A luz da liberdade está sendo extinta



"Para que uma sociedade seja livre, seu governo precisa ser controlado". Assim Ayn Rand, romancista e filósofa russo-americana, sintetizou a condição indispensável para a existência de uma sociedade na qual o indivíduo é reconhecido como um cidadão de direito, ao passo que um funcionário público é obrigado a agir segundo os atos oficiais do governo. "Um indivíduo pode fazer qualquer coisa, exceto o que é legalmente proibido; um funcionário do governo não pode fazer nada além do que é legalmente permitido".

Assinalando que a natureza das leis próprias de uma sociedade livre e a fonte da autoridade de seu governo devem ser derivadas da natureza e do objetivo de um governo adequado, ela observa que o princípio básico de ambos é indicado na Declaração de Independência dos Estados Unidos: "para garantir esses direitos [individuais], os governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados...".

A autora esclarece oportunamente esse ponto: [1]

A fonte de autoridade do governo é o 'consentimento dos governados'. Isso significa que o governo não é o governante, mas o servo ou agente dos cidadãos; que o governo, como tal, não tem direitos, exceto os direitos delegados a ele pelos cidadãos para uma finalidade específica.

Ela lembra que, na história, a compreensão do bom funcionamento do governo é uma conquista muito recente, e que o sistema americano de freios e contrapesos representa exatamente essa conquista; "a conquista incomparável" do "conceito de constituição como um meio de limitar e restringir o poder do governo".

A Declaração dos Direitos afirma que os direitos do povo, e, particularmente, do indivíduo, não derivam do Estado, mas são de origem natural e divina. A Declaração não concede direitos ao povo; apenas os reconhece, ao passo que limita os poderes do governo, restringindo as ações daqueles que ocupam cargos públicos.

No entanto, a Carta de proteção dos cidadãos contra o governo nunca esteve tão ameaçada em face do esforço conjunto que tem sido feito para suprimi-la, à medida que o poder do Estado aumenta, como observei em um artigo recente. As palavras de Ayn Rand a esse respeito merecem ser citadas, tendo em perspectiva a atual crise: [2]

Agora considere a extensão da inversão moral e política na visão predominante do governo de hoje. Em vez de ser um protetor dos direitos do homem, o governo está se tornando seu violador mais perigoso; em vez de salvaguardar a liberdade, o governo está estabelecendo a escravidão; em vez de proteger os homens dos instigadores da força física, o governo está introduzindo a força física e a coerção indiscriminadamente e sob o pretexto que desejar; em vez de servir como instrumento de objetividade nas relações humanas, o governo está criando um reino mortal e subterrâneo de incerteza e medo, por meio de leis não objetivas cuja interpretação é deixada às decisões arbitrárias de burocratas aleatórios; em vez de proteger os homens de danos por capricho, o governo está arrogando para si o poder do capricho ilimitado - de modo que estamos nos aproximando rapidamente do estágio da inversão final: o estágio em que o governo é livre para fazer o que bem entender, enquanto os cidadãos podem agir apenas com permissão; que é o estágio dos períodos mais sombrios da história humana, o estágio do governo pela força bruta.

Essa inversão moral e política nunca foi tão evidente como na aplicação excessivamente zelosa das políticas de quarentena e das atuais medidas que visam regular as condições de circulação, distanciamento social, reuniões públicas, transações comerciais e uso dos espaços públicos, além das políticas de vigilância e rastreamento, censura de informações, etc., em resposta ao surto do novo coronavírus.

Diante desses fatos e da nova realidade que desponta - o mundo pós-lockdown das "bolhas sociais" criadas por um Estado mais forte e mais onipresente -, somos forçados a admitir que já chegamos ao "estágio da inversão final: o estágio em que o governo é livre para fazer o que bem entender, enquanto os cidadãos podem agir apenas com permissão".

