Antecedentes históricos das leis dominicais



"Pelo que o direito se retirou, e a justiça se pôs de longe; porque a verdade anda tropeçando pelas praças, e a retidão não pode entrar. Sim, a verdade sumiu, e quem se desvia do mal é tratado como presa. O Senhor viu isso e desaprovou o não haver justiça." (Isaías 59:14-15)

O ato de substituir os estatutos divinos de liberdade e justiça por leis que refletem os desígnios egoístas do homem resulta inevitavelmente em intolerância, opressão e violência.

Ellen G. White observa que (1)

O acesso da Igreja de Roma ao poder assinalou o início da escura Idade Média. Aumentando o seu poderio, mais se adensavam as trevas. De Cristo, o verdadeiro fundamento, transferiu-se a fé para o papa de Roma. Em vez de confiar no Filho de Deus para o perdão dos pecados e para a salvação eterna, o povo olhava para os sacerdotes e prelados a quem delegava autoridade. Ensinava-se-lhe ser o papa seu mediador terrestre, e que ninguém poderia aproximar-se de Deus senão por seu intermédio; e mais ainda, que ele ficava para eles em lugar de Deus e deveria, portanto, ser implicitamente obedecido. Esquivar-se de suas disposições era motivo suficiente para se infligir a mais severa punição ao corpo e alma dos delinquentes. Assim, a mente do povo desviava-se de Deus para homens falíveis e cruéis, e mais ainda, para o próprio príncipe das trevas que por meio deles exercia o seu poder. O pecado se disfarça sob o manto de santidade. Quando as Escrituras são suprimidas e o homem vem a considerar-se supremo, só podemos esperar fraudes, engano e aviltante iniquidade. Com a elevação das leis e tradições humanas, tornou-se manifesta a corrupção que sempre resulta de se pôr de lado a lei de Deus.

Prosseguindo em nossa investigação sobre a marca da besta, este artigo analisa os eventos históricos de interesse profético que tornaram possível à Igreja de Roma exercer um poder dominante por vários séculos e que lhe permitiram decretar leis dominicais de modo a garantir a preservação dessa autoridade. Posteriormente, considerar-se-á algumas das leis dominicais civis e eclesiásticas mais representativas desse período até a época da queda do poder temporal da Igreja e o início da sociedade moderna.

O período profético de supremacia papal


Daniel 7:25 revela que o papado, o sujeito histórico representado na profecia por um chifre pequeno, "magoará os santos do Altíssimo". Estes "lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade de um tempo". Paralelamente, Apocalipse 13:5 informa que a obra blasfema desse poder, representado aqui por uma besta marítima, continuaria por 42 meses. O texto diz: "Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse".

O período de tempo mencionado nesses textos aparece na Bíblia mais cinco vezes:

  • "um tempo, dois tempos e metade de um tempo" (Daniel 12:7);
  • "um tempo, tempos e metade de um tempo" (Apocalipse 12:14);
  • "quarenta e dois meses" (Apocalipse 11:2);
  • "mil duzentos e sessenta dias" (Apocalipse 11:3 e 12:6).

Assim, as Escrituras apresentam o mesmo período profético de três maneiras distintas:

  1. Três tempos e meio ou três anos e meio x 360 dias = 1.260 dias (considerando que os meses na Bíblia têm 30 dias cada, conforme Gênesis 7:11; 8:4; 7:24).
  2. 42 meses x 30 dias = 1.260 dias.
  3. 1.260 dias

Partindo do princípio de que em profecia simbólica um dia representa um ano (Números 14:34; Ezequiel 4:4-7), segue-se que os 1.260 dias proféticos correspondem a 1.260 anos literais. Há pelo menos três razões bíblicas para isso:

  1. As visões são simbólicas e, portanto, os tempos indicados também o são.
  2. As visões abrangem longos períodos da história. Se os tempos especificados forem interpretados literalmente, a mensagem perde o sentido original.
  3. O modo pouco comum em que os períodos de tempo profético são apresentados indica que devem ser simbolicamente entendidos e interpretados segundo o princípio bíblico do dia/ano.

O seguinte quadro reúne as profecias dos 1.260 dias/anos. Note que elas se referem ao mesmo evento histórico, diferenciando-se somente quanto às perspectivas apresentadas:





Período de hegemonia e perseguição


Durante o tempo em que este poder religioso apóstata exerceu seu domínio, a "cidade santa", símbolo do povo de Deus, foi espezinhada, ou seja, sistematicamente perseguida e quase exterminada, não fosse a Providência tê-la protegido e fortalecido em regiões relativamente despovoadas como os vales montanhosos dos Alpes e a América do Norte (regiões apropriadamente simbolizadas pela figura do "deserto").

