, que comecei a suspeitar que ele poderia ter fugido. Foi então, sob o risco de perturbar a vossa reunião, não sabendo o que fazer, que vim e bati à sua porta. Antes da ceia, apressei-me a informá-lo do seu desaparecimento e, se não fosse para lhe obedecer, eu, por mim, teria julgado perfeitamente inútil ir chamá-lo pelos corredores, como acabei de fazer. Mal posso acreditar nos meus olhos ao vê-lo aqui agora."
Não haveria fim para tudo isto, se, cansado de tantas perguntas, e fazendo um esforço audacioso, eu não tivesse começado a queixar-me amargamente, gemendo que eles me torturavam, que eu estava exausto de sofrimento, que eu estava a morrer.
Um padre idoso, que reconheci pela voz como um dos que tinham falado durante a reunião, interrompeu subitamente estes interrogatórios desconcertantes. "Deixem-me ver", disse ele, segurando minha mão e tomando-me o pulso, enquanto os demais me observavam atentamente em silêncio; então, após alguns momentos de séria reflexão, "Pobre rapaz!", disse ele, "está com uma febre ardente. Para a cama imediatamente! Que o médico o veja de uma vez; nunca vi ninguém em tamanha agitação; ele está com uma febre tremenda." Isto foi suficiente para pôr fim às suas suspeitas.
XIV.
Meu primeiro cuidado, ao ser conduzido ao meu quarto, foi tentar me despir sem ajuda. Consegui, não sem dificuldade, pôr minhas meias de lado sem que outra pessoa as tocasse. O médico, que logo chegou, confirmou a opinião já proferida sobre a seriedade do meu ataque.
Completamente absorvido pelo segredo em minha posse, assim que fui deixado sozinho, apesar da escuridão e do estado deplorável em que me encontrava, abri a borda de um dos meus coletes com um canivete; peguei então meus manuscritos, reduzi-os a pequenos quadrados e os coloquei cuidadosamente no forro, de modo a não fazer volume que pudesse trair sua existência. Fui obrigado, no entanto, a adiar para o dia seguinte a tarefa de costurar o colete.
Quando a minha saúde foi em algum grau restaurada e recuperei a minha compostura, comuniquei ao reitor a minha determinação de descontinuar os meus estudos para o noviciado. Nisto, fui culpado de notável imprudência, e a partir desse momento a minha intenção de deixar o estabelecimento foi-me apresentada como uma inspiração do diabo. A pertinácia com que se esforçaram para me reter, contra a minha vontade, era tanto mais odiosa para mim, quanto eles protestavam que tudo o que buscavam era o bem-estar da minha alma imortal. Vi-me obrigado a suportar o jugo em silêncio por mais algum tempo.
Chegou o dia da confissão. Eu tinha obedecido até então a uma regra que prescrevia que o penitente deveria responder em voz alta às perguntas do seu confessor – um meio mais eficaz, dizia-se, de progredir na humildade e de tornar o ato da confissão meritório. Desta vez, não prestei atenção a isso. O reitor notou e me repreendeu severamente. O fato é que ele nunca deixava, na noite de sábado, de colocar a sua cadeira contra aquela mesma porta que, no dia em que tomei minhas notas da sessão, havia permanecido parcialmente aberta, e ele se sentava de tal maneira que a minha voz era necessariamente dirigida para a porta. Eu estava, enquanto isso, ajoelhado em uma espécie de genuflexório, e meu rosto quase o tocava. O conhecimento que eu havia adquirido me tornara desconfiado. O cuidado que ele tinha em me exortar a falar mais alto, enquanto o costume usual na confissão é sussurrar, chamou a minha atenção para a porta que estava à minha frente, e eu a examinei o mais cuidadosamente que a minha situação permitia. Percebi que ela era leve, e composta por uma série de ripas estreitas, com muitos pequenos interstícios entre elas. É claro que, no meu novo estado de espírito, não pude evitar supor que algum mistério estava escondido atrás daquela porta – que, talvez, no mesmo local onde eu havia escrito os procedimentos da reunião, naquela mesma mesa, tão bem guarnecida com materiais de escrita, um secretário tomava notas de tudo o que era semanalmente extraído, por perguntas astutamente concebidas para sondar os corações mais íntimos de jovens que teriam escrúpulos em dissimular, no solene ato da confissão, até mesmo seus pensamentos mais fugitivos.
XV.
Permitam-me agora relatar o efeito contrário que foi produzido em mim, no meu estado atual, por aquelas mesmas coisas que, anteriormente, haviam me cativado como que por fascínio.
Os livros devocionais que me obrigavam a ler, os suspiros e lamentos que eu ouvia serem proferidos pela multidão de almas que o mundo ilude e corrompe, e, acima de tudo, estas máximas: "Que é apenas sacrificando as nossas inclinações que podemos avançar para a perfeição; que os inferiores devem ouvir os seus superiores como se Deus falasse pelos seus lábios; que só quando nos tornamos como uma vara, ou como um corpo sem vida nas mãos deles, é que atingimos o auge da obediência; e que esta vida curta não pode ser mais bem empregada do que para o triunfo da igreja, e em procurar trazer todos a ela." Estes livros, estes suspiros, estas máximas apareceram-me como nada mais do que os meios de um engano abominável.
Nada me incomodava tanto quanto o trabalho que tinham para imbuir a minha marcha, os meus gestos e até os meus olhares com um certo ar de austeridade, e para podar a minha linguagem habitual de certas expressões livres e ingênuas, com o objetivo de me impor outras, de natureza melíflua, especiosa e santimonial. Meditar constantemente, em um lugar como este, sobre a eternidade da punição, a felicidade eterna e o dever de despojar-se do velho homem e vestir o novo, e passar as contas de um terço diariamente pelos meus dedos, eram exercícios incompatíveis dali em diante com a nova vida que eu havia recebido naquele mesmo lugar. Mas o que consumou o meu desgosto foi ser compelido a participar em gemidos convencionais e numa loquacidade piedosa da qual é impossível fazer uma ideia. Como, de fato, eu poderia continuar a ser de algum modo enganado quanto à natureza destas práticas? Eu agora estava ciente do seu propósito. Eles esperavam, por meio de todo o seu lixo de orações ocas e sem coração, seus êxtases fictícios e comunhão quimérica com Deus, galvanizar a minha imaginação, suprimir uma parte do meu ser e, ao danificar a minha razão, obscurecer e mutilar o meu entendimento, para que pudessem, finalmente, tornar-se seus mestres absolutos.
Os traços da crise pela qual passei foram tão profundos que nenhuma fraseologia religiosa, por mais grandiosa que seja, foi capaz de me impressionar desde então. Longe de ser, na minha estima, uma garantia de piedade sólida, uma profusão de frases feitas me induz antes a investigar se ela não está sendo empregada como um instrumento de visões políticas ou de especulação interesseira. Tornei-me cada vez mais avesso àquela formalidade pesada que quase em toda parte sufoca os princípios frutíferos do Evangelho; e tenho todo o direito de desaprová-la e detestá-la, visto que encontrei cedo o mais venenoso dos répteis sob sua espessa folhagem. Não conheço, de fato, melhor regra para julgar homens e coisas do que aquela dada por Jesus: "A árvore boa não pode dar maus frutos, nem a árvore má dar bons frutos. Pelos seus frutos os conhecereis."
