10. Essa consideração também esclarece o grande erro daqueles que ousadamente se aventuram a explicar e interpretar as palavras de Deus por seu próprio julgamento, fazendo mau uso de sua razão e sustentando a opinião de que essas palavras são como uma obra humana. O próprio Deus instituiu uma autoridade viva para estabelecer e ensinar o significado verdadeiro e legítimo de Sua revelação celestial. Essa autoridade julga infalivelmente todas as disputas que se referem a questões de fé e moral, para que os fieis não sejam levados por todo vento de doutrina que brota da maldade dos homens em um erro abrangente. E essa autoridade infalível viva está ativa somente na Igreja que foi edificada por Cristo, o Senhor, sobre Pedro, o cabeça de toda a Igreja, líder e pastor, cuja fé Ele prometeu que nunca falharia. Essa Igreja tem tido uma linha de sucessão ininterrupta desde o próprio Pedro; esses pontífices legítimos são herdeiros e defensores do mesmo ensinamento, posição, ofício e poder. E a Igreja está onde Pedro está, e Pedro fala no Romano Pontífice, vivendo em todos os momentos em seus sucessores e fazendo julgamentos, fornecendo a verdade da fé àqueles que a procuram. As palavras divinas, portanto, significam o que esta Sé Romana do abençoadíssimo Pedro mantém e tem mantido.
O Concílio Vaticano I (1869-1870) reafirmou o dogma da infalibilidade ao decretar: [2]
Por isso Nós, apegando-nos à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus, nosso Salvador, para exaltação da religião católica, e para a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis. Se, porém, alguém ousar contrariar esta nossa definição, o que Deus não permita, - seja excomungado.
Um livreto intitulado A Doutrina Cristã [3] traz este breve, mas significativo diálogo:
P. Pode a Igreja errar, quando nos manda crer em alguma coisa?
R. Não; a Igreja não pode errar quando nos manda crer em alguma coisa, porque é assistida e guiada pelo Espírito Santo, e por isso é infalível.
P. O Papa também é infalível?
R. Sim; o Papa é infalível.
Note, portanto, que a submissão à autoridade papal deve aplicar-se não somente aos decretos ex cathedra, como atesta a seguinte declaração oficial da Igreja: [4]
25. .... Ensinando em comunhão com o Romano Pontífice, devem [os bispos] por todos ser venerados como testemunhas da verdade divina e católica. E os fiéis devem conformar-se ao parecer que o seu Bispo emite em nome de Cristo sobre matéria de fé ou costumes, aderindo a ele com reverente assentimento. Esta religiosa submissão da vontade e do entendimento é por especial razão devida ao magistério autêntico do Romano Pontífice, mesmo quando não fala ex cathedra; de maneira que o seu supremo magistério seja reverentemente reconhecido, se preste sincera adesão aos ensinamentos que dele emanam, segundo o seu sentir e vontade; estes manifestam-se sobretudo quer pela índole dos documentos, quer pelas frequentes repetições da mesma doutrina, quer pelo modo de falar....
