Pastores com sabedoria de peruca


A história e a experiência nos ensinam que uma sociedade livre pode, aos poucos, degenerar em uma sociedade totalitária com valores puramente negativos, sem liberdade nem autonomia individual.

Onde quer que isso ocorra, a tendência é sempre descer a níveis mais baixos, até chegar à desumanização, em que o "outro" é estigmatizado de modo a parecer fundamentalmente diferente, "inferior" ou uma ameaça aos demais.

O exemplo mais infame dessa tragédia teve lugar quando um soldado outrora desconhecido chegou ao governo na Alemanha.

De acordo com Stefan Zweig, Hitler conseguiu enganar de modo tão perfeito todos os lados com suas promessas vazias que, quando chegou ao poder, reinou júbilo nos campos mais antagônicos.

Mesmo os judeus não ficaram muito preocupados, iludindo-se com a ideia de que, numa nação em que o direito estava firmemente arraigado, em que, no Parlamento, a maioria estava contra ele e cada cidadão julgava garantidas sua liberdade e igualdade de direitos, Hitler não poderia representar uma ameaça.

Então aconteceu o incêndio do Reichstag, o parlamento desapareceu, a violência reinou nas ruas, de um golpe foi destruído todo o direito na Alemanha.

"Horrorizados, ouvimos que havia campos de concentração em plena paz e que nas casernas tinham sido construídos compartimentos secretos em que pessoas inocentes eram eliminadas sem tribunal ou formalidades."

Muitos, não obstante, se recusavam a acreditar na forma e na velocidade com que seus direitos estavam sendo destruídos porque relutavam em abrir mão de suas vidas, de seus hábitos e rotinas diários.

"Isso só podia ser um surto de uma primeira ira insensata, dizia-se. Algo assim não podia perdurar no século XX. Mas foi apenas o começo." [1]

Onde estavam os cristãos?

O mais surpreendente é que, de acordo com Eric Voegelin, os alemães eram, a esse tempo, um povo essencialmente de Igreja. "Havia apenas uma pequena porcentagem que pertencia a confissões não cristãs e um por cento que eram judeus". [2]

Ele argumenta que, como não havia mais representantes na esfera política que pudessem expressar-se publicamente contra o nacional-socialismo depois da ascensão de Hitler ao poder, devido ao seu estado geral de corrupção moral, restou à Igreja o papel de remanescente na defesa e preservação dos interesses e dignidades do homem.

"Entretanto", Voegelin observa, "a Igreja não podia satisfazer essas demandas... porque eles próprios, leigos e clérigos, também foram participantes dessa corrupção, mesmo que num grau menor que o dos próprios nacional-socialistas. A Igreja foi incapaz de lidar com a situação de uma sociedade desumanizada porque a perda de realidade já acontecera dentro da própria Igreja". [3]

Ele  menciona como um dos exemplos deste declínio espiritual e perda de contato com a realidade uma Confessio Germanica, de 1933, de Ernst Bergmann, professor de filosofia na Universidade de Leipzig, que consistia em três proposições:

"Creio no Deus da religião alemã, o qual se manifesta na natureza, no alto espírito do homem e no poder de meu povo.

"E no Salvador Kristo [com um "K" para parecer mais alemão], que luta pela nobreza da alma humana.

"E na Alemanha, a terra onde uma nova humanidade está sendo forjada." [4]

Este e muitos outros exemplos do alinhamento da Igreja Evangélica com a ideologia nazista estabeleceu um modelo de comportamento social marcado pela indiferença às necessidades daqueles que haviam sido excluídos da esfera teológica de interesses.

A resistência eclesiástica, evangélica e católica, começou apenas quando os interesses institucionais da Igreja foram postos em perigo pelo nacional-socialismo, ao passo que as regras básicas de humanidade não se aplicavam quando o outro era trucidado. [5]

"Hitler pôde ascender ao poder", Voegelin conclui, "porque aqueles mesmos em que o povo acreditava para seu guiamento espiritual disseram-lhes para votar em Hitler e, obedientemente, votaram eles mesmos em Hitler. E porque não havia nenhum órgão espiritual para perceber o problema apresentado pelo nacional-socialismo, o povo não anteviu o que então aconteceria". [6]

Esta falta de empatia e discernimento mortal contribuiu grandemente para a maior tragédia na história recente.

Richard Evans assinala que, durante a aplicação das políticas eugenistas de Hitler, "a exata metade dos pacientes assassinados saiu de instituições gerenciadas pela Igreja Protestante ou Católica, e foi levada para a chacina muitas vezes com a aprovação das pessoas que as administravam". [7]

Não há nada novo sob o sol

À medida que a sombra do totalitarismo paira novamente sobre o mundo, receio que nós, adventistas do sétimo dia, não estejamos em melhor condição espiritual e moral ou tenhamos mais empatia e discernimento do que as Igrejas alemãs dos anos 30.