Convencido de que o reitor jamais cessaria de se opor à minha partida, elaborei um projeto de fuga, e escolhi para a sua execução o que pensei ser a hora mais favorável da tarde. Fui imediatamente para o mesmo hotel no qual, pouco tempo antes, eu havia jantado com o arcipreste, no dia da minha entrada no noviciado. De lá, enviei um pedido ao estabelecimento para buscar o que me pertencia. Um dos padres imediatamente veio ter comigo e empregou toda a sua eloquência para me convencer de que eu havia cometido uma falha hedionda; mas foi em vão que ele protestou que a salvação dificilmente é alcançada por aqueles que se misturam nos caminhos do mundo, ao passo que se morrermos na sociedade ela nos é assegurada, segundo a promessa de Santo Inácio – eu não era mais o homem para dar ouvidos a tais fábulas. Abstendo-me de quaisquer revelações imprudentes e evitando todo sintoma de rancor, finalmente dispensei meu visitante perseverante, e agora pensava apenas em retornar aos meus pais. Um médico, que achei necessário consultar, aconselhou-me a evitar o movimento de uma carruagem e a viajar, de preferência, de barco pelo rio Pó. É surpreendente como o desejo ardente de deixar este lugar e a alegria de respirar o ar livre tiraram toda a sensação de indisposição sob a qual eu ainda estava sofrendo. Mas mal tinha eu percorrido seis ou sete léguas por água quando a minha doença aumentou tanto que, ao desembarcar em Casala, fui considerado em perigo. Fui, portanto, obrigado a permanecer naquele local até poder ser removido para Langosco, minha cidade natal.
Em meio a tantos sofrimentos, foi, no entanto, uma consolação para mim o fato de que, durante todo este perigoso episódio, eu havia evitado o pior de todos os males: o de trair-me. No auge da febre, provocada por tudo o que eu havia passado, cada palavra que eu proferia tinha alguma referência confusa à reunião da qual eu havia feito uma ata. Tive de lutar contra essa tendência da minha doença, e a luta foi tão grande que sofri os seus efeitos por mais de um ano. A estranheza do evento e o medo de trair a minha própria participação nele haviam desordenado todo o meu ser.
XVI.
É importante que eu mencione outros aborrecimentos a que fui sujeito assim que se soube que eu havia deixado os Jesuítas. Ninguém ficou mais visivelmente magoado com o meu abandono do noviciado do que o meu antigo amigo, o cura. A minha breve estadia em Chieri, a minha fuga, a queixa contra mim dirigida a ele pelo superior e, mais do que tudo, a minha extrema reserva para com os Jesuítas, de quem eu declarava, no entanto, que nunca havia experimentado nada além de bom tratamento – todas estas coisas eram para ele totalmente inexplicáveis. Aqueles que comparavam o meu entusiasmo anterior com o meu silêncio glacial atual acusavam-me de inconsistência e me assediavam com perguntas; e a necessidade em que me encontrava de responder de forma evasiva contribuiu não pouco para que parecesse que eu estava errado. Mas a maior mágoa que senti nesta ocasião foi que aquele que até então me havia amado como um filho, de modo que não podíamos passar um dia sem procurar a companhia um do outro, agora fechou a porta para mim, declarando, com severidade indignada, que dali em diante não teria mais nada a ver comigo. Este era o meu velho amigo, o cura. E, de fato, ele havia testemunhado em mim tanta resistência superada, tantos sacrifícios feitos, tantos laços, e os mais queridos, rompidos, que ele não podia deixar de considerar a minha vocação como forte e decidida. Pareceu-lhe imperdoável que eu não tivesse razão para alegar a subitaneidade da mudança, nem para justificar a minha fuga; e nada podia exasperá-lo mais do que a completa apatia que eu demonstrava em relação aos Jesuítas, depois de ter sido um dos seus mais ardentes admiradores; uma apatia que eu não podia disfarçar, embora tornasse a minha conduta ainda mais enigmática. Tudo isto nos manteve afastados durante vários anos, e mesmo quando a nossa reconciliação finalmente ocorreu, ele não conseguia abster-se de me tratar como inconstante, irracional, volúvel e paradoxal. Na verdade, ele só consentiu em receber-me novamente sob a condição de que nem uma palavra fosse dita sobre todo este assunto.
XVII.
Vou agora dar uma ideia da conduta que fui obrigado a adotar para progredir no mundo clerical. Continuei meus estudos teológicos e, muito naturalmente, as páginas que possuía eram o frequente objeto de minhas meditações. Em vez de ser influenciado pela instrução oficial, logo me tornei sensível que, no meu caso, ela servia apenas como um antídoto contra si mesma. Preservei assim meus pensamentos de seguir o caminho comum. Mas uma multidão de reflexões foram despertadas dentro de mim sobre tudo o que via, e estas eu era absolutamente forçado a suprimir. Para se ter uma ideia do que tudo isto me custou, seria necessário ter um conhecimento íntimo da vida em um seminário.
A desconfiança recíproca é a primeira lição ali ensinada; a servilidade é recomendada como o auge da virtude; a espionagem é nobre, tudo é perdoado a quem a pratica, enquanto a maior implacabilidade é demonstrada para com aquele que se atreve a chamá-la de ocupação vil. A doutrina do orgulho também é levada ao seu auge na opinião que o padre é ensinado a formar de sua própria dignidade. É-lhe dito para se considerar não menos superior aos leigos do que o homem é superior ao animal. É-lhe dito que ele não deve ser familiar com o povo; que deve manter uma certa distância para ser mais imponente e para inculcar melhor a superioridade da igreja, ou (o que dá no mesmo) do clero. Os estudantes nestes estabelecimentos eclesiásticos, quase todos das classes mais pobres, não se furtam a nenhum sacrifício, porque são sustentados pela esperança de melhorar a sua condição. Sim, tudo o que é procurado, com tal avidez concentrada, sob a aparência deste mecanismo plausível de adoração, é, em pura verdade, uma posição mais ou menos brilhante – um ofício, de fato, pelo qual se pode viver. Tal é a mola mestra desta maquinaria, e ela não falha em manter tudo em movimento. E para dizer a verdade, quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir não pode duvidar que este é o meio empregado para influenciar, modificar, transformar, subordinar ou sufocar, se necessário, opiniões, ideias e sistemas. De modo que a maior parte dos jovens, que são levados pela instrução a admitir estas convicções prontas, e que são incapazes de uma resolução livre e magnânima, facilmente se prestam a certas funções na hierarquia Católica, e cada um trabalha na sua hora marcada e no seu lugar designado, com surpreendente prontidão e regularidade.
Quando os meus olhos começaram a penetrar todas estas combinações e os seus resultados inevitáveis, percebi dentro de mim sintomas de outra revolução. Todo divertimento era insípido para mim; e a minha alma, despertada precocemente e, no entanto, aprisionada num pequeno mundo, um epítome de tudo o que está em agitação no grande mundo, pôs-se a trabalhar secretamente para discutir uma multidão de questões, delicadas na sua natureza e difíceis de resolver. Eu estava numa situação totalmente excepcional. Eu era como uma pessoa que se coloca atrás da cortina durante uma representação teatral e que testemunha o jogo dos fios. Assim, a pompa e a ostentação da religião, as suas festas, liturgias, solenidades e práticas devocionais, inspiravam-me nada menos que repugnância. Mas forçado a submeter-me às circunstâncias, com o meu olhar fixo numa multidão de figuras e nas molas ocultas que as punham em movimento, encolhi-me, pensativamente, para dentro de mim. Direi, no entanto, que, apesar de todas as obrigações que senti serem impostas pela minha situação, nem os sermões na capela, nem a ginástica semanal à qual fui forçado a resignar-me, a fim de ser um dos atores na insípida exibição da missa solene, nem o ato da confissão e os seus certificados mensais, nem toda a coerção imposta pela constante espionagem, operaram da mesma maneira em mim como o fizeram nos outros. Despertaram em mim um sentimento rebelde, em vez de me tornarem dócil para receber a estampa comum.