Mudança de paradigma: da luz da liberdade à escuridão distópica


Conforme entramos em uma era de crescente instabilidade e incerteza, presenciamos os direitos essenciais que dependem da limitação e restrição constitucionais dos poderes do governo sendo sistematicamente comprometidos em nome da segurança pública.

Não é meu propósito aqui discutir se as respostas governamentais à Covid-19 são justificáveis ou não, mas destacar o quanto essas decisões políticas têm servido de pretexto a um processo totalitário.

No início de abril, o secretário de Estado, Mike Pompeu, alertou que as autocracias usarão a crise "para se tornarem mais agressivas, negarem às pessoas seus direitos" e "mentirem mais". Ele estava se referindo a regimes como o da China, mas algo semelhante tem acontecido em países com longa tradição democrática.

Na França, durante a quarentena, os cidadãos que necessitassem sair de casa deveriam portar um formulário de autorização, expedido pelo governo, com a indicação de uma ou mais das sete opções previstas. As autoridades francesas enfatizaram que o tempo de permanência fora de casa deveria ser restrito a uma vez por dia e nunca ultrapassar uma hora para determinadas tarefas, como passear com o cachorro ou fazer alguma atividade física individual. E para garantir que as pessoas cumprissem as regras, policiais foram mobilizados para vigiar ruas e estradas.

No Reino Unido, o governo pretende expedir passaportes de imunidade para britânicos que já contraíram e se recuperaram do vírus, uma condição para que retornem à vida econômica. Em Bedfordshire, a Central Community Team, que representa a polícia local, tuitou a seguinte mensagem: "Se você acha que indo a um piquenique em um local rural ninguém o encontrará, não se surpreenda se um policial aparecer das sombras! Estamos cobrindo todo o condado".


No momento em que escrevo, o governo italiano anunciou um programa de recrutamento de 60 mil pessoas, especialmente entre os desempregados, para monitorar as atividades de seus concidadãos e garantir que estejam cumprindo as políticas de distanciamento social. Chamadas de "assistentes cívicos", elas denunciarão infrações ao uso de máscaras faciais e a outras regras pós-lockdown prescritas pelo Estado.

Seguindo a política de países como Cingapura, Índia e Tunísia, a União Europeia planeja usar robôs e drones equipados com câmeras infravermelhas para patrulhar os turistas e aplicar as regras de distanciamento social durante a temporada de verão.


Robô da Boston Dynamics patrulhando um parque em Cingapura.
O futuro distópico dos romances do gênero deixou o domínio da ficção para se tornar realidade.

Os Estados Unidos têm sido palco de um sem número de casos perturbadores, dos quais convém citar aqueles que me parecem mais representativos.

A polícia de Bellevue, em Washington, usou um aplicativo de utilidade pública para transformar vizinhos em informantes do governo, pedindo aos moradores que denunciassem violações da ordem de "ficar em casa".

Em Los Angeles, o prefeito chegou a anunciar que a cidade recompensaria aqueles dispostos a denunciar violadores das medidas emergenciais, com a Associated Press informando que algumas pessoas estavam felizes, até entusiasmadas em delatar seus vizinhos.

Em Louisville, Kentucky, um juiz ordenou que as pessoas que ignorassem as ordens de ficar em casa deveriam usar tornozeleiras com GPS.

Em Rhode Island, a polícia estadual montou bloqueios visando veículos com placas do estado de Nova York, epicentro da pandemia, enquanto a Guarda Nacional foi mobilizada para ir de porta em porta à procura de cidadãos procedentes daquele estado.

Em Baltimore, Maryland, a Guarda Nacional foi acionada para impor o toque de recolher devido à Covid-19, e em Chicago, o prefeito ameaçou prender pessoas que violassem as ordens de permanecer em casa.

A polícia de Detroit foi autorizada a usar aviões e câmeras de vigilância para punir com multa de US$ 1.000,00 e até seis meses de detenção pessoas que não observassem o distanciamento social.

