Nosso Sumo Sacerdote - 2. Significado da Expiação



Por Edward Heppenstall

O significado bíblico da expiação centraliza-se em uma ideia básica - a de que Deus criou o homem para viver em um estado de união com Ele, para desfrutar em todos os aspectos de um relacionamento harmonioso com Ele e com os seus semelhantes. Por pertencer primariamente a Deus, o homem foi feito para desfrutar da unidade e viver em paz com seu Criador.

O pecado, porém, rompeu esta união e criou desarmonia por toda a parte. Existe, portanto, uma ruptura radical nesta união. Deus e o homem estão alienados pelo pecado do homem. O homem herdou o resultado do pecado de Adão, a separação de Deus. O homem por si mesmo não tem condições de voltar a Deus.

Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. (Romanos 3:10-12).

A expiação é a maneira de Deus fazer uma reconciliação, de conquistar o homem e trazê-lo de volta à comunhão com Ele. Daí a palavra inglesa "at-one-ment" ["a uma só mente", ou uma mesma forma de pensar].

Esse conceito e verdade sobre a expiação são tão abrangentes e transcendentes que é impossível comunicá-los ou compreender-lhes corretamente o significado simplesmente pelo estudo de palavras usadas separadamente. A doutrina bíblica da expiação, no entanto, centraliza-se no uso de determinadas palavras específicas. Mas as palavras em inglês, grego ou hebraico não se correspondem atualmente em significado. Elas não são exatamente equivalentes.

A principal palavra em hebraico é kaphar. O significado original desta palavra é difícil de determinar. Estudiosos têm investigado o sentido desta palavra a partir de uma raiz árabe correspondente que significa "cobrir" ou "esconder" ou de uma raiz aramaica que significa "limpar", "purificar", "erradicar".

O Antigo Testamento enfatiza a ideia de cobrir o pecado por alguma forma de expiação ou reconciliação. Quatro formas de radicais são usadas no Antigo Testamento. A primeira fala de resgate. "O resgate da vida de um homem é a sua riqueza, mas o pobre não tem meios de redenção" (Provérbios 13:8). A segunda é traduzida como "encobrir" em um sentido figurado, isto é, propiciar ou conciliar. Jacó procurou propiciar ou "encobrir" sua injustiça anterior feita a seu irmão Esaú por certa quantidade de presentes. "Porque ele disse: Eu o apaziguarei com o presente que vai adiante de mim" (Gênesis 32:20). A terceira é a forma plural da palavra kipurim, usada para designar o "dia da expiação" (Levítico 23:27), o moderno Yom Kippur. Êxodo 30:15 e 16 fala sobre o dinheiro da expiação, meio siclo, a ser pago por todo israelita "para fazer expiação por suas almas". Em virtude de Seu ato de remir Israel da escravidão no Egito, Deus, por isso, trata todo o Israel como pertencendo a Ele. Por conseguinte, o homem reconhece isto ao pagar meio siclo como preço do resgate. O israelita assim reconhecia o direito de Deus sobre sua vida, que ele pertencia a Deus. O quarto uso da palavra refere-se à parte superior da arca ou propiciatório como o lugar da expiação ou propiciação. "Farás um propiciatório de ouro puro" (Êxodo 25:17). O significado do uso desta palavra marca o lugar onde o juízo ou a ira de Deus contra o pecado é "encoberto" ou "conciliado" simbolicamente pelos sacrifícios de animais tipificando o sacrifício de Cristo, que haveria de vir.

A ideia principal em todos estes casos é a realização de uma reconciliação com Deus por meio de um curso apropriado de reação.

Kaphar tem a ideia básica de fazer reconciliação, purificando do pecado, razão por que é frequentemente traduzida pela palavra reconciliação.

Nenhuma oferta pelo pecado, cujo sangue se traz à tenda da congregação para fazer reconciliação com o santuário, será comida; no fogo será queimada. (Levítico 6:30).
Ele trouxe o novilho para a expiação do pecado; e Arão e seus filhos impuseram as mãos sobre a cabeça do novilho, por oferta pelo pecado, e o imolou; e Moisés tomou o sangue e, com o dedo, o pôs sobre os chifres do altar em redor, e purificou o altar, e derramou o resto do sangue na base do altar, e o santificou, para fazer reconciliação por ele. (capítulo 8:14, 15).
E quando tiver terminado de reconciliar o santuário, a tenda da congregação e o altar... (capítulo 16:20).

O profeta Daniel, falando da obra sacrifical de Cristo que haveria de vir, profetizou: "Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade, para fazer cessar a transgressão, para acabar com os pecados e fazer a reconciliação pela iniquidade, e trazer a justiça eterna." (Daniel 9:24).

