Antecedentes históricos das leis dominicais



"Pelo que o direito se retirou, e a justiça se pôs de longe; porque a verdade anda tropeçando pelas praças, e a retidão não pode entrar. Sim, a verdade sumiu, e quem se desvia do mal é tratado como presa. O Senhor viu isso e desaprovou o não haver justiça." (Isaías 59:14-15)

O ato de substituir os estatutos divinos de liberdade e justiça por leis que refletem os desígnios egoístas do homem resulta inevitavelmente em intolerância, opressão e violência.

Ellen G. White observa que

O acesso da Igreja de Roma ao poder assinalou o início da escura Idade Média. Aumentando o seu poderio, mais se adensavam as trevas. De Cristo, o verdadeiro fundamento, transferiu-se a fé para o papa de Roma. Em vez de confiar no Filho de Deus para o perdão dos pecados e para a salvação eterna, o povo olhava para os sacerdotes e prelados a quem delegava autoridade. Ensinava-se-lhe ser o papa seu mediador terrestre, e que ninguém poderia aproximar-se de Deus senão por seu intermédio; e mais ainda, que ele ficava para eles em lugar de Deus e deveria, portanto, ser implicitamente obedecido. Esquivar-se de suas disposições era motivo suficiente para se infligir a mais severa punição ao corpo e alma dos delinquentes. Assim, a mente do povo desviava-se de Deus para homens falíveis e cruéis, e mais ainda, para o próprio príncipe das trevas que por meio deles exercia o seu poder. O pecado se disfarça sob o manto de santidade. Quando as Escrituras são suprimidas e o homem vem a considerar-se supremo, só podemos esperar fraudes, engano e aviltante iniquidade. Com a elevação das leis e tradições humanas, tornou-se manifesta a corrupção que sempre resulta de se pôr de lado a lei de Deus. (1)

Prosseguindo em nossa investigação sobre a marca da besta, este artigo analisa os eventos históricos de interesse profético que tornaram possível à Igreja de Roma exercer um poder dominante por vários séculos, e que lhe permitiram decretar leis dominicais de modo a garantir a preservação dessa autoridade. Posteriormente, considerar-se-á algumas das leis dominicais civis e eclesiásticas mais representativas desse período até a época da queda do poder temporal da Igreja e o início da sociedade laica.

O período profético de supremacia papal


Daniel 7:25 revela que o papado, o sujeito histórico representado na profecia por um chifre pequeno, "magoará os santos do Altíssimo". Estes "lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade de um tempo". Paralelamente, Apocalipse 13:5 informa que a obra blasfema desse poder, representado aqui por uma besta marítima, continuaria por 42 meses. O texto diz: "Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse".

O período de tempo mencionado nesses textos aparece na Bíblia mais cinco vezes:

  • "um tempo, dois tempos e metade de um tempo" (Daniel 12:7);
  • "um tempo, tempos e metade de um tempo" (Apocalipse 12:14);
  • "quarenta e dois meses" (Apocalipse 11:2);
  • "mil duzentos e sessenta dias" (Apocalipse 11:3 e 12:6).
Assim, as Escrituras apresentam o mesmo período profético de três maneiras distintas:

  1. Três tempos e meio ou três anos e meio x 360 dias = 1.260 dias (considerando que os meses na Bíblia têm 30 dias cada, conforme Gênesis 7:11; 8:4; 7:24).
  2. 42 meses x 30 dias = 1.260 dias.
  3. 1.260 dias
Partindo do princípio de que em profecia simbólica um dia representa um ano (Números 14:34; Ezequiel 4:4-7), segue-se que os 1.260 dias proféticos correspondem a 1.260 anos literais. Há pelo menos três razões bíblicas para isso:

  1. As visões são simbólicas e, portanto, os tempos indicados também o são.
  2. As visões abrangem longos períodos da história. Se os tempos especificados forem interpretados literalmente, a mensagem perde o sentido original.
  3. O modo pouco comum em que os períodos de tempo profético são apresentados indica que devem ser simbolicamente entendidos e interpretados segundo o princípio bíblico do dia/ano.
O seguinte quadro reúne as profecias dos 1.260 dias/anos. Note que elas se referem ao mesmo evento histórico, diferenciando-se somente quanto às perspectivas apresentadas:




Período de hegemonia e perseguição


Durante o tempo em que este poder religioso apóstata exerceu seu domínio, a "cidade santa", símbolo do povo de Deus, foi espezinhada, ou seja, sistematicamente perseguida e quase exterminada, não fosse a Providência tê-la protegido e fortalecido em regiões relativamente despovoadas como os vales montanhosos dos Alpes e a América do Norte (regiões apropriadamente simbolizadas pela figura do "deserto").