Em Brighton, Colorado, um pai foi preso em um parque por jogar Tee-ball com sua esposa e filha de 6 anos porque não observou o distanciamento social.

Visando dar às autoridades americanas o poder de deter indefinidamente seus cidadãos durante uma emergência, o Departamento de Justiça pediu discretamente ao Congresso a competência de solicitar aos juízes a detenção de pessoas por tempo indeterminado sem julgamento durante emergências - o que o Politico descreveu como "parte de um impulso por novos poderes que surgem à medida que o novo coronavírus se espalha pelos Estados Unidos".

Além disso, o Senado votou para conceder às autoridades policiais acesso a dados de navegação na web sem um mandado, e para dar ao procurador-geral William Barr a prerrogativa de examinar o histórico de navegação na web de qualquer americano - incluindo jornalistas, políticos e rivais políticos - sem um mandado, apenas sob a justificativa de que é relevante para uma investigação.

George Orwell deve estar se revirando no túmulo!

Um prenúncio de tempos difíceis


Ao dar aos governos novos poderes invasivos de vigilância e coleta de dados, a pandemia revelou quão subitamente os valores democráticos e as liberdades civis podem se tornar mera retórica política e, o mais das vezes, uma cobertura apropriada para o poder e o controle sem limites.


Mapa mundial do reconhecimento facial (clique na imagem para ampliá-la).
As regiões em verde indicam onde a tecnologia está sendo empregada.
Crédito: Visual Capitalist.

Um artigo publicado no site da Forbes observou (note as palavras):

[O] uso em massa de sensores conectados deixa claro que a pandemia de coronavírus está - intencionalmente ou não - sendo usada como um teste para novas tecnologias de vigilância que podem ameaçar a privacidade e as liberdades civis. Portanto, além de ser uma crise de saúde global, o coronavírus tornou-se efetivamente um experimento sobre como monitorar e controlar pessoas em grande escala.
Em breve, um número significativo de países aproveitará a tecnologia inteligente para monitorar o tráfego de veículos e pedestres, verificar se estamos observando regras de distanciamento social e rastrear nossos contatos. E após a pandemia, essa tecnologia pode acabar sendo usada para monitorar e investigar o comportamento humano em geral. Escusado será dizer que aqueles que estão monitorando e investigando podem nem sempre ter nossos melhores interesses em estima.

Usar uma crise como um experimento para monitorar e controlar pessoas não é o que se esperaria de um "governo do povo, pelo povo e para o povo".

Em uma recente entrevista, o controverso Edward Snowden expressou preocupações semelhantes:

Parece que [o coronavírus] pode ser a maior questão da era moderna em torno das liberdades civis, em torno do direito à privacidade. No entanto, ninguém está fazendo essa pergunta. À medida que o autoritarismo se espalha, à medida que as leis de emergência proliferam, à medida que sacrificamos nossos direitos, também sacrificamos nossa capacidade de deter a queda em direção a um mundo menos liberal e menos livre. Você realmente acredita que quando a primeira onda, essa segunda onda, a 16ª onda do coronavírus for uma memória esquecida há muito tempo, esses recursos não serão mantidos? Que esses conjuntos de dados não serão mantidos? Não importa como está sendo usado, o que está sendo construído é a arquitetura da opressão.

A menção à "queda em direção a um mundo menos liberal e menos livre" é particularmente significativa. Embora devamos defender um mundo mais liberal (economicamente falando) e mais livre, sabemos pela Palavra de Deus que as condições nos últimos dias não favorecerão nem uma coisa nem outra.

Por certo, a besta marítima - símbolo do poder papal - não receberá "autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação" (Apocalipse 13:7) nem tampouco a exercerá em um contexto verdadeiramente democrático. Da mesma forma, a imposição de "certa marca sobre a mão direita ou sobre a fronte", condição essencial para que os assinalados tenham vida econômica (13:16-17), não pode ocorrer sob um sistema que reconhece a liberdade de consciência e a liberdade de expressão da forma como são consagradas pela Declaração dos Direitos.