Os sacrifícios levíticos apontavam para o sacrifício de Cristo, pelo qual os homens seriam verdadeiramente redimidos do pecado. Mediante esse processo, homens e mulheres perdidos seriam resgatados pelo sangue de Cristo. A alienação seria removida. A reconciliação entre Deus e o homem seria concretizada. Portanto, o homem deve valer-se disto. Assim, sempre que os israelitas aproximavam-se de Deus no deserto, traziam um animal, oferecendo um sacrifício pessoal como um reconhecimento contínuo de sua parte de que a ruptura havia sido curada e eles estavam unidos com Deus. O fato de muitos perderem de vista o verdadeiro significado dessas cerimônias deve-se não aos próprios sacrifícios, mas a terem os homens fechado suas mentes ao verdadeiro significado da expiação.

Israel era continuamente lembrado que o pecado cria um rompimento nas relações do homem com Deus e destrói a união que Deus deseja estabelecer. Assim, Deus procurou instruir o povo na verdade básica da expiação - que o pecado deve ser removido, se o povo deseja experimentar reconciliação com Deus e manter comunhão com Ele, de modo que Seus seguidores vivam vidas limpas diante do Senhor. Daí a ideia principal de fazer "uma reconciliação", ou expiação.

No Novo Testamento, a doutrina da expiação gira em torno de três palavras que expressam três ideias principais: resgate, reconciliação e propiciação ou expiação.

Duas palavras gregas dão a ideia de resgate, frequentemente traduzidas por "redenção" ou "redimir". A palavra mais importante é lutron - "resgate" - a redenção ou libertação de uma pessoa pelo pagamento de um preço. Neste caso, o custo seria o sangue de Cristo, pois "sem derramamento de sangue não há remissão" (Hebreus 9:22). "O Filho do homem veio... para dar sua vida em resgate de muitos" (Mateus 20:28, ver Tito 2:14). Outras formas gregas do mesmo radical são encontradas em Lucas 1:68: "O Senhor Deus de Israel... visitou e remiu o seu povo". Ele (Cristo) assegurou-nos uma "eterna redenção" (Hebreus 9:12). "Sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus" (Romanos 3:24). Aqui a forma usada significa comprar de volta um cativo, libertar da escravidão pelo sacrifício, Cristo. A outra palavra, exagorazö, significa "comprar de volta" e é traduzida por "redimir". "Cristo remiu-nos", isto é, resgatou-nos da maldição e condenação da lei pelo sacrifício de Si mesmo (Gálatas 3:13).

A palavra inglesa expiação é encontrada no Novo Testamento da KJV [King James Version] apenas em Romanos 5:11. A palavra grega katallagè é traduzida em versões posteriores pela palavra reconciliação, a qual está mais próxima do significado correto da palavra. A palavra é uma combinação de kata e allassö. Significa mudar ou trocar. No sentido religioso usado no Novo Testamento, refere-se ao relacionamento com Deus que é mudado de inimizade para harmonia. Outros exemplos do uso desta palavra na forma verbal também têm o significado de reconciliação (Ver Mateus 5:23, 24; I Coríntios 7:11; II Coríntios 5:18-20; Romanos 5:10). A obra de reconciliação ou expiação é atribuída a Deus, que toma a iniciativa pela dádiva e sacrifício de Seu Filho, o qual restaura o homem à harmonia com Deus. Assim, a reconciliação é sempre efetuada através da pessoa de Jesus Cristo, que morreu pelos pecados do homem.

A terceira palavra grega relacionada à obra expiatória de Cristo é hilastenon, traduzida como "propiciação" ou "expiação". A palavra grega é derivada de um radical que significa "mostrar misericórdia" (Ver Lucas 18:13). No grego clássico, a palavra é usada para apaziguar ou propiciar os deuses por meio de dons e sacrifícios.

Não há nenhuma possibilidade de reconciliação entre Deus e o pecado, ou seja, que a transgressão continue para sempre. "Expiação" é uma palavra que expressa a intenção divina de destruir o pecado que arruinou o universo. A restauração da perfeita união não foi consumada na cruz. O problema do pecado ainda não foi definitivamente resolvido. A cruz é o ato supremo de Deus para a redenção do homem. Porém é apenas um aspecto da obra de Cristo com respeito à final união. A reconciliação é efetuada pelo Cristo vivo. Não é algo que aconteceu há dois mil anos. A expiação ou reconciliação é experimentada somente quando os homens vivem diariamente uma vida de confiança e dependência dEle. A redenção final de todas as coisas para si mesmo nunca poderá ser alcançada até que o homem seja conquistado a uma vida de inabalável fé e obediência. É o Cristo vivo do presente quem salva, redime e reconcilia.