Sozinho, por assim dizer, entre um grande número de colegas-estudantes, quase desligado deles por causa da minha excentricidade e isolamento, fui compelido a recorrer a qualquer mudança ou ocupação que pudesse arranjar, a fim de tornar a minha situação suportável. Vasculhei todas as obras que se encontravam dentro dos limites das regras prescritas, na esperança de apaziguar a minha sede de conhecimento e, por falta de maiores recursos, a minha mente foi absorvida em raciocínio e reflexão. Estudei profundamente (e esta foi a fonte de muita reprovação para mim) uma Bíblia Latina, dividida em pequenos volumes, um dos quais eu tinha sempre comigo. Enquanto isso, a orquestra entoava os seus hinos, o altar brilhava resplandecente com ouro, o bispo entronizava-se com os seus adornos cênicos; eles ajoelhavam-se, curvavam-se, agitavam os incensários, cantavam, atordoavam os ouvidos e deslumbravam os olhos; enquanto eu, para me desligar, o máximo possível, de toda esta pantomima mecânica, alegremente abandonava o meu lugar no banquete, sempre servido em dias de cerimónia extraordinária, àqueles que estavam bem contentes por tomar o meu lugar; ou seja, a qualquer um daqueles seres tão afeiçoados a estas cerimónias quanto eram estúpidos e gulosos.
Minha antipatia por estas formas materiais de adoração tornou-se geralmente percebida e produziu considerável escândalo. Senti, entretanto, um ardor crescente no estudo dos Profetas e do Novo Testamento, a fim de me familiarizar perfeitamente com o tipo de doutrina e o plano de redenção que eles contêm. Se eu consentia, de tempos em tempos, em fazer um papel nas numerosas exibições que são indispensáveis em toda grande solenidade Católica, eu o fazia com tão má vontade e com uma repugnância tão evidente que os meus colegas-atores ficavam tanto divertidos quanto zangados; tão extremamente susceptíveis são os padres em tudo o que se relaciona com as suas cerimônias.
Tal foi o efeito em mim do evento que relatei; e fui compelido a manter uma luta diária e constante com o desejo que sentia de comunicá-lo. Apesar de toda a minha reserva, contudo, vislumbres involuntários de revelação de tempos em tempos me escapavam, como relâmpagos, e despertavam surpresa e alarme em alguns por quem eu tinha o maior respeito e amor; de modo que eles começaram a olhar para mim como uma anomalia inexplicável, e eu me convenci de que a minha única esperança de segurança era preservar o silêncio mais rigoroso.
XVIII.
Tendo meus estudos terminado, solicitei a ordenação. E agora fui sensibilizado pelos obstáculos que eu tinha que esperar. Observei em todos aqueles que dirigiam o seminário, sem excluir o próprio reitor, uma determinação em impedir o meu progresso. Roguei-lhes que me informassem quais eram os motivos da sua recusa e que dissessem em que a minha conduta lhes havia ofendido. Eles responderam que eu não tinha gosto por cerimônias religiosas e que, consequentemente, eu não tinha vocação para a igreja; que eu lia demais, e que eles não conseguiam me entender. Como persistissem na sua recusa, um cônego de alta posição, que há muito tempo era meu confessor, um homem de caráter singular e complexo, providenciou-me uma apresentação a Grimaldi, arcebispo de Vercelli. Quando lhe representei a deplorável ignorância e a escandalosa imoralidade de muitos dos alunos do seminário, que haviam sido recebidos nas ordens sacras pela influência de certas personagens, e até mesmo por certas senhoras, enquanto aqueles que eram questionados sobre a minha conduta não tinham uma palavra de reprovação a apresentar, ele foi obrigado a entrincheirar-se atrás de um costume que existe de nunca aceitar um candidato que seja oposto pelos seus superiores.
Relato estes detalhes para mostrar que os superiores com quem eu tinha que lidar eram incapazes de compreender o meu caráter. Eles estavam ansiosos por me interditar de entrar no santuário Católico; mas foram incapazes de encontrar um pretexto eficaz. O arcebispo admitiu, por fim, que estava insatisfeito com meras suspeitas, acusações vagas e afirmações gratuitas da dificuldade de averiguar as minhas tendências.
Uma das muitas provas que eu poderia fornecer de que o singular segredo do qual eu era possuidor influenciava todas as minhas visões e dirigia todos os meus procedimentos, é que assim que consegui obter a ordenação, parti para Turim.
Em um dos intervalos da conferência secreta, durante o qual os Jesuítas relaxavam com uma pequena conversa familiar, eu havia ouvido falar do teólogo Guala como um eclesiástico muito útil aos seus planos. Tão logo, então, estive livre para seguir os meus próprios projetos, procurei obter uma apresentação a ele. Ele instrui um grupo seleto de jovens padres, na capital do Piemonte, que ele treina para serem confessores, e ele se conforma, em tudo, com as visões dos Jesuítas, que ele considera como modelos de perfeição. A moralidade dele é a deles.
XIX.
O que mais me impressionou, ao entrar nesta congregação, foi o próprio chefe. De baixa estatura, de grande atividade, com um olhar penetrante, inflexível com os pequenos e maleável com os grandes, eu o via todas as manhãs assediado, tanto em sua residência quanto no confessionário, pelas pessoas mais influentes e distintas de ambos os sexos que a cidade possuía.
Toda semana, em hora marcada, padres, jovens e velhos, apinhavam-se em um vasto salão, e ocorria uma conferência na qual este teólogo e seus colegas, todos diretores espirituais das mais altas famílias, conduziam a discussão de casos de consciência. Quanto a mim, toda a minha atenção estava aplicada a estudar as táticas empregadas para fornecer aos jovens confessores regras não só diferentes, mas absolutamente opostas umas às outras, e para ensiná-los a utilizá-las. Adquiri também a claríssima convicção de que a arte suprema do confessionário é utilizar para a igreja, isto é, para a hierarquia clerical, pecados e crimes de toda espécie. A casuística, como um Proteu, exibia-se incessantemente aos meus olhos sob cores variadas. O salgueiro chorão não é mais flexível do que são estes doutores nos seus princípios de moralidade.
Cada jovem padre estava livre para desempenhar, por sua vez, o papel de confessor e o de penitente. Neste último caso, assumindo o caráter de beato ou libertino, ou representando o papel de estadista, marquês, condessa, ou homem ou mulher das classes mais baixas, ele simulava as paixões e aventuras de todas as idades, sexos e condições. Eu ouvia com particular atenção os mentores, homens idosos de grande experiência, quando corrigiam os aprendizes de confessores; nem uma palavra eu permitia que me escapasse das muitas que revelavam, em todas as suas sinuosidades, contrastes e sutilezas perscrutadoras, todas subservientes a visões de interesse e dominação, a natureza da linguagem que deveriam empregar com as diversas classes da sociedade.
Mas é de uma série de anedotas, de conversas, de palavras soltas em público ou confidencialmente, de manuscritos que só eram confiados a pessoas de confiança, que adquiri a certeza de que os desígnios ocultos dos Jesuítas são executados com o auxílio de uma multidão de aderentes que ignoram totalmente o poder que atua sobre eles, mas que são governados por outros que parecem saber algo sobre isso, mas em diferentes graus.
Este mesmo teólogo, que tinha à sua disposição benefícios pequenos e grandes, desde os mais humildes ofícios até os mitrados, conseguiu, com grande habilidade, apresentar-se à minha escolha quando soube que eu estava engajado na escolha de um confessor. Minha confissão, genuína a princípio, logo se transformou numa espécie de conversa que não tinha relação com ela, como um ato religioso. Ele exigiu, no entanto, que, todo domingo, os padres dos quais era diretor não deixassem de ajoelhar-se diante dele nas horas em que a igreja estava mais cheia: não é difícil adivinhar o motivo de tal exibição.
Ele pouco suspeitava, contudo, que em vez de me estudar, como se propunha, estava me dando amplo e contínuo motivo para o estudo de si mesmo.
Tudo, de fato, havia concorrido para me permitir penetrar gradualmente no sistema que estava em curso. Eu não me deixava impressionar pelas numerosas carruagens que se aglomeravam em torno da sua porta, nem pela assembleia de pessoas de importância e damas da alta sociedade que o esperavam.
