[Revisado em 2 de julho de 2024]
Isso significa que o poder representado na profecia aspira a uma posição única de nação escolhida e ungida pela Providência para redimir o mundo caído.
De fato, o mito americano da excepcionalidade, segundo o qual os Estados Unidos não são apenas um país entre outros, mas, sobretudo, "um centro irradiador e condutor da humanidade, com valores superiores próprios, predestinado geograficamente, um povo eleito pela Providência Divina e com direito à Terra Prometida" (1), cumpre com notável exatidão a revelação profética concernente às pretensões messiânicas deste país.
Os signatários pediam a unificação dessas duas religiões em uma causa missionária comum, para que "todos os povos se reúnam na fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador". O documento reconhecia a separação entre Igreja e Estado, mas "da mesma forma, protestamos energicamente contra qualquer distorção que possa vir a separar a religião da vida pública [...]. O argumento, cada vez mais evocado por setores da nossa cultura política, de que a religião deve ser excluída da praça pública deve ser visto como uma agressão aos mais elementares princípios da governança democrática". Para os signatários do ECT, a religião "tem lugar privilegiado e basilar em nossa ordem legal" e é necessário defender "as verdades morais de nossa ordem constitucional".
Além de Neuhaus e Colson, o documento foi endossado por John Cardinal O'Connor, de Nova York, um dos mais poderosos líderes católicos dos Estados Unidos, bem como pelo reverendo Pat Robertson e por Michael Novak, do conservador American Enterprise Institute. O manifesto demorou anos para ficar pronto e iria ajudar em muito a unificação do movimento conservador que tornou possível a ascensão de George W. Bush ao poder. Os signatários do ECT
Apesar do forte idealismo que permeia o discurso de protestantes e católicos dedicados em derrubar o muro de separação entre igreja e estado na América, o espírito subjacente às suas medidas revela um discurso completamente diferente.
À luz de tudo o que foi exposto aqui, podemos estar certos de que uma lei dominical nacional (e, posteriormente, supranacional), como resultado da união entre igreja e estado, está deixando rapidamente de ser uma possibilidade para se tornar um fato histórico irrevogável, em cumprimento à palavra profética.
1. Tatiana Teixeira. Os Think Tanks e sua influência na política externa dos EUA. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 66.
2. Ibid., p. 64.
3. Ibid., p. 57 e 58.
4. Citado em A.S. Mello, A Verdade sobre as Profecias do Apocalipse. São Paulo, 1959, p. 379.
5. Proceedings of the National Convention to secure the Religious Amendment of the Constitution of the United States. New York: John Polhemus, 1873, p. 5.
6. The NRA (National Reform Association) and the Christian Amendment. Ver Artigo II da Constituição da NRA.
7. Proceedings of the National Convention, p. 9.
8. Proceedings of the National Convention to secure the Religious Amendment ot the Constitution of the United States. Philadelphia: The Christian Statesman Association, 1874, p. 71.
9. Jonathan Edwards, in National Reform Convention, New York, 26 e 27 de fevereiro de 1873. Transcrito aqui.
10. Citado em The American Papacy, p. 2.
11. Citado em Origin of the National Reform Association, p. 2.
12. Jeremy Scahill. Blackwater: A Ascensão do Exército Mercenário mais Poderoso do Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 91 a 93.
13. Marvin Moore. Apocalipse 13: Leis dominicais, Boicotes econômicos, Decretos de morte, Perseguição religiosa - Isso realmente poderia acontecer? Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 209.
14. Paulo José dos Reis Pereira, A Influência da Religiosidade sobre as Políticas Públicas no Governo Bush. Em Uma Nação com Alma de Igreja: Religiosidade e Políticas Públicas nos EUA. São Paulo: Paz e Terra, 2009, p. 222.
15. Ibid., p. 229.
16. Jimmy Carter. Nossos Valores em Risco: A Crise Moral dos EUA. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 51.