Ao longo desse mesmo período, a Palavra de Deus (o Antigo e Novo Testamentos, as "duas testemunhas", conforme Zacarias 4:1-6 e 11-14) desempenhou seu ministério sob as condições mais adversas. Por isso, a profecia diz que as duas testemunhas "profetizam vestidas de pano de saco".

No entanto, tudo isso aconteceu somente depois que o dragão deu à besta marítima "o seu poder, o seu trono e grande autoridade" (Apocalipse 13:2). Este é um detalhe importante. O vidente de Patmos não deixa dúvidas sobre como esse poder passou a usar suas novas prerrogativas: "Foi-lhe dado uma boca que proferia arrogâncias e blasfêmias e autoridade para agir quarenta e dois meses... Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse" (Apocalipse 13:5, 7).

É precisamente este evento - a transferência do poder, trono e autoridade do dragão para a besta marítima - que marca o início do período profético mencionado em Daniel e Apocalipse. O dragão representa, em última instância, "a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás" (Apocalipse 12:9), mas foi especialmente por intermédio de Roma pagã que o inimigo de Deus logrou êxito contra a verdade.

O poder que a besta recebeu se refere ao prestígio religioso e político da cidade de Roma, chamada também de Cidade Eterna e Cidade Santa; o trono diz respeito à dignidade de que se revestiu e que anteriormente pertencia aos imperadores romanos; e a autoridade da qual se beneficiou foi produto dos favorecimentos que obteve do império romano a partir do século IV.

O processo de aquisição do poder papal


Já vimos como o imperador Constantino havia favorecido a Igreja cristã (sobre isso, clique aqui). Em 330 d.C., ele deixou Roma para fundar Constantinopla, a nova capital. Esse evento marcou o início da desintegração do império, permitindo à Igreja obter o poder, o trono e a autoridade de Roma. A Encyclopedia of Catholicism informa que, quando o poder secular do Império Romano foi transferido da antiga capital para Constantinopla, a Igreja emergiu como a mais sólida e respeitável instituição internacional do Ocidente. (2) H.G. Wells escreveu: (3)

Enquanto o império oriental de língua grega se mantinha unido, conservando o imperador o domínio sobre a igreja, a metade latina do império ruiu, deixando a igreja ocidental livre de qualquer controle imperial. Além disso, enquanto a autoridade eclesiástica no império de Constantino se repartia entre os arcebispos e patriarcas de Constantinopla, Antioquia, Alexandria e Jerusalém, a autoridade no oeste se concentrava no patriarca, ou papa, de Roma. O bispo de Roma sempre fora reconhecido como o primeiro entre os patriarcas e todas essas coisas conspiravam para justificar de sua parte as excepcionais pretensões à autoridade quase imperial. Com a queda final do império ocidental, tomou o antigo título de pontifex maximus, que os imperadores haviam conservado, tornando-se, assim, o supremo sacerdote dos sacrifícios da tradição romana.

Will Durant observa que a distância do Oriente e a fraqueza dos governantes ocidentais, deram grande preeminência aos papas de Roma. Quando, em face de uma invasão, o senado e o imperador fugiram, os papas mantiveram-se em seus postos e seu prestígio subiu rapidamente. A conversão dos bárbaros fez com que se estendessem mais ainda a autoridade e a influência da diocese de Roma. (4)

E Henry E. Manning descreve, com evidente entusiasmo, como a queda do império romano favoreceu a ascensão do papado ao poder secular: (5)

O abandono de Roma foi a libertação dos pontífices. Quaisquer que fossem as reivindicações de obediência que os imperadores pudessem ter feito, e qualquer que fosse a obediência que o pontífice pudesse ter cedido, toda a relação anterior, anômala e anulada repetidas vezes pelos vícios e ultrajes dos imperadores, foi finalmente dissolvida por um poder superior. A providência de Deus permitiu que uma sucessão de irrupções, góticas, lombardas e húngaras, desolasse a Itália e apagasse dela todo resquício do Império. Os pontífices se viram sozinhos, as únicas fontes de ordem, paz, lei e segurança. E desde a hora dessa libertação providencial, quando, por uma intervenção divina, as correntes caíram das mãos do sucessor de São Pedro, como haviam caído antes de suas próprias mãos, nenhum soberano jamais reinou em Roma, exceto o Vigário de Jesus Cristo.