Neste lugar, onde os Jesuítas, graças ao seu auxiliar dedicado, treinam o clero de acordo com as suas visões, tive mais sucesso nas minhas pesquisas do que poderia ter esperado. Fui até tão afortunado a ponto de surpreender milagres nos seus próprios germes – de aprender como são elaborados e aperfeiçoados – como são introduzidos em cena e usados como alavanca para o cumprimento de projetos ulteriores.
Eu poderia ter me estabelecido nesta congregação e ter contado, se tivesse escolhido cortejá-lo, com o crédito de um protetor tão poderoso. Ele fez tudo ao seu alcance para me inocular com as suas próprias ideias; mas a charlatanice, que em geral merece apenas desprezo, deve ser mais do que desprezada na igreja. Uma frequência de um ano a este hábil e abastado casuísta foi suficiente para me permitir apreciar não apenas ele mesmo, mas também as suas tropas de adoradores.
Decidi então deixar este lugar, a fim de prosseguir as minhas investigações numa escala maior. Portanto, abstive-me de regressar, com os outros, no final das férias.
XX.
Não ocultarei uma forte tentação que, por um tempo, me desviou do caminho que eu havia traçado para mim mesmo.
Vendo a rápida ascensão de certos indivíduos de habilidades deploráveis, que pareciam desafiar-me como incapaz de rivalizar com eles, estive mais de uma vez a ponto de me servir do segredo dos Jesuítas, como uma espécie de roteiro, para chegar, por um caminho mais curto, a uma posição respeitável na carreira eclesiástica.
Esta tentação não durou muito, embora eu fosse amiúde duramente criticado por meu pai e seus amigos, ora porque me dedicava ao estudo da Bíblia e dos Pais da Igreja (um estudo que, asseguravam-me, seria sem qualquer utilidade imediata ou remota); ora porque eu havia declarado a minha firme determinação de nunca aspirar a qualquer nomeação ou honra de qualquer natureza. Nestas circunstâncias, senti que deveria renunciar ao meu projeto de futura expatriação ou decidir-me a não fugir de qualquer tipo de mortificação. Felizmente para mim, à medida que o meu ardor aumentava para explorar os fundamentos sobre os quais o Catolicismo está construído, os meus olhos foram-se abrindo gradualmente, e discerni mais distintamente em que massa de erros dogmáticos, morais e históricos eu havia sido educado. Isto me levou a concluir que não era apenas uma pequena porção da hierarquia Católica, como eu havia suposto anteriormente, cuja infecção era perigosa, mas a hierarquia inteira em si, que, por suas doutrinas e por seu objetivo, pervertia os preceitos de Cristo e seguia um curso inteiramente repugnante aos Seus ensinamentos. E, em boa verdade, embora a igreja Católica, inscrevendo em seu calendário e no breviário de seus padres os nomes dos doutores dos primeiros seis séculos, os constitua – (estranha ficção!) – as colunas da igreja, declara-os seus órgãos e os adora como seus santos, podemos, no entanto, afirmar corajosamente, quando conhecemos estes Pais mais intimamente do que pelos seus nomes, e quando pesamos os seus escritos, que todos eles, um após o outro, trazem a sua porção de pólvora e a colocam debaixo do edifício do Catolicismo degenerado; e em quantidade tão abundante que há mil vezes mais do que o suficiente para explodir o todo e reduzi-lo a pó.
XXI.
O exame que fiz assim naturalmente me inspirou o desejo de fazer outro, igualmente útil e importante.
Eu desejava saber tudo o que se passava nos outros seminários, nas diferentes confrarias, nos claustros, nas casas dos curas, mas, acima de tudo, nas moradas do clero superior. Assim, não houve trabalho que eu não estivesse disposto a empreender para penetrar todas as molas e todas as combinações pelas quais, mesmo em nossos tempos, embora não seja da mesma maneira que antigamente, a organização Católica pode se vangloriar de ser dotada tanto de uma elasticidade ilimitada, quanto de uma rigidez inflexível que nenhuma outra jamais possuiu, ou talvez jamais possua.
Por esta razão, não lamento os esforços que fiz.
Não podia, no entanto, deixar de perceber que, em consequência da condição social do meu país, eu acabaria por ficar exposto a consequências desagradáveis, caso a menor suspeita fosse levantada quanto à dupla direção das minhas investigações. Julguei necessário, por esta razão, conduzir, sob um véu literário, as minhas pesquisas dogmáticas e históricas e, sobretudo, aquelas que levei para o domínio da religião contemporânea. Sempre tive uma inclinação para a poesia e as belas-artes. Aproveitando, portanto, esta tendência, deixei que se entendesse geralmente que o cultivo das letras era a minha paixão dominante. Este expediente, longe de ser um obstáculo ao trabalho exploratório que eu havia empreendido, forneceu-me, pelo intercâmbio que me proporcionava com pessoas de todas as classes, inúmeras oportunidades de apreciar o progresso das ideias ocultas dos Jesuítas, enquanto eu parecia estar me divertindo com assuntos de importância trivial.
Monges de todas as cores vinham frequentemente e ansiosamente visitar-me, por causa dos sermões que eu lhes ditava. A leitura assídua de todos os tipos tinha tornado esta espécie de improvisação fácil para mim. Estes homens eram de uma franqueza inconcebível e faziam de mim o depositário de tudo o que sabiam. Eram, na sua maioria, homens bons e ingênuos, mas nunca tendo ultrapassado os limites da instrução monástica, eram profundamente ignorantes da verdadeira natureza do sistema pelo qual eram passivamente dominados. Cada um deles, de fato, podia ser considerado, no seu grau, como um compêndio do que se passa no claustro e das doutrinas que ali são ensinadas.
Esforcei-me por familiarizar-me com os métodos prescritos para que se tornassem bons confessores. Alguns dos mais velhos e mais notados pela rigidez no confessionário contaram-me que estranhas concessões são feitas pelos Jesuítas a certas consciências; e a sua raiva às vezes era despertada quando me relatavam os esforços, muitas vezes inúteis, que eram forçados a fazer contra um meio de sedução tão poderoso.
Desta forma, adquiri gradualmente visões mais claras, não apenas sobre o esquema Cristão, mas também sobre aquele enigma não menos misterioso, o propósito do Catolicismo moderno. Vi-o desdobrar-se por graus, e convenci-me de que, tanto no clero secular quanto no regular, e nas classes mais altas e mais baixas da sociedade, uma metamorfose estava a ocorrer de acordo com as visões dos Jesuítas.
Quantas frases da conferência secreta, que me haviam parecido meras ebulições momentâneas e voos de hipérbole utópica totalmente fora de lugar em tempos como os nossos, recorreram vigorosamente à minha memória quando os próprios fatos vieram como comentários sobre elas! Ainda inexperiente na complicação dos assuntos humanos, eu havia considerado por muito tempo como impraticável o modo de ação que os Jesuítas haviam proposto a si mesmos na sua reunião secreta, a fim de obter o domínio tanto sobre o povo quanto sobre a aristocracia, ao colocá-los sob a influência das doutrinas mais opostas. Mas a experiência, adquirida no mundo dos grandes e no mundo dos pequenos, convenceu-me de que eu estava enganado ao classificar este método entre as concepções quiméricas.
XXII.
Tive frequentemente ocasião de apreciar o talento incomparável demonstrado pelos Jesuítas em transformar jovens, mulheres simplórias, domésticas, senhoras devotas e homens idosos em instrumentos para a realização de resultados inesperados. Por menor que seja cada sucesso que obtêm, eles o usam para obter outros ainda maiores. Quantas vezes eles, por meio de tais instrumentos, derrubaram os seus adversários, surpreendidos e atônitos.