17. Thomas Babington Macaulay. Critical and Historical Essays. Vol. 1. London: Everyman's Library, [1907], p. 310.
18. James Madison, Memorial and Remonstrance against Religious Assessments. [c.a. 20 june] 1785.
De fato, o mito americano da excepcionalidade, segundo o qual os Estados Unidos não são apenas um país entre outros, mas, sobretudo, "um centro irradiador e condutor da humanidade, com valores superiores próprios, predestinado geograficamente, um povo eleito pela Providência Divina e com direito à Terra Prometida" (1), cumpre com notável exatidão a revelação profética concernente às pretensões messiânicas deste país.
Ora, é justamente essa peculiaridade que torna possível um poder como os Estados Unidos assumir um discurso totalitário.
A própria ideia do excepcionalismo americano, como observa Tatiana Teixeira, passa pelo fato de que se trata de um país de muitos paradoxos - um país que, entre outras ambiguidades, oscila entre ser progressista e extremamente moralista, que assume valores particulares como sendo universais, em que princípios morais e religiosos são tidos como princípios políticos. (2) Teixeira esclarece esse ponto ao transcrever as palavras de Seymour M. Lipset: (3)
Essa análise perceptiva do excepcionalismo americano, que se fortaleceu no século XIX e definiu a identidade nacional, explica como esta nação pode realmente falar como dragão. A separação formal entre igreja e estado através da Primeira Emenda da Constituição americana enfrenta, com efeito, uma situação real marcada por esse excepcionalismo utópico, em que os interesses religiosos frequentemente se confundem com os interesses políticos, não obstante as garantias constitucionais de liberdade civil e religiosa.
Como Roy A. Anderson lembra, a própria liberdade dos Estados Unidos torna possível que organizações estranhas à liberdade minem seus princípios. O "muro de separação" tem sofrido constantes ataques oriundos de vozes intolerantes que desde algum tempo tem tomado vulto entre organizações religiosas que deveriam protegê-lo. Elas clamam por uma união da igreja e do estado com o objetivo de promover uma reforma moral da sociedade. Reformas morais como políticas públicas representam, evidentemente, uma ameaça à liberdade de consciência.
Quando igreja e estado avançam os limites de sua jurisdição, a liberdade pode desaparecer de um momento para outro.
Tanto a união da igreja e do estado, como a supremacia da igreja sobre o estado representam ameaças reais à Constituição americana, a qual garante, entre outros direitos, a liberdade de consciência. Ameaças dessa natureza, contudo, podem começar com propostas de mudanças aparentemente inofensivas, motivadas muitas vezes por sentimentos legítimos em face de desafios reais, e que visam o bem-estar social. Podemos estar certos de que tais propostas, a despeito de suas boas intenções, são os primeiros sinais de que a liberdade está em perigo.
O apóstolo Paulo escreveu, sob inspiração divina, que "onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade" (II Coríntios 3:17). Podemos inferir desse texto sagrado que o oposto também é verdadeiro; onde está o espírito naturalmente egoísta do homem, aí não há liberdade, mas intolerância. E o espírito que deseja liberdade para si, e não necessariamente para os outros, parece ter encontrado muito cedo um lugar proeminente nas igrejas protestantes da América.
Em 1803, Samuel B. Wylie, doutor em teologia, comparava em um sermão os autores daquele documento (a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América) aos loucos mencionados nos Salmos, que no seu coração dizem: "Não há Deus". Oito anos depois, o Dr. Samuel Austin declarava o fato de a Constituição desse país não se envolver com a religião "a falha capital" nesse documento, a qual inevitavelmente acarretaria a queda da nação.
Em 1812, o presidente Dwight, do Yale College, lamentava em um sermão a falta de se haver deixado de reconhecer a Deus na Constituição, dizendo: "Sob o atual regime começamos a nossa existência nacional sem Deus". Em 1819, o Dr. Duffiel declarava a Constituição "absolutamente ateísta".
Em 1859, o professor J.H. McIlvaine deplorava em um artigo publicado no Princeton Review que "o efeito prático da Constituição" fosse "a neutralidade do governo perante todas as religiões", mostrando-se muito desgostoso por "não poder-se empregar a menor influência do governo pró ou contra alguma forma de fé religiosa". (4)
Não é preciso muito esforço de imaginação para perceber que tais argumentos aparentemente razoáveis, uma vez adotados, abririam precedentes perigosos que comprometeriam irremediavelmente as leis que protegem os cidadãos da influência nefasta de um estado teocrático.