Ao longo desse mesmo período, a Palavra de Deus (o Antigo e Novo Testamentos, as "duas testemunhas", conforme Zacarias 4:1-6 e 11-14) desempenhou seu ministério sob as condições mais adversas. Por isso, a profecia diz que as duas testemunhas "profetizam vestidas de pano de saco".

No entanto, tudo isso aconteceu somente depois que o dragão deu à besta marítima "o seu poder, o seu trono e grande autoridade" (Apocalipse 13:2). Este é um detalhe importante. O vidente de Patmos não deixa dúvidas sobre como esse poder passou a usar suas novas prerrogativas: "Foi-lhe dado uma boca que proferia arrogâncias e blasfêmias e autoridade para agir quarenta e dois meses... Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse" (Apocalipse 13:5, 7).

É precisamente este evento - a transferência do poder, trono e autoridade do dragão para a besta marítima - que marca o início do período profético mencionado em Daniel e Apocalipse. O dragão representa, em última instância, "a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás" (Apocalipse 12:9), mas foi especialmente por intermédio de Roma pagã que o inimigo de Deus logrou êxito contra a verdade.

O poder que a besta recebeu se refere ao prestígio religioso e político da cidade de Roma, chamada também de Cidade Eterna e Cidade Santa; o trono diz respeito à dignidade de que se revestiu e que anteriormente pertencia aos imperadores romanos; e a autoridade da qual se beneficiou foi produto dos favorecimentos que obteve do império romano a partir do século IV.

O processo de aquisição do poder papal


Já vimos como o imperador Constantino havia favorecido a Igreja cristã (sobre isso, clique aqui). Em 330 d.C., ele deixou Roma para fundar Constantinopla, a nova capital. Esse evento marca o início da desintegração do império, permitindo à Igreja obter o poder, o trono e a autoridade de Roma. A Encyclopedia of Catholicism informa que, quando o poder secular do Império Romano foi transferido de Roma para Constantinopla, a Igreja emergiu como a mais sólida e respeitável instituição internacional do Ocidente. (2) H.G. Wells declara:

Enquanto o império oriental de língua grega se mantinha unido, conservando o imperador o domínio sobre a igreja, a metade latina do império ruiu, deixando a igreja ocidental livre de qualquer controle imperial. Além disso, enquanto a autoridade eclesiástica no império de Constantino se repartia entre os arcebispos e patriarcas de Constantinopla, Antioquia, Alexandria e Jerusalém, a autoridade no oeste se concentrava no patriarca, ou papa, de Roma. O bispo de Roma sempre fora reconhecido como o primeiro entre os patriarcas e todas essas coisas conspiravam para justificar de sua parte as excepcionais pretensões à autoridade quase imperial. Com a queda final do império ocidental, tomou o antigo título de pontifex maximus, que os imperadores haviam conservado, tornado-se, assim, o supremo sacerdote dos sacrifícios da tradição romana. (3)

Will Durant observa que a distância do Oriente e a fraqueza dos governantes ocidentais, deram grande preeminência aos papas de Roma. Quando, em face de uma invasão, o senado e o imperador fugiram, os papas mantiveram-se em seus postos e seu prestígio subiu rapidamente. A conversão dos bárbaros fez com que se estendessem mais ainda a autoridade e a influência da diocese de Roma. (4)

E Henry E. Manning descreve, com evidente entusiasmo, como a queda do império romano favoreceu a ascensão do papado ao poder secular:

Nestas circunstâncias, o abandono de Roma representou a libertação dos Pontífices... A providência de Deus permitiu que uma sucessão de invasões, góticas, lombardas e húngaras, desolasse a Itália e apagasse a partir dela todos os remanescentes do Império. Os Pontífices estavam sozinhos; as únicas fontes da ordem, paz, lei e segurança. E desde o tempo dessa providencial libertação, quando, por uma intervenção divina, as correntes caíram das mãos do sucessor de São Pedro, como uma vez antes, nenhum soberano jamais manteve o domínio em Roma, exceto o Vigário de Jesus Cristo. (5)