Quantos indivíduos, que permaneceram estacionados apesar da sua capacidade, e que testemunhavam com irritação e desgosto a rápida e imerecida ascensão de outros a postos honrosos e lucrativos, vi, por fim, alistarem-se entre os adeptos dos Jesuítas! Este milagre é seguido por outro. Como ninguém gosta de manter uma luta incessante com um inimigo obstinado e vigoroso, a raiva pela qual eram torturados até ao momento em que cederam, torna-se apaziguada; os seus sentimentos secretos de escárnio e ódio desaparecem, e, por fim, eles se tornam zelosos por uma causa que antes lhes inspirava indignação. Assim, o segredo desta sociedade consiste em subjugar, quer por carícias, quer pelo cansaço da resistência inútil quando as carícias falharam, os mais esclarecidos da classe média, e em ameaçá-los nos seus meios de existência.
As classes influentes, sob a persuasão de que os seus interesses não podem estar mais seguros em lado nenhum do que nas mãos dos Jesuítas, colocam-nos ali, pouco suspeitando da habilidade maravilhosa com que transformam os próprios favores que lhes são concedidos em tantas molas para fazer avançar uma causa cujo sucesso seria seguido pela ruína dessas próprias classes.
As seguintes são as condições – poucas, de fato, mas peremptórias – que eles se encarregam de impor em todos os países onde são favorecidos pelo governo.
Insistem que as pessoas se confessem com eles e participem o mais frequentemente possível nas festividades das suas igrejas; que aumentem o número dos seus aderentes, se tornem Filhos de Maria, louvem a ordem sempre e em toda a parte, e não hesitem em nada para lhes serem úteis. É apenas nestes termos que a sua proteção pode ser obtida.
Todos os que conhecem a máscara que era necessário assumir, na França, sob a dinastia caída, para garantir o sucesso em qualquer carreira, não precisam que estas coisas lhes sejam ditas. Além disso, não confessam os próprios apologistas dos Jesuítas que estes últimos sempre possuíram, num grau inconcebível, "a arte de espalhar e de dar crédito às ideias que são subservientes aos seus pontos de vista, e a de compelir os grandes da terra a concorrerem para a execução dos seus projetos." [5]
XXIII.
Foi com grande relutância que me resignei a permanecer num país onde testemunhava o triunfo crescente e diário da dissimulação e da hipocrisia. Se a minha presença não tivesse sido necessária para o meu pai, que seria criminoso abandonar no seu estado de enfermidade quase contínua, eu teria de bom grado feito todos os sacrifícios para escapar ao espetáculo da servidão abjeta a que o clero já estava reduzido, e da qual os leigos começavam a participar. Esperei com um sentimento semelhante ao de sufocamento até que estivesse livre. Assim que ocorreu a morte do meu pai, fiz os preparativos necessários para me expatriar, tomando cuidado, entretanto, para que ninguém suspeitasse das minhas verdadeiras intenções.
Decidi, contudo, despedir-me pela última vez do meu amigo, o cura, e do instrutor dos meus primeiros anos. Cada um deles, tanto mais teimoso quanto ignorava completamente as minhas opiniões, censurou a minha aversão por um avanço na igreja, que era objeto de tamanha ambição fervorosa para os outros. Quando lhes anunciei que, com toda a probabilidade, não me veriam mais, deploraram o que estavam acostumados a chamar de minha obstinação inexplicável.
A singular determinação que tomei atraiu sobre mim, ainda mais do que o meu retiro dos Jesuítas, a censura de inconsistência.
Uma dupla permissão era necessária para a minha partida. Fui a Vercelli, onde me apresentei ao Arcebispo d’Angennes, que me convidou para jantar. Como era necessário algum motivo ostensivo para a minha partida, informei-o de que estava prestes a colocar-me como instrutor em uma família Católica Inglesa. Diante disso, ele me deu, por iniciativa própria, uma carta de recomendação para a polícia, para que não houvesse dificuldade em me concederem um passaporte.
Devo aqui notar, antes de me despedir desta época da minha vida, que, pertencendo eu àquela porção do clero que era reputada liberal, eu teria pagado caro pelos meus princípios se tivesse cometido qualquer indiscrição palpável; pois não há nada naquele infeliz país que seja atacado tão impiedosamente como as novas ideias, sejam elas religiosas ou políticas, particularmente quando são professadas por eclesiásticos. Fui, contudo, suficientemente afortunado para deixar o Piemonte sem ter-me tornado objeto de qualquer perseguição, ou mesmo desaprovação.
XXIV.
Assim que me encontrei na bela terra da Helvécia, as recordações que lhe pertencem inundaram a minha mente. Pensei, na minha ingenuidade, que agora encontraria apenas um estandarte e todos os corações universalmente dedicados à liberdade – a essa liberdade que o Evangelho proclama e consagra, e da qual é a grande carta para a raça humana.
Mas, como já insinuei, uma série de fatos concorreu para abrir os meus olhos rapidamente para um estado de coisas que eu estava longe de antecipar. As explicações dadas na introdução tornam desnecessário que eu entre aqui nos detalhes da minha permanência em Genebra, nos desapontamentos que ali me esperavam, e nas palestras sobre o Plano Secreto dos Jesuítas que tive ocasião de dar a várias pessoas ali. Entre as reflexões sugeridas por estas palestras, há uma que considero digna de nota.
Foi-me observado que o padre de quem já falei, aquele que abriu a conferência com um discurso aos seus colegas, se expressou como quem tem autoridade. Ele evidentemente tomou a dianteira, e todos os outros mostraram muita deferência por ele. As suas expressões e o seu comportamento pareceriam indicar que era ele próprio o restaurador da sociedade oculta, e que a dirigia como chefe motor; pois nem a sua linguagem nem a dos outros davam a menor indicação de que ele estava de alguma forma dependente de quaisquer superiores.
Parece, assim, provável que o presidente da reunião em Chieri fosse o geral dos Jesuítas.
Ora, neste período, o geral da ordem não era outro senão o Padre Fortis, o mesmo que, quando Pio VII concebeu o projeto de introduzir algumas inovações nos artigos das constituições jesuítas, repetiu estas palavras memoráveis: "Sint ut sunt, aut non sint" [Sejam como são, ou não sejam].
É a esta resposta, dirigida pela primeira vez a Clemente XIV pelo Padre Ricci, geral da companhia, que o Arcebispo de Pradt alude, quando, recapitulando as suas ideias sobre esta sociedade invencível, assim se expressa:
"Céus! Que instituição é esta! Já houve alguma tão poderosa entre os homens! Como, de fato, o jesuitismo viveu? Como caiu? Como os Titãs, cedeu apenas aos raios combinados de todos os deuses do Olimpo terrestre. O aspecto da morte diminuiu a sua coragem? Cedeu um passo? Sejamos o que somos, disse, ou não sejamos mais. Isto foi verdadeiramente morrer de pé, como os imperadores, e de acordo com o preceito de um dos mestres do mundo." [6]
Antes de encerrar esta parte da minha história, devo talvez responder a certos escrúpulos.
O duplo caso de consciência a que me refiro está sendo discutido nas conferências eclesiásticas de que já tive ocasião de falar, como meio de formação dos aprendizes do confessionário.
Supondo que alguém saiba, seja por informação privada ou como cúmplice, que existe um complô para incendiar uma cidade, poderá ele, apesar do seu juramento de segredo, dar a informação às autoridades, para que estas possam tomar as medidas preventivas necessárias? Seria lícito ao confessor, que fosse informado do fato, tomar, apesar do sigilo sacramental nos seus lábios, os passos necessários para prevenir tão grande catástrofe?
Supondo que existisse uma conspiração cujo sucesso traria a ruína a um reino, poderia ela, apesar de todos os juramentos imagináveis de segredo, ser revelada por um conspirador, ou pelo próprio confessor? Sim. Ouvi ser estabelecido pelos casuístas mais profundos que, onde o bem geral está em questão, os juramentos não são de modo algum vinculativos em casos como estes.
Ora, além de não estar vinculado por nenhuma promessa, posso afirmar corajosamente que não é um indivíduo que aqui está em jogo, ou uma cidade, ou um reino, mas os interesses muito mais importantes da civilização e do próprio Evangelho, que é o único capaz, pela força da verdade, de transformar esta civilização viciosa e de substituí-la por aquele Reino de Deus cuja vinda invocamos diariamente nas nossas orações Cristãs.