Convém considerar ainda a explicação do monsenhor Joseph Clifford, da qual cito os seguintes parágrafos: [5]
Apesar das opiniões divergentes sobre a existência do ensinamento pontifício infalível nas cartas encíclicas, há um ponto em que todos os teólogos estão manifestamente de acordo. Todos eles estão convencidos de que todos os católicos são obrigados, em consciência, a dar um assentimento religioso interno definido às doutrinas que o Santo Padre ensina quando fala à Igreja universal de Deus na terra sem empregar seu carisma de infalibilidade dado por Deus. Assim, prescindindo da questão de se alguma encíclica individual ou grupo de encíclicas pode ser considerado como contendo ensinamentos especificamente infalíveis, todos os teólogos concordam que deve haver esse consentimento religioso aos ensinamentos que o Soberano Pontífice inclui nesses documentos. Esse consentimento é devido, como observou Lercher, até que a Igreja decida modificar o ensinamento previamente apresentado ou até que apareçam razões proporcionalmente sérias para abandonar o ensinamento não-infalível contido em um documento pontifício. Não é preciso dizer que qualquer razão que justifique o abandono de uma posição assumida em uma declaração pontifícia teria que ser realmente muito séria.Deve ser definitivamente entendido, entretanto, que o dever do católico de aceitar os ensinamentos transmitidos nas encíclicas, mesmo quando o Santo Padre não propõe tais ensinamentos como parte de seu magistério infalível, não se baseia meramente no ditado dos teólogos. A autoridade que impõe essa obrigação é a do próprio Romano Pontífice. À responsabilidade do Santo Padre de cuidar das ovelhas do redil de Cristo, corresponde, por parte dos membros da Igreja, a obrigação básica de seguir suas orientações, tanto em questões doutrinárias quanto disciplinares. Nesse campo, Deus concedeu ao Santo Padre um tipo de infalibilidade distinto do carisma da infalibilidade doutrinária no sentido estrito. Ele construiu e ordenou a Igreja de tal forma que aqueles que seguem as diretrizes dadas a todo o reino de Deus na Terra nunca serão levados à posição de se arruinarem espiritualmente por meio dessa obediência. Nosso Senhor habita em Sua Igreja de tal forma que aqueles que obedecem às diretrizes disciplinares e doutrinárias dessa sociedade jamais poderão desagradar a Deus por meio de sua adesão aos ensinamentos e às ordens dadas à Igreja militante universal. Portanto, não pode haver nenhuma razão válida para desconsiderar até mesmo a autoridade de ensino não-infalível do vigário de Cristo na Terra....A aceitação interna que os católicos são obrigados a dar à parte do ensinamento da Igreja que não é apresentada absolutamente como infalível é descrita como um 'assentimento religioso'. Ele é verdadeiramente religioso em razão de seu objeto e de seus motivos. A conclusão do Concílio do Vaticano em sua Constituição Dei Filius enfatiza o objetivo religioso desse consentimento. Os fieis são lembrados de sua obrigação de crer nos pronunciamentos doutrinários das Congregações Romanas porque essas declarações denunciam e proíbem erros definidos que estão intimamente ligados à 'maldade herética' e que, portanto, se opõem à pureza da fé. Os ensinamentos que contradizem erros desse tipo são obviamente de caráter religioso, pois lidam mais ou menos diretamente com o conteúdo da revelação divina, o corpo de verdade que guia e orienta a Igreja de Deus em sua adoração....O 'assentimento religioso' do qual os teólogos falam é devido aos pronunciamentos doutrinários individuais das várias Congregações Romanas. Ele é devido, em bases manifestamente mais fortes, aos pronunciamentos doutrinários individuais não apresentados como ensinamentos infalíveis, mas estabelecidos em encíclicas papais. Novamente, a obrigação é ainda mais forte no caso de um conjunto de ensinamentos apresentados em uma série de encíclicas.Seria manifestamente uma falha muito séria da parte de um escritor ou professor católico nesse campo, agindo por sua própria autoridade, deixar de lado ou ignorar qualquer um dos pronunciamentos doutrinários notáveis da Rerum novarum ou da Quadragesimo anno, independentemente de quão fora de moda esses documentos estejam em uma determinada localidade ou em um determinado momento. No entanto, seria um pecado muito mais grave da parte desse professor deixar de lado ou desconsiderar uma parte considerável dos ensinamentos contidos nessas encíclicas trabalhistas. Exatamente da mesma forma e exatamente pela mesma razão, seria gravemente errado contrariar qualquer pronunciamento individual de destaque nas encíclicas que tratam das relações entre a Igreja e o Estado, e muito pior seria ignorar ou desconsiderar todos os ensinamentos ou uma grande parte dos ensinamentos sobre esse tópico contidos nas cartas de Pio IX e Leão XIII.