Ainda sobre o processo de transferência do poder temporal para o papado, Pio IX apresenta este notável testemunho:

É, portanto, por um decreto especial da Divina Providência que, com a queda do Império Romano e sua divisão em reinos independentes, o Romano Pontífice, a quem Cristo tornou a cabeça e o centro de toda a sua Igreja, adquiriu o poder civil. (6)

A Igreja elevada à condição de religião estatal


Um acontecimento decisivo ocorreu, porém, durante o governo do imperador Justiniano, ocasião em que o bispo de Roma obteve legalmente o status que lhe permitiu exercer o poder descrito na profecia.

Em 533, Justiniano se viu em meio a uma controvérsia com um grupo de monges arianos, os quais colocaram em dúvida a divindade de Cristo e a concepção católica sobre a Virgem Maria. O imperador reagiu declarando que Maria era "verdadeiramente a mãe de Deus", que "Cristo era membro da Trindade no sentido mais estrito", e que todo aquele que nega a ambos, faz-se um herege. Justiniano submeteu a questão ao papa. Elaborou uma confissão de fé sobre o assunto, e enviou-a ao bispo de Roma por meio de dois prelados. (7)

Desejoso de renovar em bases cristãs o império romano e mantê-lo unido sob a forma de um despotismo teocrático, o imperador fez seu lado da questão parecer tanto quanto possível favorável ao papa. Enviou-lhe ricos presentes, cálices e outros vasos de ouro adornados com pedras preciosas, acompanhados da seguinte carta:

Justiniano, Vitorioso, Piedoso, Bem-aventurado, Renomado, Triunfante, eternamente Augusto, a João, Patriarca e Santíssimo Arcebispo da Cidade de Roma:

Com honra à Sé Apostólica, e para Sua Santidade, o qual é, e sempre foi lembrado em nossas preces, tanto agora como anteriormente; e honrando sua felicidade - como é próprio no caso de alguém considerado um pai -, apressamo-nos em informar a Vossa Santidade tudo o que se refere à condição da Igreja - como sempre foi o nosso desejo manter unida a vossa Sé Apostólica -, e ao estado das Santas Igrejas de Deus tal como existe hoje, para que permaneça sem transtorno ou oposição. Portanto, nós nos propusemos a unir todos os sacerdotes do Oriente e subordiná-los à Sé de Vossa Santidade. E, por este motivo, as questões que tenham surgido no momento, embora sejam evidentes e isentas de dúvida, e, em harmonia com a doutrina de sua Sé Apostólica, sejam constantemente observadas e firmemente pregadas por todos os sacerdotes, ainda consideramos necessário que elas deveriam ser levadas ao conhecimento de Vossa Santidade. Não admitimos qualquer discussão quanto ao estado da Igreja, mesmo que a causa da dificuldade seja clara e indubitável, sem levá-la ao conhecimento de Vossa Santidade, pois vós sois a cabeça de todas as Santas Igrejas, por isso nos esforçamos em todos os sentidos (como já foi dito) para aumentar a honra e a autoridade de vossa Sé. (8)

Por meio dessas palavras lisonjeiras, as quais tinham plena força de lei, estava aberto o caminho para a completa libertação da Igreja Católica do domínio ariano.

Em uma carta dirigida a Justiniano, o bispo de Roma expressou sua gratidão pelo amparo decisivo em favor da unidade da Igreja e do primado da Sé romana, e pelo empenho do imperador no combate às heresias:

João, Bispo da Cidade de Roma, ao seu mais Ilustre e Piedoso Filho Justiniano.

Entre as razões mais notáveis para louvar vossa sabedoria e bondade, Mais Cristão dos imperadores, e o único que irradia luz como uma estrela, é o fato de que, por meio do amor à Fé, e movido pelo zelo à caridade, vós, douto na disciplina eclesiástica, mantiveste veneração para com a Sé de Roma e submeteste todas as coisas à sua autoridade, unificando-a. O seguinte preceito foi comunicado ao seu fundador, isto é, o primeiro dos Apóstolos, pela boca do Senhor: "Apascenta as minhas ovelhas".