Posso, creio, acrescentar com segurança que não há uma única pessoa colocada em circunstâncias semelhantes às minhas que não teria sido, como eu, impelida pela força de uma multidão de incidentes, cuja sucessão rápida não me deixou um momento para a reflexão. Constrangimento, agitação, indecisão, terror, por sua vez, incitaram e refrearam-me, e me compeliram a agir como um homem cujos olhos estão vendados, e que não sabe para onde está indo. Na verdade, foi impossível para mim agir de outra forma senão como agi; e acrescentarei, para não ocultar nada, que teria sido igualmente impossível para mim depois resistir ao desejo que senti constantemente de investigar tudo o que tivesse a menor conexão com aquelas revelações jesuítas que estavam sempre presentes na minha mente. O que eu sou, intelectual e moralmente, todas as minhas pesquisas e todos os meus trabalhos ulteriores, todos os materiais que possuo – toda a minha vida, em suma, resolve-se no súbito e terrível esclarecimento que tão cedo me atingiu, e que comunicou a todas as minhas energias um impulso irresistível.
Poder-se-ia objetar que seria mais prudente, da minha parte, não provocar, com a publicação deste segredo, ódio irreconciliável e, talvez, até mesmo vingança. Mas não sofri eu os sacrifícios mais dolorosos para me manter livre e independente? Quando o Todo-Poderoso me libertou do único laço que me prendia ao meu país, não o abandonei unicamente com o intuito de tornar público aquilo que me abstive rigorosamente de comunicar até mesmo aos meus amigos mais íntimos, por motivos de prudência e por temores bem fundados? E quando cheguei à Suíça, não passei por visionário quando comecei a anunciar os complôs que os Jesuítas estavam amadurecendo e os perigos que estavam prestes a surgir?
E agora, percebendo, para minha grande surpresa, que, por um lado, uma reação já está ocorrendo, e que, por outro, uma certa classe de interesses, seja por cegueira ou irreflexão, está inclinada a misturar-se com os interesses dos Jesuítas, pouco consciente da natureza dos aliados que procura ou do destino que aguarda todos os que fazem causa comum com eles, sinto mais urgentemente do que nunca que esta publicação me é incumbida.
XXV.
Um fenômeno para o qual estou obrigado a chamar a atenção, porque a sua imensa importância não é suficientemente apreciada, é a aliança, que agora é mais firme do que nunca, entre o alto clero e o jesuitismo. Digo que nem a sua extensão, nem as suas consequências, são suficientemente apreendidas. E, no entanto, quem negará que tem sido a característica do jesuitismo, desde a sua origem até à sua supressão, como atesta Clemente XIV, fomentar continuamente no seio de universidades, parlamentos, corpos clericais e corporações religiosas uma sucessão de descontentamentos, divisões, conflitos e discórdias?
As observações contidas nos seguintes excertos de um panfleto anônimo, publicado em Genebra, parecem-me ter sido suscitadas pelo conhecimento de um Plano Secreto já divulgado naquele lugar.
"Ao nosso redor", diz o autor do panfleto, "longe e perto, na Suíça, na Alemanha, na Inglaterra, e mais particularmente na França, o Catolicismo, que por algum tempo curvou a cabeça sob tempestades políticas e operações de guerra, agora se levanta, mais hostil, mais ameaçador do que nunca, e proclama audaciosamente o seu desígnio de extirpar do seio do Cristianismo o que chama de heresia da Reforma.
"Em particular, uma associação fundada por um cura de Paris, para a conversão de heréticos, sob o título de Congrégation du Sacré Cœur de Marie [Congregação do Sagrado Coração de Maria], obteve a sanção e a concordância de todo o clero Romano. Humilde e obscura na sua origem, ela ascendeu, num espaço de tempo incrivelmente curto, a proporções colossais, ascendendo os seus aderentes agora a 2.000.000. Estes estão disseminados por todos os países do globo e fizeram um voto de cooperar em pessoa e com a bolsa na propagação do Catolicismo. Eles não poupam publicações, nem intrigas, nem dinheiro, nem mesmo milagres, a fim de alcançar o seu fim. A gazeta do Simplon informa-nos que as contribuições dos dois cantões de Valais e Soleure, sozinhas, ascenderam este ano (1842) a quase 900.000 francos franceses. É fácil imaginar o que se poderia fazer com tais recursos, se o dinheiro pudesse criar fé.
"Genebra não poderia deixar de ser um dos pontos mais atraentes para a Congregação, e neste lugar, de fato, ela conta com muitos associados ativos. A rapidez com que a população Católica aumenta diariamente dentro das nossas muralhas é, sem qualquer dúvida, o fruto desta associação, e a imprensa estrangeira já proclama este triunfo.
"Um vento", continua o mesmo panfleto, "soprou de Roma, mesmo sobre aqueles escritores que até agora permaneceram mais indiferentes aos interesses religiosos; é impossível não reconhecer, na malevolente absurdidade destes ataques, que são renovados repetidamente e quase palavra por palavra, o resultado de uma vasta aliança, na qual os atores pagos obedecem, sem talvez estarem conscientes disso, ao instrumento poderoso e oculto que lhes dá a clave, por detrás da cortina dos Alpes."
É, então, um fato reconhecido que existe uma vasta aliança, na qual os atores pagos obedecem, quase inconscientemente, ao instrumento poderoso e oculto que lhes dá a clave, por detrás da cortina dos Alpes; e é até admitido que os muitos ataques a que assistimos, longe de serem o efeito do acaso, são, pelo contrário, evidentemente feitos com vista a certos projetos remotos. Mas quem se preocupa em investigar a natureza destes projetos remotos e os meios que podem ser empregados para realizá-los?
Todos, no entanto, concordam em atribuir aos Jesuítas uma extraordinária influência política. É geralmente admitido que o poder ilimitado, a supremacia absoluta, é o objeto da sua ambição. A sua regra de ação, que "o fim justifica os meios", tornou-se proverbial. E quem duvida que o fim assim procurado seja sempre este mesmo poder e supremacia ilimitados?
Sendo o progresso desta ordem conhecido e reconhecido, seria insensatez não supor que ela se tenha provido abundantemente de isca de todas as descrições, a fim de garantir um número tão imenso de cooperadores de todas as classes e partidos, mesmo aqueles que são os mais opostos por natureza.
E, no entanto, ninguém jamais se apresentou com o intuito de investigar os meios que os Jesuítas estão a empregar tão industriosamente para o cumprimento dos seus fins. É, contudo, fácil de compreender que a vasta e formidável associação, descrita no excerto acima, está destinada a ser empregada como uma poderosa alavanca e a ser dirigida, conforme o tempo permitir, para diferentes pontos.
Se esta Congrégation du Sacré Cœur não se ligasse, em última análise, ao plano que está prestes a ser exposto, poderíamos ter-nos abstido de citar aqui um fragmento dos seus regulamentos, publicado em vários jornais. Mas o Siècle, depois de ter examinado não só as bases sobre as quais se apoia, mas também as suas tendências, define-a com precisão:
"Um governo oculto, organizado de forma hierárquica, para o avanço de uma reação política e religiosa."
Era impossível que os regulamentos desta nova corporação permanecessem secretos por muito tempo; uma vez descobertos, foram logo publicados. Os seguintes estão entre os artigos:
"Não é apenas no seu objeto que a Associação Católica difere da obra do Catolicismo na Europa, mas também no seu modo de existência e nos seus meios de ação. A sua organização hierárquica não será determinada por enquanto. A Divina Providência nos aconselhará nesta matéria!" [7]
"A assembleia geral será o principal instrumento da associação —
"Representaria, em certo grau, a instituição do cardinalato. Serviria de intermediário entre o diretório central e os graus inferiores da hierarquia.