Os norte-americanos são moralistas utópicos, que se esforçam para institucionalizar a virtude, destruir os maus e eliminar as instituições e políticas malignas [...]. Tendem a considerar os dramas sociais e políticos como obras moralizantes, como batalhas entre Deus e o diabo [...]. Os Estados Unidos raramente consideram que estão apenas defendendo seus interesses nacionais. Os conflitos com o estrangeiro invariavelmente entranham uma batalha do Bem contra o Mal. [...] Os Estados Unidos não vão se aliar com Satanás. Se as circunstâncias os obrigam a cooperar com regimes perversos, então os transformam em agentes da virtude [...]. A política moralista e de movimento continuou sendo importante nas últimas décadas do século XX. Tanto conservadores como liberais veem seus adversários internos como defensores de medidas políticas imorais [...]. Os norte-americanos, tanto de esquerda como de direita, mostraram uma propensão sectária - causada por seu protestantismo - por iniciar cruzadas [...] os que rejeitam os valores norte-americanos estão no mau caminho, são antiamericanos e seus direitos podem ser negados.
Essa análise perceptiva do excepcionalismo americano, que se fortaleceu no século XIX e definiu a identidade nacional, explica como esta nação pode realmente falar como dragão. A separação formal entre igreja e estado através da Primeira Emenda da Constituição americana enfrenta, com efeito, uma situação real marcada por esse excepcionalismo utópico, em que os interesses religiosos frequentemente se confundem com os interesses políticos, não obstante as garantias constitucionais de liberdade civil e religiosa.
Como Roy A. Anderson lembra, a própria liberdade dos Estados Unidos torna possível que organizações estranhas à liberdade minem seus princípios. O "muro de separação" tem sofrido constantes ataques oriundos de vozes intolerantes que desde algum tempo tem tomado vulto entre organizações religiosas que deveriam protegê-lo. Elas clamam por uma união da igreja e do estado com o objetivo de promover uma reforma moral da sociedade. Reformas morais como políticas públicas representam, evidentemente, uma ameaça à liberdade de consciência.
Quando igreja e estado avançam os limites de sua jurisdição, a liberdade pode desaparecer de um momento para outro.
Um começo difícil para a liberdade
Tanto a união da igreja e do estado, como a supremacia da igreja sobre o estado representam ameaças reais à Constituição americana, a qual garante, entre outros direitos, a liberdade de consciência. Ameaças dessa natureza, contudo, podem começar com propostas de mudanças aparentemente inofensivas, motivadas muitas vezes por sentimentos legítimos em face de desafios reais, e que visam o bem-estar social. Podemos estar certos de que tais propostas, a despeito de suas boas intenções, são os primeiros sinais de que a liberdade está em perigo.
O apóstolo Paulo escreveu, sob inspiração divina, que "onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade" (II Coríntios 3:17). Podemos inferir desse texto sagrado que o oposto também é verdadeiro; onde está o espírito naturalmente egoísta do homem, aí não há liberdade, mas intolerância. E o espírito que deseja liberdade para si, e não necessariamente para os outros, parece ter encontrado muito cedo um lugar proeminente nas igrejas protestantes da América.
Em 1803, Samuel B. Wylie, doutor em teologia, comparava em um sermão os autores daquele documento (a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América) aos loucos mencionados nos Salmos, que no seu coração dizem: "Não há Deus". Oito anos depois, o Dr. Samuel Austin declarava o fato de a Constituição desse país não se envolver com a religião "a falha capital" nesse documento, a qual inevitavelmente acarretaria a queda da nação.
Em 1812, o presidente Dwight, do Yale College, lamentava em um sermão a falta de se haver deixado de reconhecer a Deus na Constituição, dizendo: "Sob o atual regime começamos a nossa existência nacional sem Deus". Em 1819, o Dr. Duffiel declarava a Constituição "absolutamente ateísta".