Sem dúvida, esta Santa Sé é a cabeça de todas as igrejas, conforme sustentam todos os preceitos dos Pais e os editos dos Imperadores, confirmados pelas palavras de vossa reverendíssima devoção. E, portanto, o que declaram as Escrituras, ou seja, "Por mim reinam os reis, e os príncipes decretam justiça", tem-se cumprido em vós. Porquanto não há nada que brilhe com maior intensidade do que a fé genuína demonstrada por um príncipe, uma vez que não existe nada que previna a ruína como o faz a verdadeira religião, pois ambos estão ligados ao Autor da Vida e da Luz, dispersando as trevas e impedindo a apostasia. Razão porque, Mais Glorioso dos Príncipes, o Poder Divino é invocado pelas preces de todos a fim de preservar vossa piedade neste ardor para com a Fé, nesta devoção de vossa mente, e neste zelo para com a religião verdadeira, sem falhas, durante toda vossa existência. Pois cremos que isto é para benefício das Santas Igrejas, como está escrito, "O rei governa com os lábios", e ainda, "O coração do rei está nas mãos do Senhor, e ele o inclina para onde quer", ou seja, que Ele pode confirmar vosso império, e manter vossos reinos em defesa da paz da Igreja e da unidade da religião...

Recebemos com todo o respeito devido provas de vossa serenidade por meio de Hypatius e Demétrio, homens santíssimos, meus irmãos e companheiros bispos, de cujas declarações aprendemos que: ao promulgares um edito destinado ao vosso fiel povo, imposto por seu amor à Fé com o propósito de destruir os planos dos hereges, estás em conformidade com os princípios evangélicos, e que o confirmamos por nossa autoridade, com o consentimento de nossos irmãos e companheiros bispos, em razão de que estás em harmonia com a doutrina apostólica. (9)

A decisão imperial é efetivada


O reconhecimento oficial da supremacia eclesiástica do papa ocorreu em 533 d.C. No ano seguinte, foi incorporado ao código de leis imperiais. Seus efeitos práticos, contudo, só seriam plenamente sentidos se o domínio ariano dos ostrogodos sobre Roma e grande parte da Itália fosse subvertido em favor da Igreja.

Desde a morte de Teodorico, os ostrogodos achavam-se divididos entre si, o que permitiu a Roma papal consolidar cada vez mais seus interesses políticos. A cruzada começou com a invasão do reino ariano dos vândalos na África, e foi declaradamente motivada por interesses da religião católica.

Em um conselho de seus ministros, Justiniano foi dissuadido de empreender a Guerra Africana. Ele hesitou, e estava prestes a abandonar o projeto, quando um bispo fanático exclamou: "Recebi uma visão. É a vontade do Céu, ó imperador, que não abandones tua empresa para a libertação da Igreja Africana. O Deus das batalhas marchará perante vosso estandarte e dispersará vossos inimigos, os quais são inimigos de Seu Filho".

Esse apelo persuasivo foi suficiente para o que o imperador despachasse, em junho de 533, uma frota de seiscentos navios com trinta e cinco mil soldados e marinheiros, e cinco mil cavalos, sob o comando de Belisário. Desembarcaram na costa africana em setembro. Cartago capitulou no dia 18 do mesmo mês, e a conquista da África e destruição do reino vândalo ocorreram na primavera de 534. (10)

Tão logo foi erradicado o poder dos vândalos, Justiniano investiu suas armas contra a Itália e os ostrogodos arianos. Estes não foram subvertidos senão em março de 538, após um cerco dramático à cidade de Roma imposto pelos invasores durante um ano e nove dias. A feroz resistência gótica não logrou êxito frente às tropas numericamente inferiores de Belisário, que infligiu aos ostrogodos pesadas perdas. (11)

Embora anos mais tarde os ostrogodos voltassem a ocupar Roma por um breve período, sua retirada da cidade em 538 representou um golpe decisivo contra o poder gótico, o que permitiu ao papado desvencilhar-se do domínio ariano na Itália, abrindo-lhe a oportunidade de aumentar seu poder religioso e temporal.