"A maior discrição é recomendada aos membros da Associação Católica, nenhum dos quais jamais revelará, por sua própria autoridade, direta ou indiretamente, a qualquer pessoa, a existência, o fim, ou as regras da associação." [8]
"Como a associação tem absoluta necessidade de recursos pecuniários, de maneira a dar prosseguimento ao seu fim e cumprir o seu objetivo, uma das suas regras fundamentais é a existência de uma assinatura anual, cobrada a cada membro, cujo montante será, a cada ano, fixado pelo capítulo." [9]
"Todo noviço admitido na associação jurará combater até à morte os inimigos da humanidade. O seu dia, a sua hora, serão consagrados ao desenvolvimento da civilização Cristã. Ele jurou ódio eterno ao gênio do mal e prometeu submissão absoluta e sem reservas ao nosso Santo Padre o Papa e aos comandos dos superiores hierárquicos da associação. O diretor, na sua admissão, ejacula: 'Temos mais um soldado.'" [10]
Estas palavras sugeriram as seguintes reflexões a outro jornal: — "Estamos, portanto, avisados. Uma cruzada está organizada; ela tem os seus chefes secretos, o seu propósito declarado, os seus soldados treinados."
O trabalho está, por enquanto, apenas começando, e os chefes da liga consideram-se já suficientemente fortes para se dirigirem ao governo nos termos que uma potência emprega para com outra. O que farão quando a sua força tiver aumentado?
Vejam como o editor do Univers, um jornal conhecido por ser o órgão dos bispos da França, começa uma carta que dirige ao Ministro da Instrução Pública: —
"Este ano, senhor, não terás férias; nem o seu sucessor, no próximo ano, se Deus quiser: pois os Católicos não permitirão nenhuma interrupção à guerra que estão determinados a travar contra a instrução pelo estado." [11]
A mesma carta conclui nestes termos: —
"Se o senhor conhece a hora da nossa derrota ou da nossa degradação, proteja os seus tesouros. Tudo desmorona quando não existirmos mais. Vinte impérios dormem nos túmulos, os quais tinham cavado para nós."
Estou inclinado a crer que a maioria dos escritores que em nosso tempo se propõem a sustentar a causa do Catolicismo deriva a sua inspiração em vários graus do espírito da famosa Companhia.
XXVI.
Para voltar aos planos ocultos que exponho ao público, só me resta suplicar que este assunto não seja examinado levianamente. Ora, para julgá-lo com sagacidade, é necessário algum conhecimento da massa de escritos com que os defensores das instituições monásticas e dos Jesuítas nos têm inundado. Tal curso de leitura não poderia deixar de convencer toda mente sincera de que realmente existe um entendimento secreto para propagar, em um tom devoto e patético, as mais indignas falsidades. De fato, as ordens religiosas querem que acreditemos que, deixando de lado algumas fraquezas inerentes à natureza humana, a sua missão sempre foi de pura beneficência. Todas as calúnias que foram dirigidas contra elas surgiram da heresia e da impiedade, impulsionadas por ciúme e rancor. Consequentemente, se as nações procuram emergir das facções e problemas que as agitam, devem se arrepender de sua ingratidão e retornar aos seus antigos salvadores; "pois", dizem eles, "enquanto o princípio desastroso da livre investigação era desconhecido, e os homens se permitiam ser guiados pelo princípio da autoridade, tudo era harmonia e paz; mas uma vez que o princípio da autoridade infalível foi atacado, o mundo inteiro se tornou o teatro de todos os tipos de males e desordens." Que esforços incríveis eles não fizeram para sustentar esta falsidade gigantesca!
Mesmo uma investigação superficial destas manobras e artifícios dificilmente deixará de manifestar que o motor principal de todo este trabalho maravilhosamente assíduo é um poder que trabalha em segredo, que combina todos os movimentos subordinados, que escolhe e aplica os seus meios de acordo com as circunstâncias; e que não poupa lisonjas nem subornos para alistar no seu serviço aqueles indivíduos, sejam escritores ou homens de ação, que possam ser capazes de auxiliar a obra.
Não oculto de mim tudo o que tenho a temer ao rasgar o véu que foi tão cuidadosamente puxado para ocultar projetos, cuja extensão, creio sinceramente, é desconhecida pela massa dos Jesuítas, bem como pelos bispos, cardeais e o próprio papa. Mas, Deus é minha testemunha de que o motivo que me anima e me sustenta é o desejo de prevenir um erro fomentado e propagado pela política mais maquiavélica, e que acarretaria as mais terríveis calamidades para a sociedade humana.
Submeto a homens de entendimento cultivado, que podem raciocinar e julgar imparcialmente, as conversas secretas que estou prestes a relatar. Especialmente remeto o assunto àqueles que estudaram não só a arte pela qual a teocracia Romana se elevou a um grau tão alto de poder, mas também os escritos, as táticas, os atos e os feitos daquela ordem, que tem sido, desde o seu estabelecimento, a mais subserviente ao seu despotismo. Se os meus leitores se mantiverem livres da influência de um sistema preconcebido e dos preconceitos da sua posição, seja ela qual for, não duvido que discernirão, num exame frio de todo o plano, que ele é impregnado do espírito mais sutil e profundo do jesuitismo.
Não posso, de fato, ter falta de materiais para dissipar toda a incerteza, e estes devo-os ao ardor da investigação de que já falei, e que me incitava constantemente a investigar cada incidente que tivesse a menor relação com aquelas revelações jesuítas que estavam sempre presentes na minha mente. Mas o que mais me surpreendeu foi isto: encontrar em livros e jornais, os órgãos de opiniões conflitantes, não apenas ideias isoladas, mas séries de ideias, intimamente identificadas, tanto no estilo quanto no assunto, com as da reunião, como está prestes a ser descrita; e esta identidade é tão impressionante que me pergunto: Estes livros e artigos não serão obra de indivíduos pertencentes ao núcleo dos iniciados, ou, pelo menos, à liga? Se não esteve no meu poder coletar um número suficiente de fatos para dar ao Plano Secreto que estou publicando um caráter irresistível de autenticidade – pois, afinal de contas, todos sabem que conspirações desta natureza, sendo destinadas a permanecer um mistério, nunca transpiram senão por algum acaso notável; – no entanto, na impossibilidade de cumprir condições que são, de fato, inadmissíveis, não posso deixar escapar o único tipo de provas que, num tal caso, é razoavelmente permitido exigir.
Estas provas serão, então, apresentadas na última parte desta obra, e aqueles leitores que se derem ao trabalho de examiná-las saberão atribuir um valor justo à linguagem que os Jesuítas e os seus apologistas oficiais tomaram emprestada dos verdadeiros defensores do progresso – uma linguagem que eles estão agora a empregar com singular audácia. Será provado por argumentos irrefutáveis que a igualdade civil e política, a liberdade de culto, de educação e de associação, são nas suas mãos armas de guerra, e nada mais.
XXVII.
Foi na época das restaurações de todos os tipos que o jesuitismo também foi restaurado. No período em que a Santa Aliança foi formada, o papa determinou que ele também criaria um baluarte para si mesmo, contra a invasão das novas ideias; ele, portanto, evocou, das profundezas dos seus retiros misteriosos, a mais hábil e empreendedora das ordens, para que, com a sua ajuda, ele pudesse unir e consolidar não só todas as ordens, mas o clero de diferentes países e o episcopado, numa Santa Aliança Teocrática, cujo objetivo seria não menos fatal para o povo do que para os próprios poderes governantes.