Em 1859, o professor J.H. McIlvaine deplorava em um artigo publicado no Princeton Review que "o efeito prático da Constituição" fosse "a neutralidade do governo perante todas as religiões", mostrando-se muito desgostoso por "não poder-se empregar a menor influência do governo pró ou contra alguma forma de fé religiosa". (4)
Não é preciso muito esforço de imaginação para perceber que tais argumentos aparentemente razoáveis, uma vez adotados, abririam precedentes perigosos que comprometeriam irremediavelmente as leis que protegem os cidadãos da influência nefasta de um estado teocrático.
Propostas para alterar a Constituição
Em 1863, uma convenção que reuniu onze denominações protestantes em Xenia, Ohio, chegou a um acordo sobre a proposta de uma emenda à Constituição que anularia a separação entre a Igreja e o Estado garantida pela cláusula do não-estabelecimento. Seus proponentes consideravam "uma questão de interesse fundamental para a vida e prosperidade, e continuidade de nossa Nação que sua Constituição seja alterada de modo a expressar plenamente o caráter nacional cristão". (5)
A National Reform Association, formada em 1864 pelos partidários dessa proposta, declarava no artigo II de sua constituição: (6)
Semelhante proposta pareceria inofensiva e até mesmo razoável à primeira vista se considerássemos apenas as seguintes palavras: (7)
Todavia, o espírito por trás dessa proposta e o perigo que ela representa à liberdade de consciência torna-se mais manifesto quando consideramos outras declarações feitas na época por seus defensores: (8) (9)
A determinação protestante em torno de uma proposta de emenda constitucional que, se aprovada, anularia a distinção entre igreja e estado, pode ser mais precisamente avaliada na seguinte declaração de um editorial do Christian Statesman (órgão oficial da National Reform Association), em seu número de 11 de dezembro de 1884: (10)
Um "inimigo" comum contra o qual lutar pode fazer com que inimigos tradicionais se tornem grandes aliados. O que se poderia esperar se uma mudança de viés religioso na Constituição americana tivesse sido aprovada na ocasião, eliminado consequentemente a proteção garantida pela Primeira Emenda? Deixemos que as palavras do Dr. David McAllister proferidas durante a Convenção da National Reform em Lakeside, Ohio, em agosto de 1887, respondam a essa pergunta: (11)
A afirmação de McAllister soa como um prenúncio do que está para vir. A tentativa de uma emenda constitucional proposta pela National Reform Association fracassou, mas o espírito que a motivou continua vivo, especialmente com o crescimento espantoso do catolicismo na América.
O consenso entre grupos religiosos cristãos, principalmente conservadores, com o objetivo de transformar suas crenças em políticas públicas parece ser uma constante na história americana desde o século XIX. Organizações como a National Reform Association, a International Reform Federation, a Lord's Day Alliance e a National Association of Evangelicals são exemplos representativos desse fenômeno.
A magnitude da iniciativa protestante de se imiscuir em questões políticas para fazer valer suas próprias crenças no nível social não pode ser subestimada, principalmente quando consideramos que protestantes e católicos estão se unindo em torno do mesmo fim. Tomemos o relato do jornalista Jeremy Scahill como um exemplo instrutivo dessa tendência. (12)
Em sua obra Blackwater, Scahill menciona Charles Colson, figura emblemática na conspiração de Watergate durante o governo Nixon. Em um discurso no Calvin College em 2002 sobre seu programa prisional baseado na fé, Colson falou muito sobre alicerces históricos e a necessidade de uma aliança política e religiosa entre católicos e evangélicos. Na ocasião, discorreu sobre o trabalho, iniciado em meados de 1980, que estava realizando, entre outros, com o padre Richard Neuhaus, famoso ministro evangélico conservador convertido ao catolicismo, com o propósito de formar um movimento unificado. O trabalho em questão levou, em 1994, ao controverso documento "Evangélicos e católicos juntos: a missão cristã no Terceiro Milênio".