Após a libertação, o distrito imediatamente adjacente a Roma foi chamado de ducado romano, e o papa reivindicou autoridade exclusiva sobre ele, sendo em grande parte ocupado pelas propriedades da Igreja. O imperador, de fato, continuou a controlar as eleições e o recolhimento de tributos para o território protegido pelas armas imperiais, mas, em contrapartida, o pontífice exerceu uma autoridade definitiva dentro do ducado romano, e afirmou ter voz na nomeação de funcionários civis que administravam o governo local. (12)

Assim, no esteio de uma política imperial favorável ao catolicismo, o papado ampliou suas aspirações, confirmou seus poderes, e fortaleceu sua situação, tanto espiritual como materialmente. Se pelos decretos dos concílios e amparo pessoal do imperador o papa foi declarado cabeça de todo o domínio eclesiástico e espiritual da Terra, agora ele possuía um território, e nele exercia certa medida de autoridade civil, condição esta que se ampliaria mais tarde mediante usurpações adicionais e doações.

União dos poderes religioso e civil


Com efeito, o ano 538, que marca a conquista da Itália, a libertação de Roma e a expulsão dos ostrogodos, é a data a partir da qual se estabelecem efetivamente a autoridade eclesiástica e temporal do papado e o exercício dessas prerrogativas como uma potência mundial, sendo, portanto, o ponto de partida para o período profético dos 1.260 anos.

É significativo que Virgílio, eleito bispo de Roma em 29 de março de 537, fosse o primeiro dos papas estadistas da história. Seu antecessor, Silvério (536-537), fora deposto e exilado sob a acusação de traição por ter supostamente mantido ligações com o poder gótico. Virgílio é o papa que ascendeu ao trono papal sob a proteção militar de Belisário. (13)

M. Gosselin observa que "enquanto o poder temporal do clero foi se estabelecendo e se expandindo pelos diferentes estados da Europa, o poder temporal da Santa Sé foi se estendendo e se consolidando em toda a Itália, onde o profundo respeito do povo para com a religião, aliado ao declínio gradual do poder imperial, imperceptivelmente deu origem à soberania temporal dos papas. Em meio aos distúrbios e anarquias da Idade Média, criou-se um novo laço de união entre as nações mais distantes e mais contrárias tanto do ponto de vista dos interesses como da condição; surgiu um centro comum e ponto de unificação para toda a sociedade, tornando-se, alem disso, um tribunal supremo que decida sem recurso as controvérsias dos reis, e cujas decisões eram igualmente respeitadas pelo príncipe e seu povo." (14)

"Sob o Império Romano", diz Carl C. Eckhardt, "os papas não tinham poder temporal. Mas quando o império se desintegrou e seu lugar foi tomado por vários reinos rudes e bárbaros, a Igreja Católica Romana não só se tornou independente desses estados em assuntos religiosos, mas dominou também os assuntos seculares. Às vezes, sob governantes como Carlos Magno (768-814), Otto, o Grande (936-73) e Henrique III (1039-56), o poder civil teve certo controle sobre a Igreja, mas em geral, durante o débil sistema político do feudalismo, a igreja, bem organizada, unificada e centralizada, tendo por cabeça o papa, não só era independente nos assuntos eclesiásticos, como também controlava os assuntos civis." (15)

A Igreja exerce o seu poder


Já tivemos a oportunidade de considerar alguns dos resultados da apostasia cristã e do compromisso assumido entre os poderes religioso e civil; de perseguida, a Igreja passou a perseguidora, e seu caráter arbitrário, rude e agressivo é apropriadamente representado em Apocalipse 13:1 pela figura espantosa de uma besta com sete cabeças e dez chifres.

Curiosamente, na edição pastoral da Bíblia publicada pela Sociedade Católica Internacional (São Paulo: Paulus, 1990) há a seguinte glosa acerca da besta marítima de Apocalipse 13:1:

A Besta é o poder político absolutizado, isto é, os poderes totalitários, ditatoriais e opressores. Na época de João, trata-se de Roma, às margens do mar Mediterrâneo... Blasfemar é tomar coisas ou pessoas humanas como divinas; usurpando títulos honoríficos e divinos é que os poderosos afirmam sua autoridade e oprimem os homens.