Ainda sobre o processo de transferência do poder temporal para o papado, Pio IX apresenta este notável testemunho: (6)

É, portanto, por um decreto especial da Divina Providência que, na queda do Império Romano e sua divisão em reinos distintos, o Pontífice Romano, a quem Cristo fez a cabeça e o centro de toda a sua Igreja, adquiriu o poder civil.

A Igreja elevada à condição de religião estatal


Um acontecimento decisivo ocorreu, porém, durante o governo do imperador Justiniano, ocasião em que o bispo de Roma obteve legalmente o status que lhe permitiu exercer o poder descrito na profecia.

Em 533, Justiniano se viu em meio a uma controvérsia com um grupo de monges arianos, os quais colocaram em dúvida a divindade de Cristo e a concepção católica sobre a Virgem Maria. O imperador reagiu declarando que Maria era "verdadeiramente a mãe de Deus", que "Cristo era membro da Trindade no sentido mais estrito", e que todo aquele que nega a ambos, faz-se um herege. Justiniano submeteu a questão ao papa. Elaborou uma confissão de fé sobre o assunto, e enviou-a ao bispo de Roma por meio de dois prelados. (7)

Desejoso de renovar em bases cristãs o império romano e mantê-lo unido sob a forma de um despotismo teocrático, o imperador fez seu lado da questão parecer tanto quanto possível favorável ao papa. Enviou-lhe ricos presentes, cálices e outros vasos de ouro adornados com pedras preciosas, acompanhados da seguinte carta: (8)

Justiniano, Vitorioso, Piedoso, Feliz, Renomado, Triunfante, sempre Augusto, a João, Patriarca e Santíssimo Arcebispo da bela cidade de Roma:

Com honra à Sé Apostólica e a Vossa Santidade, que é e sempre foi lembrada em Nossas orações, tanto agora como no passado, e honrando sua felicidade, como é próprio no caso de alguém que é considerado um pai, apressamo-nos em levar ao conhecimento de Vossa Santidade tudo o que se relaciona com a condição da Igreja, pois sempre tivemos o maior desejo de preservar a unidade de sua Sé Apostólica e a condição das Santas Igrejas de Deus, como elas existem no presente momento, para que possam permanecer sem perturbação ou oposição. Portanto, nós nos esforçamos para unir todos os sacerdotes do Oriente e submetê-los à Sé de Vossa Santidade, e por isso as questões que surgiram atualmente, embora sejam manifestas e livres de dúvida e, de acordo com a doutrina de Vossa Sé Apostólica, sejam constantemente observadas com firmeza e pregadas por todos os sacerdotes, ainda assim consideramos necessário que fossem levadas à atenção de Vossa Santidade. Pois não permitimos que nada no tocante ao estado da Igreja, mesmo que o que cause a dificuldade possa ser claro e livre de dúvidas, seja discutido sem ser levado ao conhecimento de Vossa Santidade, porque Vossa Santidade é o chefe de todas as Santas Igrejas, pois nos esforçaremos de todas as maneiras (como já foi declarado) para aumentar a honra e a autoridade de Vossa Sé.

Por meio dessas palavras lisonjeiras, as quais tinham plena força de lei, estava aberto o caminho para a completa libertação da Igreja Católica do domínio ariano.

Em uma carta dirigida a Justiniano, o bispo de Roma expressou sua gratidão pelo amparo decisivo em favor da unidade da Igreja e do primado da Sé romana, e pelo empenho do imperador no combate às heresias: (9)

João, Bispo da Cidade de Roma, a seu Ilustríssimo e Misericordioso Filho Justiniano.

Entre as razões conspícuas para louvar sua sabedoria e gentileza, o mais cristão dos imperadores, e uma que irradia luz como uma estrela, está o fato de que, por amor à fé e movido pelo zelo da caridade, o senhor, instruído na disciplina eclesiástica, preservou a reverência pela Sé de Roma, submeteu todas as coisas à sua autoridade e lhe deu unidade. O seguinte preceito foi comunicado ao seu fundador, ou seja, o primeiro dos Apóstolos, pela boca do Senhor, a saber: 'Apascenta as minhas ovelhas'.