Conhecido como ECT, o documento dizia o seguinte:
O objetivo desta Sociedade será manter as características cristãs existentes no governo americano, promover as reformas necessárias na ação do governo em relação ao sábado [domingo], à instituição da família, ao elemento religioso na educação, ao juramento e à moralidade pública, conforme afetada pelo tráfico de bebidas alcoólicas e outros males semelhantes; e assegurar uma emenda à Constituição dos Estados Unidos que declare a fidelidade da nação a Jesus Cristo e sua aceitação das leis morais da religião cristã e, assim, indique que esta é uma nação cristã. e coloque todas as leis, instituições e costumes cristãos de nosso governo em uma base legal inegável na lei fundamental do país.
Semelhante proposta pareceria inofensiva e até mesmo razoável à primeira vista se considerássemos apenas as seguintes palavras: (7)
O caráter moral de um governo tem uma poderosa influência reflexa sobre o caráter moral do povo. Isso é sentido especialmente em um governo popular, no qual as pessoas têm contato constante com ele, estudam sua história, admiram suas disposições e bebem profundamente de seu espírito. Um governo irreligioso gera um povo irreligioso. É de se lamentar que, em uma Constituição tão universalmente e tão justamente admirada, amada e estudada pelo povo americano, não haja nada que leve a mente da nação a Deus, que inculque reverência pela autoridade de Seu Filho ou respeito por Sua palavra.
Todavia, o espírito por trás dessa proposta e o perigo que ela representa à liberdade de consciência torna-se mais manifesto quando consideramos outras declarações feitas na época por seus defensores: (8) (9)
As leis constitucionais punem dinheiro, pesos e medidas falsos e, é claro, o Congresso estabelece um padrão para dinheiro, pesos e medidas. Portanto, o Congresso deve estabelecer um padrão de religião ou admitir qualquer coisa chamada religião, como já fez com a Comunidade Oneida em Nova York, os Mórmons em Utah e a Joss House na Califórnia.
Queremos Estado e religião, e vamos tê-los. Na medida em que os assuntos do Estado exigirem religião, esta será a religião - a religião de Jesus Cristo. O juramento cristão e a moralidade cristã terão nesta terra 'uma base legal inegável'. Usamos a palavra religião em seu sentido próprio, como significando a relação pessoal de fé e obediência de um homem a Deus.
A determinação protestante em torno de uma proposta de emenda constitucional que, se aprovada, anularia a distinção entre igreja e estado, pode ser mais precisamente avaliada na seguinte declaração de um editorial do Christian Statesman (órgão oficial da National Reform Association), em seu número de 11 de dezembro de 1884: (10)
Sempre que eles [os católicos-romanos] estiverem dispostos a cooperar na resistência ao avanço do ateísmo político, alegremente uniremos nossas mãos com a deles.
Um "inimigo" comum contra o qual lutar pode fazer com que inimigos tradicionais se tornem grandes aliados. O que se poderia esperar se uma mudança de viés religioso na Constituição americana tivesse sido aprovada na ocasião, eliminado consequentemente a proteção garantida pela Primeira Emenda? Deixemos que as palavras do Dr. David McAllister proferidas durante a Convenção da National Reform em Lakeside, Ohio, em agosto de 1887, respondam a essa pergunta: (11)
Aqueles que se opõem a este trabalho agora descobrirão, quando a emenda religiosa for inserida na Constituição, que se não acharem adequado se alinharem com a maioria, deverão suportar as consequências ou procurar uma época mais agradável.
A afirmação de McAllister soa como um prenúncio do que está para vir. A tentativa de uma emenda constitucional proposta pela National Reform Association fracassou, mas o espírito que a motivou continua vivo, especialmente com o crescimento espantoso do catolicismo na América.
A liberdade em perigo
O consenso entre grupos religiosos cristãos, principalmente conservadores, com o objetivo de transformar suas crenças em políticas públicas parece ser uma constante na história americana desde o século XIX. Organizações como a National Reform Association, a International Reform Federation, a Lord's Day Alliance e a National Association of Evangelicals são exemplos representativos desse fenômeno.