No entanto, o mais surpreendente é que as massas adorarão entusiasticamente este poder, e, sob a sedução extraordinária da segunda besta - a América protestante - cederão facilmente suas liberdades ao erigir "uma imagem" à primeira besta (Apocalipse 13:14)! Ora, a imagem da besta nada mais é do que o autoritarismo de Roma papal como modelo para os Estados Unidos.

Esta faceta do comportamento humano antecipada na profecia pode ser vista, ainda que em proporção menor, na crise global provocada pela Covid-19, na medida em que, para muitos, a liberdade se tornou menos importante do que a segurança.

Ao comentar sobre a resposta da polícia ao coronavírus em uma entrevista ao programa World at One, da BBC Radio 4, Jonathan Sumption, ex-juiz da Suprema Corte britânica, disse o seguinte:

O verdadeiro problema é que, quando as sociedades humanas perdem sua liberdade, geralmente não é porque os tiranos a tomaram. Geralmente é porque as pessoas renunciam voluntariamente à sua liberdade em troca de proteção contra alguma ameaça externa. E a ameaça geralmente é uma ameaça real, mas comumente exagerada. É isso que eu temo que estejamos vendo agora. A pressão sobre os políticos veio do público. Eles querem ação. Eles não param para perguntar se a ação funcionará. Eles não se perguntam se vale a pena pagar o custo.

Referindo-se às políticas pouco transparentes da guerra ao terror, Nicholas Hagger identificou o mesmo comportamento, ao observar: [3]

Nós abrimos mão de liberdades com grande satisfação em troca de segurança. Se um governo mundial for capaz de garantir nossa segurança, então será bem-vindo. Se ele for capaz de colocar sob um escudo protetor três quartos do mundo contra o truculento um quarto e desenraizar seu terrorismo por um período de tempo, transformando o mundo todo em um lugar mais seguro, então cooperaremos com ele.

Pense nas implicações proféticas destas declarações!

Ao advertir sobre a crise dominical iminente, Ellen G. White escreveu:

Os dignitários da Igreja e do Estado unir-se-ão para subornar, persuadir ou forçar todas as classes a honrar o domingo. A falta de autoridade divina será suprida por legislação opressiva. A corrupção política está destruindo o amor à justiça e a consideração para com a verdade; e mesmo na livre América do Norte, governantes e legisladores, a fim de conseguir o favor do público, cederão ao pedido popular de uma lei que imponha a observância do domingo. A liberdade de consciência, obtida a tão elevado preço de sacrifício, não mais será respeitada. No conflito prestes a se desencadear, veremos exemplificadas as palavras do profeta: 'O dragão irou-se contra a mulher, e foi fazer guerra ao resto da sua semente, os que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de Jesus Cristo.' Apocalipse 12:17.

Você acredita realmente que mesmo os democratas mais convictos não renunciarão às suas convicções quando os clamores do povo forem suficientemente claros e sonoros?

Não é exagero dizer que estamos testemunhando a luz da liberdade sendo extinta em nome do "bem comum". Nada disso, porém, deveria nos surpreender, pois a Bíblia declara que o mundo caminhará precisamente nesta direção. Não tenho dúvida de que chegou o tempo para se realizar uma reforma completa entre o povo de Deus, sem a qual não seremos capazes de enfrentar as provas, dificuldades e tribulações ainda por vir.

Notas e referências


1. Ayn Rand, Capitalism: The Unknown Ideal. New York: The New American Library, 1967, p. 331 e 332.

2. Ibid., p. 336.

3. Nicholas Hagger, A Corporação: A História Secreta do Século XX e o Início do Governo Mundial do Futuro. São Paulo: Cultrix, 2009, p. 247 e 248.

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