Cristo é nosso advogado perante o Pai, nosso Mediador, Intercessor, Representante, nosso grande Sumo Sacerdote. A obra realizada na cruz é o convite divino para retornar a Deus e estar em harmonia com Ele. Com este fim Cristo está ainda empenhado no ministério da reconciliação no santuário celestial. Realmente, nós podemos dizer que, a menos que Deus continue Seu propósito para a reconciliação final de todas as coisas, nenhum poder no mundo pode deter as forças do mal e destruir o mal que existe no mundo.

A morte de Cristo foi muito mais do que um gesto divino de amor. Rompeu o poder de Satanás e do pecado. Por Seu contínuo ministério até o fim, o pecado e as forças do mal serão também destruídos.

Jesus Cristo identificou-Se para sempre com a raça humana. Ele é ainda o Filho do homem, embora se assente no trono de Deus.

Então virá o fim, quando ele entregar o reino de Deus, o Pai; quando tiver destruído todo principado e toda autoridade e poder. Porque convém que Ele reine, até que tenha colocado todos os inimigos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte... E quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então o Filho também estará sujeito àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos. (I Coríntios 15:24-28).

A batalha travada por Cristo enquanto esteve na Terra não foi somente individual. Não só os pecados dos homens foram carregados na cruz. A batalha foi uma continuação da guerra iniciada no Céu quando Satanás foi expulso (ver Apocalipse 12). A reconciliação final ainda precisa ser realizada, não apenas em cada crente, mas também no mundo e no universo. Porque o pecado ainda se manifesta no coração de criaturas morais e espirituais, a obra de reconciliação deve prosseguir. Em um sentido, a expiação foi feita. No sentido da harmonia universal, ela ainda será realizada. A vitória moral e espiritual de Cristo na cruz não foi imediatamente visível na erradicação do pecado. O mundo ainda requer a direção de Deus até que nem pecado nem morte prevaleçam.

A completa reconciliação e união do mundo com Cristo é realizada em três etapas. A primeira é a expiação na cruz, quando Cristo trouxe redenção ao pecador. A segunda é o ministério sacerdotal de Cristo (comparável ao ministério diário do sacerdócio levítico), Sua intercessão e representação perante o Pai em nosso favor, e Sua guia à igreja até o seu triunfo final. A terceira é a expiação por meio do julgamento. Sem todas estas etapas, não pode haver fim para o pecado, nem imortalidade para o homem. A destruição final do pecado e da morte vem com o fim do próprio Satanás. Talvez a negligência em compreender a obra completa de nosso Senhor, tanto na cruz como no santuário celestial, deixe o homem sem o completo conhecimento de toda a verdade, revelada pela Bíblia, quanto ao pleno significado da expiação.

A intercessão de Cristo no santuário celestial, em prol do homem, é tão essencial ao plano da redenção, como o foi Sua morte sobre a cruz. Pela Sua morte iniciou essa obra, para cuja terminação ascendeu ao Céu, depois de ressurgir. - O Grande Conflito, p. 528.

A solução final ainda não foi aplicada. A obra de julgamento no santuário celestial difere da vitória obtida por Cristo no Calvário. O Cristo vivo ministra até que a morte e o pecado não mais existam. Para o mundo ainda em pecado, a derrota final do mal nunca poderia ser realizada, única e simplesmente, por um evento que aconteceu na cruz há dois mil anos. Tanto o triunfo na cruz como a obra de Cristo como sacerdote no Céu são a esperança e a promessa de renovação e reconciliação final.

A chave para a ideia bíblica de expiação pode ser mais plenamente compreendida dentro desta perspectiva mais ampla. Tudo isto é "em Cristo" e realizado por Cristo. A culpa e a penalidade pelo pecado são agora removidas e anuladas. O crente é reconciliado com Deus e com seus semelhantes. Ele agora goza, pela imputação e pelo poder do Espírito Santo, da perfeita justiça de Cristo, que torna a comunhão com Deus um deleite e uma satisfação.

A ida de nosso exaltado Senhor ao Céu abriu o caminho para a obra de intercessão e de julgamento de Cristo e para o dia do triunfo final. Todo o Céu e todos os filhos de Deus na Terra aguardam ansiosamente aquele dia - quando Deus executará o juízo e a reconciliação final de todas as coisas consigo mesmo.

Vi um novo céu e uma nova terra; porque o primeiro céu e a primeira terra passaram... E eu, João, vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, preparada como uma noiva adornada para o seu marido. E ouvi uma grande voz do céu, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens, e habitará com eles, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles, e será o seu Deus. (Apocalipse 21:1-3).




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