Essa Sé é de fato a cabeça de todas as igrejas, como afirmam as regras dos Padres e os decretos dos Imperadores, e as palavras de sua reverendíssima piedade testificam. Portanto, afirma-se que o que as Escrituras declaram, a saber, 'Por mim reinam os reis, e as potestades fazem justiça', será realizado em vós. Pois não há nada que brilhe mais do que a fé genuína quando demonstrada por um príncipe, uma vez que não há nada que impeça a destruição como faz a verdadeira religião, pois como ambas têm referência ao Autor da Vida e da Luz, elas dispersam as trevas e impedem a apostasia. Portanto, Glorioso dos Príncipes, imploramos o Poder Divino pelas orações de todos para preservar vossa piedade nesse ardor pela Fé, nessa devoção de vossa mente e nesse zelo pela verdadeira religião, sem falhas, durante toda a vossa existência. Pois cremos que isso é para o benefício das Santas Igrejas, como foi escrito, 'O rei governa com os lábios', e novamente, 'O coração do rei está na mão de Deus, e se inclinará para qualquer lado que Deus desejar'; isto é, para que Ele possa confirmar vosso império e manter vossos reinos para a paz da Igreja e a unidade da religião; guardar vossa autoridade e preservá-lo naquela sublime tranquilidade que lhe é tão grata; e não é pouca a mudança concedida pelo Poder Divino, por meio de cuja agência uma igreja dividida não é afligida por nenhuma dor nem sujeita a nenhuma reprovação. Pois está escrito: 'Um rei justo, que está em seu trono, não tem motivo para temer qualquer infortúnio'.

Recebemos com todo o respeito as evidências de vossa serenidade por meio de Hypatius e Demetrius, homens santíssimos, meus irmãos e colegas bispos, de cujas declarações soubemos que promulgaste um Édito dirigido a seu povo fiel e ditado por vosso amor à Fé, com o propósito de derrubar os desígnios dos hereges, o que está de acordo com os princípios evangélicos, e que nós confirmamos por nossa autoridade com o consentimento de nossos irmãos e colegas bispos, pelo fato de estar em harmonia com a doutrina apostólica.

A decisão imperial é efetivada


O reconhecimento oficial da supremacia eclesiástica do papa ocorreu em 533 d.C. No ano seguinte, foi incorporado ao código de leis imperiais. Seus efeitos práticos, contudo, só seriam plenamente sentidos se o domínio ariano dos ostrogodos sobre Roma e grande parte da Itália fosse subvertido em favor da Igreja.

Desde a morte de Teodorico, os ostrogodos achavam-se divididos entre si, o que permitiu a Roma papal consolidar cada vez mais seus interesses políticos. A cruzada começou com a invasão do reino ariano dos vândalos na África, e foi declaradamente motivada por interesses da religião católica.

Em um conselho de seus ministros, Justiniano foi dissuadido de empreender a Guerra Africana. Ele hesitou, e estava prestes a abandonar o projeto, quando um bispo fanático exclamou: "Recebi uma visão. É a vontade do Céu, ó imperador, que não abandones tua empresa para a libertação da Igreja Africana. O Deus das batalhas marchará perante vosso estandarte e dispersará vossos inimigos, os quais são inimigos de Seu Filho".

Esse apelo persuasivo foi suficiente para o que o imperador despachasse, em junho de 533, uma frota de seiscentos navios com trinta e cinco mil soldados e marinheiros, e cinco mil cavalos, sob o comando de Belisário. Desembarcaram na costa africana em setembro. Cartago capitulou no dia 18 do mesmo mês, e a conquista da África e destruição do reino vândalo ocorreram na primavera de 534. (10)

Tão logo foi erradicado o poder dos vândalos, Justiniano investiu suas armas contra a Itália e os ostrogodos arianos. Estes não foram subvertidos senão em março de 538, após um cerco dramático à cidade de Roma imposto pelos invasores durante um ano e nove dias. A feroz resistência gótica não logrou êxito frente às tropas numericamente inferiores de Belisário, que infligiu aos ostrogodos pesadas perdas. (11)

Embora anos mais tarde os ostrogodos voltassem a ocupar Roma por um breve período, sua retirada da cidade em 538 representou um golpe decisivo contra o poder gótico, o que permitiu ao papado desvencilhar-se do domínio ariano na Itália, abrindo-lhe a oportunidade de aumentar seu poder religioso e temporal.