A magnitude da iniciativa protestante de se imiscuir em questões políticas para fazer valer suas próprias crenças no nível social não pode ser subestimada, principalmente quando consideramos que protestantes e católicos estão se unindo em torno do mesmo fim. Tomemos o relato do jornalista Jeremy Scahill como um exemplo instrutivo dessa tendência. (12)
Em sua obra Blackwater, Scahill menciona Charles Colson, figura emblemática na conspiração de Watergate durante o governo Nixon. Em um discurso no Calvin College em 2002 sobre seu programa prisional baseado na fé, Colson falou muito sobre alicerces históricos e a necessidade de uma aliança política e religiosa entre católicos e evangélicos. Na ocasião, discorreu sobre o trabalho, iniciado em meados de 1980, que estava realizando, entre outros, com o padre Richard Neuhaus, famoso ministro evangélico conservador convertido ao catolicismo, com o propósito de formar um movimento unificado. O trabalho em questão levou, em 1994, ao controverso documento "Evangélicos e católicos juntos: a missão cristã no Terceiro Milênio".
Conhecido como ECT, o documento dizia o seguinte:
O século que agora chega ao fim foi o de maior expansão missionária da história do cristianismo. Acreditamos e rezamos para isto, que essa expansão tenha preparado o caminho para um empenho missionário ainda maior no primeiro século do Terceiro Milênio. No cristianismo mundial, as duas comunidades mais incisivas do ponto de vista evangélico, e também as que crescem com maior rapidez, são a dos evangélicos e a dos católicos.
Os signatários pediam a unificação dessas duas religiões em uma causa missionária comum, para que "todos os povos se reúnam na fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador". O documento reconhecia a separação entre Igreja e Estado, mas "da mesma forma, protestamos energicamente contra qualquer distorção que possa vir a separar a religião da vida pública [...]. O argumento, cada vez mais evocado por setores da nossa cultura política, de que a religião deve ser excluída da praça pública deve ser visto como uma agressão aos mais elementares princípios da governança democrática". Para os signatários do ECT, a religião "tem lugar privilegiado e basilar em nossa ordem legal" e é necessário defender "as verdades morais de nossa ordem constitucional".
Além de Neuhaus e Colson, o documento foi endossado por John Cardinal O'Connor, de Nova York, um dos mais poderosos líderes católicos dos Estados Unidos, bem como pelo reverendo Pat Robertson e por Michael Novak, do conservador American Enterprise Institute. O manifesto demorou anos para ficar pronto e iria ajudar em muito a unificação do movimento conservador que tornou possível a ascensão de George W. Bush ao poder. Os signatários do ECT
não haviam forjado apenas uma histórica aliança política e teológica. Tinham também fornecido uma visão do futuro político e religioso dos Estados Unidos. Seria um futuro religioso no qual a sustentação da ortodoxia teológica e do tradicionalismo moral superaria desacordos doutrinários. E seria um futuro político no qual os cristãos mais ortodoxos e tradicionalistas determinariam o tom e a agenda política para a nação.
A ditadura da maioria
Qual, afinal, o problema em ter uma nação mais cristã, especialmente em face da decadência moral e institucional que tem caracterizado o nosso século e cujos resultados são amplamente reconhecidos? O problema diz respeito a uma mudança de dimensão social por meio de uma ação coercitiva.
A reforma compulsória da sociedade resulta inevitavelmente em intolerância para com aqueles que discordam dessa ideia. Além disso, é algo incompatível com a Grande Comissão instituída por nosso Salvador. A esse respeito, Marvin Moore observa perceptivamente: (13)
Agora, levando-se em conta a representatividade numérica de protestantes e católicos na sociedade americana, fica claro que a garantia de liberdade às minorias religiosas que não concordam com suas reivindicações pode estar comprometida em virtude da pressão política exercida no governo por esses grupos majoritários.
