Uma história para não esquecer



"Os que se esquecem do passado estão condenados a repeti-lo". Esta famosa frase é particularmente verdadeira no que se refere à história eclesiástica.

Ao nos lançarmos à tarefa de compreender o significado bíblico e os antecedentes históricos da marca da besta, somos também desafiados a refletir sobre nossa própria condição como povo de Deus hoje.

A apostasia é uma ameaça constante para todos aqueles que desejam seguir a Cristo e cumprir Sua vontade. No nível institucional, trata-se de um fenômeno que, passo a passo, corrói a identidade da igreja de Deus e, consequentemente, compromete sua missão no mundo. Não há perigo maior contra o qual precisamos estar alertas.

Em sua oração intercessora pelos discípulos, nosso Salvador rogou ao Pai que os livrasse do mal (João 17:15). Jesus estava então próximo de completar Seu ministério terrestre, e a igreja deveria permanecer no mundo em virtude de sua divina missão. Ao mesmo tempo, estaria exposta a todo tipo de influência corruptora e, por isso, Jesus orou para que o Pai a preservasse do poder do Maligno.

A oração de Cristo reveste-se de especial importância em função do quase onipresente "espírito da época", ou seja, da cosmovisão dominante que busca aplicar a tudo e a todos seus padrões de percepção e conhecimento vistos como universalmente válidos. Esse é um dos principais motivos porque Cristo orou pela unidade da igreja; não pelo espírito de unidade, mas pela unidade no Espírito e na Palavra (leia João 17).

A cosmovisão hegemônica no tempo da igreja cristã primitiva provinha do paganismo, cuja mentalidade era rígida e estreita demais para compreender a pessoa humana e suprir suas reais necessidades. Apenas o evangelho de Cristo podia satisfazer ambas as coisas, e a missão da igreja consistia em proclamar esta mensagem libertadora ao mundo, iluminada e dirigida pelo Espírito Santo.

Em meio aos sucessos materiais da igreja, não parecia tão evidente a muitos de seus membros a urgente necessidade de avaliar continuamente sua unidade com Cristo, a fim de que a oração do Mestre para livrá-los do mal pudesse cumprir-se plenamente. Se tal proteção não fosse alcançada, a igreja estaria à mercê das forças desmoralizantes de seu tempo.

Pedro advertiu os cristãos de que haveria entre eles "falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou" (II Pedro 2:1). Em consequência da obra desses falsos mestres, "muitos seguirão as suas práticas libertinas, e, por causa deles, será infamado o caminho da verdade" (verso 2).

Note que as palavras inspiradas de Pedro assinalam que as heresias são dissimuladamente introduzidas entre os membros (ver II Timóteo 3:5), e, como resultado de aceitá-las, há um relaxamento moral e uma perda espiritual que trazem descrédito à igreja de Deus.

Muitas das corrupções pagãs foram de tal modo incorporadas pelo cristianismo, que seus promotores realmente não imaginavam que suas concessões pudessem mais tarde degenerar "em tão vasto e hediondo sistema de superstição e erro, como é o Papado". (1) Isso é especialmente verdadeiro no que tange à substituição do sábado pelo domingo como dia de guarda - uma transferência que não foi formal, mas gradual e aceita quase inconscientemente. (2)

Ora, não parecia razoável que, assim como os pagãos celebravam o nascimento do seu deus, os cristãos celebrassem também o nascimento de Cristo? Se a grande missão da igreja era alcançar um mundo paganizado, por que não fazê-lo cristianizando um dia que os pagãos reconheciam como seu? Não eram estas boas maneiras de dirimir os preconceitos contra o cristianismo e torná-lo mais atrativo aos gentios?

As concessões e transferências às quais a igreja cedeu revelam como os costumes dos pagãos recém-convertidos estavam profundamente enraizados. Muitos estavam acostumados com a pompa e magnificência do paganismo e deleitavam-se com os festivais em homenagem aos seus deuses, de maneira que a simplicidade e a moral cristãs lhes pareciam pouco atraentes.

Assim, para harmonizar o cristianismo com as "necessidades percebidas" dos pagãos e viabilizar as conversões, revestiu-se a religião cristã com cerimônias mais esplêndidas para que a pompa destes ornamentos pudesse torná-la mais ilustre e recomendável. (3) Os líderes transformaram os ritos pagãos em solenidades cristãs, e, em nome dos mais nobres ideais, abriram as portas para que a influência mundana agisse livremente no seio da igreja.

Durante o período de paz e favorecimentos ao cristianismo, esse fenômeno se intensificou; quando a igreja de perseguida passou à dominadora, "ingressaram nela uma multidão de pagãos, nem sempre com íntima convicção [...], pelo que se corromperam os costumes cristãos, e a sociedade conservou na nova religião os vícios da antiga". (4) A magnitude dessa tragédia dificilmente pode ser exagerada.

Estaríamos hoje como cristãos trilhando o mesmo caminho que levou a igreja primitiva a perder o seu primeiro amor? No âmago de nossas motivações e estratégias, não estariam escondidos os mesmos sentimentos não santificados? Em nome de cumprir a comissão evangélica, não estaríamos aderindo, passo a passo, ao espírito de unidade mundano, em lugar de aderir à unidade no Espírito e na Palavra?

Jesus Cristo declara enfaticamente:

Se vós fosseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes Eu vos escolhi do mundo, por isso é o que o mundo vos aborrece. (João 15:19)
Ai de vós quando todos os homens de vós disserem bem, porque assim faziam seus pais aos falsos profetas. (Lucas 6:26)

"A conformidade aos costumes mundanos", diz Ellen G. White, "converte a igreja ao mundo; jamais converte o mundo a Cristo. A familiaridade com o pecado inevitavelmente o fará parecer menos repelente. Aquele que prefere associar-se aos servos de Satanás, logo deixará de temer o senhor deles. Quando, no caminho do dever, somos levados à prova, como o foi Daniel na corte do rei, podemos estar certos de que Deus nos protegerá; mas se nos colocarmos sob tentação, mais cedo ou mais tarde cairemos." (5)

Notas e referências


1. John Dowling. The History of Romanism. New York: Edward Walker, 1853, p. 65.

2. Citado em The Advent Review and Sabbath Herald. Takoma Park, Washington, D.C.: Review and Herald Publishing Association, Vol. 93, Nº 12, March 6, 1916, p. 3.

3. A.H. Lewis. A Critical History of Sunday Legislation from 321 to 1888 A.D. New York: D. Appleton and Company, 1888, p. 16 e 17.

4. Cesare Cantú. História Universal. Tomo II. Madrid: Gaspar y Roig, 1864, p. 757 e 758.

5. Ellen G. White. O Grande Conflito, 19ª ed. Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1978, p. 509.

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