Após a libertação, o distrito imediatamente adjacente a Roma foi chamado de ducado romano, e o papa reivindicou autoridade exclusiva sobre ele, sendo em grande parte ocupado pelas propriedades da Igreja. O imperador, de fato, continuou a controlar as eleições e o recolhimento de tributos para o território protegido pelas armas imperiais, mas, em contrapartida, o pontífice exerceu uma autoridade definitiva dentro do ducado romano, e afirmou ter voz na nomeação de funcionários civis que administravam o governo local. (12)

Assim, no esteio de uma política imperial favorável ao catolicismo, o papado ampliou suas aspirações, confirmou seus poderes, e fortaleceu sua situação, tanto espiritual como materialmente. Se pelos decretos dos concílios e amparo pessoal do imperador o papa foi declarado cabeça de todo o domínio eclesiástico e espiritual da Terra, agora ele possuía um território, e nele exercia certa medida de autoridade civil, condição esta que se ampliaria mais tarde mediante usurpações adicionais e doações.

União dos poderes religioso e civil


Com efeito, o ano 538, que marca a conquista da Itália, a libertação de Roma e a expulsão dos ostrogodos, é a data a partir da qual se estabelecem efetivamente a autoridade eclesiástica e temporal do papado e o exercício dessas prerrogativas como uma potência mundial, sendo, portanto, o ponto de partida para o período profético dos 1.260 anos.

É significativo que Virgílio, eleito bispo de Roma em 29 de março de 537, fosse o primeiro dos papas estadistas da história. Seu antecessor, Silvério (536-537), fora deposto e exilado sob a acusação de traição por ter supostamente mantido ligações com o poder gótico. Virgílio é o papa que ascendeu ao trono papal sob a proteção militar de Belisário. (13)

M. Gosselin observa que (14)

Enquanto o poder temporal do clero se estabelecia e se estendia nos diferentes estados da Europa, o poder temporal da Santa Sé se estendia e se consolidava por toda a Itália, onde o profundo respeito do povo pela religião, favorecido pelo declínio gradual do poder imperial, deu origem insensivelmente à soberania temporal dos papas. A influência dessa nova soberania logo foi sentida em toda parte. Em meio às desordens e à anarquia da Idade Média, essa soberania criou um novo vínculo de união entre as nações mais distantes e mais opostas, tanto em termos de interesses quanto de caráter; tornou-se um centro comum e um ponto de encontro para toda a sociedade; tornou-se, além disso, um tribunal supremo, que decidia sem apelação as controvérsias dos reis e cujas decisões eram igualmente respeitadas pelo príncipe e por seu povo.

Carl C. Eckhardt escreveu: (15)

Sob o Império Romano, os papas não tinham poderes temporais. Mas quando o Império Romano se desintegrou e seu lugar foi ocupado por vários reinos rudes e bárbaros, a Igreja Católica Romana não só se tornou independente dos estados em assuntos religiosos, mas também dominou os assuntos seculares. Às vezes, sob governantes como Carlos Magno (768-814), Otto, o Grande (936-73) e Henrique III (1039-56), o poder civil controlava a igreja até certo ponto; mas, em geral, sob o fraco sistema político do feudalismo, a igreja bem organizada, unificada e centralizada, com o papa à frente, não era apenas independente em assuntos eclesiásticos, mas também controlava os assuntos civis.

A Igreja exerce o seu poder


Já tivemos a oportunidade de considerar alguns dos resultados da apostasia cristã e do compromisso assumido entre os poderes religioso e civil; de perseguida, a Igreja passou a perseguidora, e seu caráter arbitrário, rude e agressivo é apropriadamente representado em Apocalipse 13:1 pela figura espantosa de uma besta com sete cabeças e dez chifres.

Curiosamente, na edição pastoral da Bíblia publicada pela Sociedade Católica Internacional (São Paulo: Paulus, 1990) há a seguinte glosa acerca da besta marítima de Apocalipse 13:1:

A Besta é o poder político absolutizado, isto é, os poderes totalitários, ditatoriais e opressores. Na época de João, trata-se de Roma, às margens do mar Mediterrâneo... Blasfemar é tomar coisas ou pessoas humanas como divinas; usurpando títulos honoríficos e divinos é que os poderosos afirmam sua autoridade e oprimem os homens.

A explicação, porém, se aplica perfeitamente ao papado, visto que com atrevida arrogância usurpou o direito divino em benefício próprio (sobre isso, clique aqui), e, na qualidade de Igreja estatal, serviu-se de sua condição para afirmar seu poder e autoridade, oprimindo com violência todos os que os colocassem em dúvida.