A imoralidade era excessiva no Império Romano durante o 1º século de nossa era, incluindo a homossexualidade e o infanticídio (a matança de bebês indesejados). Mas em nenhuma parte do Novo Testamento os apóstolos sugeriram que os cristãos deviam tentar reformar a sociedade ou redimir o Império Romano, mudando suas leis de forma a refletir valores bíblicos. A igreja cristã primitiva não buscava a conversão da sociedade. Eles buscavam a conversão de indivíduos. Eventualmente os valores cristãos acabaram reformando a sociedade romana, mas só como resultado de trezentos anos de luta dos cristãos para converter indivíduos, um pagão de cada vez.
Agora, levando-se em conta a representatividade numérica de protestantes e católicos na sociedade americana, fica claro que a garantia de liberdade às minorias religiosas que não concordam com suas reivindicações pode estar comprometida em virtude da pressão política exercida no governo por esses grupos majoritários.
A propósito dessa representatividade e suas implicações, Paulo José dos Reis Pereira escreve: (14)
Entre as organizações conservadoras atuantes na América, a Coalizão Cristã, criada por Pat Robertson no fim dos anos 1980, é uma das mais representativas, "um fenômeno político, com 1,7 milhão de membros e 1.700 escritórios locais de base por todo o país. Sua capacidade de coordenação com outros grupos políticos de direita, tanto no nível local quanto no nível nacional, colocam-na em um patamar de poder razoável que dispõe de um dos maiores lobbies no Senado Federal". (15)
Conquanto sua trajetória em direção ao poder não seja linear, a influência desses grupos cristãos conservadores na política americana é crescente e não pode ser negada ou ignorada. O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter escreveu: (16)
A intolerância religiosa institucionalizada resulta da remoção intencional da base jurídica que assegura a liberdade de consciência e protege os grupos minoritários. A motivação por trás dessa política é resumida com propriedade por Thomas Macaulay: (17)
Em seu célebre "Memorial e Protesto contra a Tributação Religiosa", dirigido à Assembleia Geral da Virgínia em 1785, James Madison declarou: (18)
Organizações protestantes como a Convenção Batista do Sul, com mais de 16 milhões de membros e mais de 43 mil congregações, bem como católicas, como a Igreja Católica Romana, com mais de 69 milhões de membros e mais de 18 mil congregações, fazem a religião cristã, em quantidade absolutamente maior do que qualquer outra designação, ter uma grande possibilidade de se imiscuir na sociedade promovendo valores e práticas.
Entre as organizações conservadoras atuantes na América, a Coalizão Cristã, criada por Pat Robertson no fim dos anos 1980, é uma das mais representativas, "um fenômeno político, com 1,7 milhão de membros e 1.700 escritórios locais de base por todo o país. Sua capacidade de coordenação com outros grupos políticos de direita, tanto no nível local quanto no nível nacional, colocam-na em um patamar de poder razoável que dispõe de um dos maiores lobbies no Senado Federal". (15)
Conquanto sua trajetória em direção ao poder não seja linear, a influência desses grupos cristãos conservadores na política americana é crescente e não pode ser negada ou ignorada. O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter escreveu: (16)
Há uma ampla, clara e imperdoável cruzada sendo cuidadosamente articulada em ambos os lados para fundir os cristãos fundamentalistas com a ala direita do Partido Republicano. Embora possa ser considerada como desejável por alguns norte-americanos, esta fusão entre Igreja e Estado é bastante preocupante para os que sempre acreditaram nessa separação como um de nossos valores morais.
Conclusão
A intolerância religiosa institucionalizada resulta da remoção intencional da base jurídica que assegura a liberdade de consciência e protege os grupos minoritários. A motivação por trás dessa política é resumida com propriedade por Thomas Macaulay: (17)
A doutrina que, desde a primeira origem das dissensões religiosas, tem sido defendida por todos os fanáticos de todas as seitas, quando condensada em poucas palavras e despida de disfarces retóricos, é simplesmente esta: Eu estou certo e você está errado. Quando você é o mais forte, deve me tolerar, pois é seu dever tolerar a verdade. Mas quando eu for o mais forte, eu o perseguirei, pois é meu dever perseguir o erro.