A explicação, porém, se aplica perfeitamente ao papado, visto que com atrevida arrogância usurpou o direito divino em benefício próprio (sobre isso, clique aqui), e, na qualidade de Igreja estatal, serviu-se de sua condição para afirmar seu poder e autoridade, oprimindo com violência todos os que os colocassem em dúvida.

Philip Schaff observa que a restrição à liberdade religiosa e a punição civil em virtude do afastamento da doutrina e da disciplina da igreja estabelecida resultaram da união entre Igreja e Estado, e prossegue dizendo:

Esta perseguição aos hereges foi uma consequência natural da união entre os direitos e deveres religiosos e civis, da confusão dos direitos civis e eclesiásticos, das autoridades judiciais e morais, o que ocorreu desde Constantino... A Igreja, de fato, aderiu firmemente ao princípio de que, como tal, devia empregar apenas sanções espirituais, excomunhão em casos extremos... Envolvida, porém, no conceito de teocracia judaica e de uma igreja estatal, ela praticamente confundiu de várias formas a posição do Direito e do evangelho, e a princípio aprovou a aplicação de medidas severas contra hereges, e não raro encorajou e estimulou o Estado para que, assim fazendo, assumisse ao menos indiretamente a responsabilidade pela perseguição. Isto é especialmente verdadeiro no que se refere à igreja romana durante o período de sua maior grandeza, da Idade Média até fins do século XVI, e por esta conduta a igreja se fez mais ofensiva aos olhos do mundo e da civilização moderna do que por suas doutrinas e costumes peculiares. (16)

A Bíblia chama "bem-aventurados os que observam o direito, que praticam a justiça em todos os tempos" (Salmo 106:3), e acrescenta: "O efeito da justiça será paz, e o fruto da justiça, repouso e segurança para sempre" (Isaías 32:17, ver também Tiago 3:18). A verdadeira e duradoura paz decorre da justiça, e a justiça, de viver segundo a vontade de Deus, "pois todos os teus mandamentos são justiça" (Salmo 119:172). A desobediência aos preceitos divinos nunca poderá alcançar nem promover a genuína paz.

Notas e referências


1. Ellen G. White. O Grande Conflito, 19ª ed. Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1978, p. 55.

2. Frank K. Flinn. Encyclopedia of Catholicism. New York: Facts On File, 2007, Art. "Papacy", p. 498.

3. H.G. Wells. História Universal. Vol. 5. 8ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970, p. 227.

4. Will Durant. História da Civilização. Tomo I, 4ª parte: A Idade da Fé. Companhia Editora Nacional, 1957, p. 71 e 72.

5. Henry Edward Manning. The Temporal Power of the Vicar of Jesus Christ, Second Edition. London: Burns & Lambert, 1862, p. 28 e 29.

6. Pius PP. IX. Cum catholica Ecclesia, 26 de março de 1860. Acesso em: 30 mai. 2012, 09h42min. Transcrição da citação para o inglês disponível aqui. Acesso em: 30 mai. 2012, 10h02min.

7. A.T. Jones. Ecclesiastical Empire. Battle Creek, MI: Review and Herald Publishing, 1901, p. 202.

8. S.P. Scott. The Civil Law. Vol. XII. The Code of Our Lord the Most Sacred Emperor Justinian. Second Edition, Book I, Title I. Concerning the most exalted Trinity and the Catholic Faith, and providing that no one shall dare to publicity oppose them.

9. Ibid.

10. A.T. Jones, op. cit., p. 203.

11. John B. Bury. A History of the Later Roman Empire from Arcadius to Irene (395 A.D. to 800 A.D. Vol. I. London: Macmillan & Co., 1889, p. 392.

12. A.T. Jones, op. cit., p. 207.

13. Philip Schaff. History of the Christian Church, Vol. III: Nicene and Post-Nicene Christianity. A.D. 311-600. Grand Rapids, MI: Christian Classic Ethereal Library, 2002, p. 228. Acesso em: 10 dez. 2010, 10h47min.

14. M. Gosselin. The Power of the Pope during the Middle Ages, Vol. I. London: C. Dolman, 1853, p. 12 e 13.

15. Carl C. Eckhardt. The Papacy and World-Affairs. Chicago: University of Chicago Press, 1937, p. 1.

16. Philip Schaff, op. cit., p. 99.

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