Philip Schaff observa que a restrição à liberdade religiosa e a punição civil em virtude do afastamento da doutrina e da disciplina da igreja estabelecida resultaram da união entre Igreja e Estado, e prossegue dizendo: (16)

Essa perseguição aos hereges foi uma consequência natural da união dos deveres e direitos religiosos e civis, da confusão entre o civil e o eclesiástico, o judicial e o moral, que veio a ocorrer desde Constantino. Ela procedeu do estado e dos imperadores, que, nesse aspecto, se mostraram os sucessores dos Pontifices Maximi, com sua relação com a igreja invertida. A igreja, de fato, aderiu firmemente ao princípio de que, como tal, ela deveria empregar apenas penalidades espirituais, excomunhão em casos extremos; como, de fato, Cristo e os apóstolos expressamente rejeitaram e proibiram todas as armas carnais, e preferiram sofrer e morrer a usar a violência. Mas, envolvida na ideia da teocracia judaica e de uma igreja estatal, ela praticamente confundiu, de várias maneiras, a posição da lei e a do evangelho e, em teoria, aprovou medidas coercitivas contra os hereges e, não raramente, incentivou e incitou o estado a aplicá-las, tornando-se, assim, pelo menos indiretamente responsável pela perseguição. Isso é especialmente verdadeiro para a Igreja Romana nos tempos de seu maior poder, na Idade Média e até o final do século XVI; e, por meio desse procedimento, essa igreja se tornou quase mais ofensiva aos olhos do mundo e da civilização moderna do que por suas doutrinas e costumes peculiares.

A Bíblia chama "bem-aventurados os que observam o direito, que praticam a justiça em todos os tempos" (Salmo 106:3), e acrescenta: "O efeito da justiça será paz, e o fruto da justiça, repouso e segurança para sempre" (Isaías 32:17, ver também Tiago 3:18). A verdadeira e duradoura paz decorre da justiça, e a justiça, de viver segundo a vontade de Deus, "pois todos os teus mandamentos são justiça" (Salmo 119:172). A desobediência aos preceitos divinos nunca poderá alcançar nem promover a genuína paz.

Notas e referências


1. Ellen G. White. O Grande Conflito, 19ª ed. Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1978, p. 55.

2. Frank K. Flinn. Encyclopedia of Catholicism. New York: Facts On File, 2007, Art. "Papacy", p. 498.

3. H.G. Wells. História Universal. Vol. 5. 8ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970, p. 227.

4. Will Durant. História da Civilização. Tomo I, 4ª parte: A Idade da Fé. Companhia Editora Nacional, 1957, p. 71 e 72.

5. Henry Edward Manning. The Temporal Power of the Vicar of Jesus Christ, Second Edition. London: Burns & Lambert, 1862, p. 28 e 29.

6. Pius PP. IX. Cum catholica Ecclesia, 26 de março de 1860. Acesso em: 30 mai. 2012, 09h42min. Transcrição da citação para o inglês disponível aqui. Acesso em: 30 mai. 2012, 10h02min.

7. A.T. Jones. Ecclesiastical Empire. Battle Creek, MI: Review and Herald Publishing, 1901, p. 202.

8. S.P. Scott. The Civil Law. Vol. XII. The Code of Our Lord the Most Sacred Emperor Justinian. Second Edition, Book I, Title I. Concerning the most exalted Trinity and the Catholic Faith, and providing that no one shall dare to publicity oppose them.

9. Ibid.

10. A.T. Jones, op. cit., p. 203.

11. John B. Bury. A History of the Later Roman Empire from Arcadius to Irene (395 A.D. to 800 A.D. Vol. I. London: Macmillan & Co., 1889, p. 392.

12. A.T. Jones, op. cit., p. 207.

13. Philip Schaff. History of the Christian Church, Vol. III: Nicene and Post-Nicene Christianity. A.D. 311-600. Grand Rapids, MI: Christian Classic Ethereal Library, 2002, p. 228. Acesso em: 10 dez. 2010, 10h47min.

14. M. Gosselin. The Power of the Pope during the Middle Ages, Vol. I. London: C. Dolman, 1853, p. 12 e 13.

15. Carl C. Eckhardt. The Papacy and World-Affairs. Chicago: University of Chicago Press, 1937, p. 1.

16. Philip Schaff, op. cit., p. 99.

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