Em seu célebre "Memorial e Protesto contra a Tributação Religiosa", dirigido à Assembleia Geral da Virgínia em 1785, James Madison declarou: (18)
Consideramos uma verdade fundamental e inegável 'que a religião ou o dever que temos para com nosso Criador e a maneira de cumpri-lo só podem ser orientados pela razão e pela convicção, e não pela força ou pela violência'. A religião de cada homem deve ser deixada à convicção e à consciência de cada homem; e é direito de cada homem exercê-la conforme essas convicções ditarem...É apropriado ficarmos alarmados com o primeiro experimento em nossas liberdades.... Quem não vê que a mesma autoridade que pode estabelecer o cristianismo, excluindo todas as outras religiões, pode estabelecer com a mesma facilidade qualquer seita particular de cristãos, excluindo todas as outras seitas? [...]A experiência testifica que o estabelecimento de uma igreja oficial, em vez de manter a pureza e a eficácia da religião, têm tido um efeito contrário. Durante quase quinze séculos, o estabelecimento legal do cristianismo esteve em julgamento. Quais foram seus frutos? Mais ou menos em todos os lugares, orgulho e indolência no clero, ignorância e servilismo nos leigos, em ambos, superstição, fanatismo e perseguição.
Apesar do forte idealismo que permeia o discurso de protestantes e católicos dedicados em derrubar o muro de separação entre igreja e estado na América, o espírito subjacente às suas medidas revela um discurso completamente diferente.
À luz de tudo o que foi exposto aqui, podemos estar certos de que uma lei dominical nacional (e, posteriormente, supranacional), como resultado da união entre igreja e estado, está deixando rapidamente de ser uma possibilidade para se tornar um fato histórico irrevogável, em cumprimento à palavra profética.
Notas e referências
1. Tatiana Teixeira. Os Think Tanks e sua influência na política externa dos EUA. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 66.
2. Ibid., p. 64.
3. Ibid., p. 57 e 58.
4. Citado em A.S. Mello, A Verdade sobre as Profecias do Apocalipse. São Paulo, 1959, p. 379.
5. Proceedings of the National Convention to secure the Religious Amendment of the Constitution of the United States. New York: John Polhemus, 1873, p. 5.
6. The NRA (National Reform Association) and the Christian Amendment. Ver Artigo II da Constituição da NRA.
7. Proceedings of the National Convention, p. 9.
8. Proceedings of the National Convention to secure the Religious Amendment ot the Constitution of the United States. Philadelphia: The Christian Statesman Association, 1874, p. 71.
9. Jonathan Edwards, in National Reform Convention, New York, 26 e 27 de fevereiro de 1873. Transcrito aqui.
10. Citado em The American Papacy, p. 2.
11. Citado em Origin of the National Reform Association, p. 2.
12. Jeremy Scahill. Blackwater: A Ascensão do Exército Mercenário mais Poderoso do Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 91 a 93.
13. Marvin Moore. Apocalipse 13: Leis dominicais, Boicotes econômicos, Decretos de morte, Perseguição religiosa - Isso realmente poderia acontecer? Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013, p. 209.
14. Paulo José dos Reis Pereira, A Influência da Religiosidade sobre as Políticas Públicas no Governo Bush. Em Uma Nação com Alma de Igreja: Religiosidade e Políticas Públicas nos EUA. São Paulo: Paz e Terra, 2009, p. 222.
15. Ibid., p. 229.
16. Jimmy Carter. Nossos Valores em Risco: A Crise Moral dos EUA. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 51.
17. Thomas Babington Macaulay. Critical and Historical Essays. Vol. 1. London: Everyman's Library, [1907], p. 310.
18. James Madison, Memorial and Remonstrance against Religious Assessments. [c.a. 20 june] 1785.
Se você gostou desta postagem e quer apoiar o nosso trabalho, não esqueça de divulgá-la em suas redes sociais. Você também pode contribuir com este ministério clicando no botão abaixo. Sua doação permitirá que o evangelho eterno alcance muito mais pessoas em todo o mundo, para honra e glória de nosso Senhor Jesus. Que Deus o abençoe ricamente!
0 Comentários