Governos estão invocando uma emergência sanitária como desculpa para transformar cidadãos em produtos digitais identificáveis, rastreáveis e descartáveis, de modo que burocratas possam administrar a democracia segundo seus caprichos, em vez de serem vítimas de suas restrições.

Como condição para a cidadania, querem nos obrigar a tomar medicamentos que, se fossem eficazes e seguros, não haveria necessidade de torná-los obrigatórios, e, se não são eficazes nem seguros, torná-los obrigatórios é inútil e ilegal.

Mas, ignorando tudo isso, dizemos aos nossos membros que as vacinas são seguras, que é moralmente correto tomá-las, que as vacinas de RNA mensageiro não apresentam nenhum risco para a saúde, e que tomar esses medicamentos é um ato de responsabilidade social e amor ao próximo.

Hoje temos mais controle financeiro do que em qualquer outro momento da história, e a adoção da moeda digital (CBDC) restringirá ainda mais nossa liberdade de ação econômica, pois ela será centralizada e administrada por uma autoridade emissora, ou seja, um banco central, o que significa vigilância e controle absolutos.

Como Doug Casey observou, "Num futuro próximo, tudo o que você fizer, todos os lugares que você for e cada unidade monetária que você gastar serão monitorados de perto". Qualquer pessoa que "andar fora da linha" poderá ter seu dinheiro literalmente desligado, sendo privado do direito de comprar ou vender.

No entanto, ao invés de estimular e orientar nossos membros sobre a necessidade de deixar as grandes cidades, nas quais a vida será muito mais difícil sob essas circunstâncias, dizemos a eles que não há motivo para isso, que é preciso permanecer nas cidades para evangelizá-las, e que deixá-las agora seria precipitado e egoísta.

A necessidade de agir diante das mudanças climáticas se tornou o imperativo moral de nossa época. Mas a agenda verde não é realmente sobre o clima. Trata-se de uma agenda política, cujo objetivo é a centralização do poder, o controle total de cima para baixo.

E como Roma não dorme, o domingo, a marca de autoridade da Igreja, está sendo magistralmente articulado dentro de uma terminologia de bem-estar, como "sustentabilidade", "equidade" e "justiça". O fato de a Laudato si' ser a cartilha da agenda climática diz tudo o que precisamos saber a respeito do movimento.

Não obstante, praticamente ignoramos suas implicações proféticas ou seus efeitos sobre nossas liberdades, apesar da luz que temos sobre o assunto, ao mesmo tempo que encorajamos e apoiamos o engajamento dos adventistas na causa ambiental, sem nenhuma crítica ou questionamento.

Tudo isso sugere fortemente que, da mesma forma que as Igrejas alemãs dos anos 1930, não temos hoje um único órgão eclesiástico que perceba os problemas apresentados por essas tendências nem suas implicações para o povo de Deus no futuro, de maneira a orientar e preparar os membros.

Pelo contrário, aqueles mesmos em que o povo acredita para seu guiamento espiritual estão se alinhando com esses movimentos e encorajando o povo para que façam o mesmo. E porque não há um único órgão da igreja que não tenha perdido o contato com a realidade, o povo é incapaz de antever o que acontecerá.

Certamente, é uma bênção ter pessoas tão esclarecidas e sensatas em posições de liderança nos instruindo sobre como pensar a respeito de eventos importantes!

Conclusão

Há muitas ovelhas que não suspeitam que seus pastores podem, eventualmente, conduzi-las ao matadouro, devido à falta de maturidade espiritual, senso moral e cegueira voluntária.

Isso é ainda mais grave quando se considera o poder de sua influência. Por se relacionarem com suas comunidades em um nível emocional, líderes religiosos estão bem posicionados para convencer seus membros a apoiar políticas e causas com relativa facilidade.

Na Alemanha do nacional-socialismo, a condescendência, conformidade ou ignorância das Igrejas cristãs com relação ao regime contribuiu para selar o destino de um número incalculável de pessoas.

Arriscamos repetir a história quando, na qualidade de líderes religiosos, condicionamos nossos irmãos a violar sua consciência ou agir contrariamente aos princípios e valores que nos distinguem como povo de Deus, seja por omissão, ignorância ou complacência.

Deus deu ao remanescente final uma perspectiva única da história da redenção e a obra de restaurar e proclamar verdades bíblicas há muito esquecidas. Meu apelo é que reconheçamos a importância desse privilégio e sejamos para com Deus aroma de vida para vida, não cheiro de morte para morte.

Notas e referências

1. Stefan Zweig, "Incipit Hitler", Autobiografia: o mundo de ontem: Memórias de um europeu. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, edição digital, sem paginação.

2. Eric Voegelin, Hitler e os Alemães. São Paulo: É Realizações, 2007, p. 208.

3. Ibid., p. 210.

4. Ibid., p. 217.

5. Ibid., p. 211, 220.

6. Ibid., p. 231.

7. Richard J. Evans, O Terceiro Reich em Guerra. São Paulo: Planeta, 2012, p. 123.

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