"Pio VII", como M. Henrion observa, "finalmente recuperando a sua liberdade em 1814, restaurou as ordens religiosas para uma vida mais ativa. Elas, subsequentemente, enviaram novas ramificações para muitos países, e a árvore venerável, que tinha sido cortada quase até ao chão, lança novos ramos e já está adornada com uma abundância de folhagem, que alegra os olhos dos Cristãos. Na França, a mudança que ocorreu no nosso sistema político no mês de agosto de 1830, tendo consagrado, de forma especial, a liberdade de associação, não há dúvida de que o estado monástico se levantará rapidamente das suas ruínas." [12]
Não haverá estabilidade, segundo o mesmo escritor, não haverá repouso para a sociedade, se ela se recusar novamente a ser dirigida pelas instituições monásticas. Estas naturalmente se enquadrariam sob a liderança do jesuitismo. Como poderia ser de outra forma? Não detém esta ordem nas suas mãos o plano de batalha? Não treina os combatentes? Não os dirige para o ponto a ser atingido? Por que, de outra forma, a educação da vossa juventude foi confiada aos Jesuítas? Por que só eles foram julgados dignos de iniciar o clero na arte da confissão?
"É impossível", continua o seu apologista, "que a Companhia não saiba tomar a sua posição e adaptar-se às exigências do estado atual das coisas, que não saiba, como antigamente, tornar-se popular respondendo às verdadeiras necessidades do período."
Os Jesuítas fazem uma promessa que é muito singular, a de "agir apenas à luz do dia, para que homens suspeitos e ímpios não confundam com intriga os subterfúgios piedosos e os sublimes segredos da humildade." O que, de fato, poderia ser mais excelente do que o trabalho que se propõem a realizar? Extirpar o gênio do mal! Lançar os alicerces da civilização Cristã! Mas isto só deve ser feito sob a condição de que o povo se entregue, atado de pés e mãos, à Companhia de Jesus.
Encontramos no mesmo autor as seguintes reflexões: —
"No mundo moral, o mal nunca se manifesta sem o seu bem acompanhante; e é muito favorável para os Jesuítas que eles tenham sido restaurados em 1814, num período em que o povo, libertado de uma guerra europeia de longa data, permaneceu à mercê de princípios igualmente falsos na religião e na política. A crise veio; e não poderia ser nada menos do que inspiração divina que sugeriu a Pio VII o pensamento de reunir em torno do trono apostólico uma sociedade tão formada para pisar o erro.
"Não foi, contudo, senão em 1823" (uma data para a qual chamo particular atenção) "que o Colégio Romano, que havia passado para outras mãos desde a queda dos Jesuítas, lhes foi restituído pelo Papa Leão XII. Várias cidades na Itália, o Duque de Módena, o Rei da Sardenha e Friburgo na Suíça, também acolheram os membros desta companhia em reavivamento. O Rei de Espanha restituiu-lhes todas as suas propriedades, casas e colégios que não tinham sido vendidos. Na França, abriram estabelecimentos para a instrução pública em St. Acheul, Dôle, Bordeaux, etc. Francisco II recebeu-os na Galícia, onde se dedicaram à instrução nos colégios de Tarnopol, Starzawiz e Janow, e a missões ativas noutros lugares. A companhia possui colégios na Inglaterra também e nos Estados Unidos da América."
M. Henrion, o amigo e confidente dos Jesuítas, sabe, sem dúvida, tão bem quanto qualquer um, qual é o fim que eles se propõem; e numa única linha ele o trai assim: — "É", diz ele, "o aniquilamento de uma dupla classe de princípios de que o povo é vítima – princípios igualmente falsos na religião e na política."
Eles, portanto, querem destruir todas as ideias que a revolução Francesa legou ao mundo; por outras palavras, querem abolir a livre investigação, a fim de acorrentar todas as consciências com as cadeias da autoridade Católica; eles querem derrubar o princípio da liberdade, a fonte de toda a justiça, a fim de reconstruir a tirania de tempos passados.
XXVIII.
Considero importante trazer aqui um fragmento do texto, pouco conhecido, da bula pela qual Pio VII restaurou os Jesuítas em 1814. Este papa, cujo espírito, felizmente para a humanidade, a ascensão de Pio IX baniu do Vaticano, declarou que os Jesuítas eram indispensáveis à segurança do mundo e ao bem-estar das nações, e que consideraria que estaria negligenciando um dos seus deveres mais urgentes se permitisse que a igreja fosse privada por mais tempo da sua ajuda. Ele vai ainda mais longe e declara que só eles são competentes para dirigir os fiéis, o clero inferior e os próprios bispos. Em suma, ele os constitui e consagra como os remadores indispensáveis da Nau misteriosa, título pelo qual os papas estão acostumados a designar a igreja Católica.
E, por fim, para que nada falte a uma apoteose tão extraordinária, Pio VII proclama, em face das nações, que sob a sua orientação a nau do Catolicismo será asseguradamente salva, enquanto sem o seu cuidado e proteção ela deve inevitavelmente naufragar.
Não tínhamos nós, então, razão abundante para afirmar que tudo o que está contido nestas confissões é de imensa importância e exige a mais estrita atenção?
E, no entanto, longe de me ter permitido exagerar, parafraseei de perto as seguintes palavras, extraídas da bula de Pio VII, Sollicitudo omnium ecclesiarum: —
"Nós nos julgaríamos culpados", afirma ali, "de uma ofensa muito grave diante de Deus, se, no meio das muitas necessidades urgentes de que padece o bem-estar público, negligenciássemos trazer para o seu uso o auxílio salutar que Deus, por uma singular providência, colocou em nossas mãos."
E quem ele escolheu para trazer ao bem-estar público este auxílio salutar?
Os Jesuítas!
"Por causa", acrescenta este mesmo papa, "das ondas que continuamente agitam a nau de Pedro, ele se consideraria altamente culpável, se rejeitasse os remadores robustos e experientes que se oferecem a ele para dominar a força destas ondas sempre ameaçadoras."
E a razão simples e significativa que ele dá é esta: —
"Para que ela não seja engolida num naufrágio inevitável."
Notas
1. Alusão a Clemente XIV (Ganganelli).
2. Sic, embora a carta tenha sido datada de 2 de setembro (1824).
3. O Padre Saetti, batendo à minha porta certa manhã, como era seu costume, não a abri imediatamente. "Por que esta demora?", ele me perguntou. Respondi que não pude abrir a porta mais cedo. Ele então me lembrou que, em todas as coisas, a obediência mais pronta é a mais perfeita; que, ao obedecer a Deus, devemos fazer todo sacrifício, até mesmo o de um momento de tempo. "Um dos irmãos", continuou ele, "estava ocupado a escrever, quando alguém bateu à sua porta. Ele havia começado a fazer um 'o', mas não parou para terminá-lo. Abriu a porta e, ao retornar ao seu assento, encontrou o 'o' completado, e todo em ouro! Assim, veja como Deus recompensa quem é obediente." Recebi esta história com uma explosão de riso, com o que ele pareceu muito escandalizado. "O quê!", exclamou ele, com uma expressão alarmada, "o senhor não acredita em milagres?" "Certamente que acredito", respondi eu; "mas este só serve para contar a mulheres velhas."
Isto foi, sem dúvida, repetido ao superior e deu origem, imagino, às observações secretas citadas acima.
4. O Marquês de Saluces, irmão do Conde de Saluces. Eu não o havia nomeado no manuscrito que me foi roubado. Meus saqueadores adicionaram, em sua publicação de Berna, uma indiscrição verbal ao seu roubo efetivo.
5. La Vérité sur les Jésuites, et sur leurs Doctrines, p. 73.
6. De Pradt, On Ancient and Modem Jesuitism, quoted in the pamphlet entitled La Verite sur les Jesuites, p. 271.
7. Cap. V., De l'Organisation hiérarchique, p. 34.
8. Cap. VI, De l'Organisation hiérarchique, p. 37.
9. Cap. VI, De l'Organisation hiérarchique, p. 38.
10. Cap. VI, De l'Organisation hiérarchique, p. 42.
11. Liberté d'Enseignement, carta a M. Villemain, Ministro da Instrução Pública, por L. Veuillot, editor do Univers.
12. Histoire des Ordres religieux. Paris, 1835, vol. ii., p. 125.
Fim da parte 1.
Parte 2. A conferência secreta
Se você quiser ajudar a fortalecer o nosso trabalho, por favor, considere contribuir com qualquer valor:

0 Comentários