É possível, é claro, que a Igreja venha a modificar sua posição em relação a algum detalhe de ensinamento apresentado como matéria não-infalível em uma encíclica papal. A natureza da auctoritas providentiae doctrinalis dentro da Igreja é tal, entretanto, que essa falibilidade se estende a questões de detalhes relativamente minuciosos ou de aplicação particular. O corpo de doutrina sobre os direitos e deveres do trabalho, sobre a Igreja e o Estado, ou sobre qualquer outro assunto tratado extensivamente em uma série de cartas papais dirigidas e normativas para toda a Igreja militante não poderia ser radical ou completamente errôneo. A segurança infalível que Cristo deseja que Seus discípulos desfrutem em Sua Igreja é totalmente incompatível com tal possibilidade....É bem provável que alguns dos ensinamentos apresentados com base na autoridade das várias encíclicas papais sejam declarações infalíveis do Soberano Pontífice, exigindo o consentimento da fides ecclesiastica. É absolutamente certo que todos os ensinamentos contidos nesses documentos e que dependem de sua autoridade merecem pelo menos um assentimento religioso interno de todos os católicos. Portanto, não encontramos nada que se assemelhe a uma negação direta da autoridade dessas cartas por parte dos professores católicos....A autoridade do Santo Padre está por trás de suas próprias declarações individuais, exatamente como elas são encontradas nas encíclicas. Quando um teólogo particular se aventura a analisar essas declarações e afirma encontrar um princípio católico no qual a declaração do Santo Padre se baseia e algum modo contingente de acordo com o qual o Soberano Pontífice aplicou esse princípio católico em seu próprio pronunciamento, a única autoridade doutrinária efetiva é a do próprio teólogo particular. De acordo com esse método de procedimento, espera-se que o povo católico aceite o máximo da encíclica que o teólogo declarou ser um ensinamento católico genuíno. Esse ensinamento católico seria reconhecido como tal, não por causa da declaração do Santo Padre na encíclica, mas por causa de sua inclusão em outros monumentos da doutrina cristã.É muito difícil ver onde esse processo pararia. Os homens que adotariam esse curso inevitavelmente se forçariam a tratar todos os pronunciamentos doutrinários dos papas segundo a moda dos ensinamentos de teólogos particulares. Os escritos dos Pontífices anteriores certamente não são mais autorizados do que os dos Soberanos Pontífices mais recentes. Se um homem escolhe dissecar as encíclicas do Papa Leão XIII, não há razão para que os documentos que emanam de Gelásio ou de São Leão I não sejam submetidos ao mesmo processo. Se as declarações de Pio IX não são válidas exatamente como estão, é difícil ver como as de qualquer outro Pontífice Romano são mais autorizadas.Há, é claro, uma tarefa definida que cabe aos teólogos particulares no processo da Igreja de levar os ensinamentos das encíclicas papais ao povo. O teólogo particular tem a obrigação e o privilégio de estudar esses documentos, para chegar a um entendimento do que o Santo Padre realmente ensina e, então, ajudar na tarefa de levar esse conjunto de verdades ao povo. Entretanto, o Santo Padre, e não o teólogo particular, continua sendo a autoridade doutrinária. Espera-se que o teólogo traga à tona o conteúdo do ensinamento real do Papa, e não que submeta esse ensinamento ao tipo de crítica que ele teria o direito de impor aos escritos de outro teólogo particular.
Notas e referências
1. Pius IX. Qui Pluribus (on Faith and Religion), Encyclical promulgated on 9 November 1846. Acesso em: 22 set. 2011, 09h29min. [O documento também pode ser acessado através deste link.]2. Concílio Vaticano I. Cap. IV - O Magistério Infalível do Romano Pontífice, #1839 e 1840. Montfort Associação Cultural. Acesso em: 20 out. 2011, 09h21min.
3. Doutrina Cristã. São Paulo: Edições Paulinas, 1953, p. 13.
4. Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. Capítulo III. A Constituição Hierárquica da Igreja e em especial do Episcopado.
5. "The Doctrinal Authority of Papal Encyclicals", by Msgr. Joseph Clifford Fenton. Exact from the American Ecclesiastical Review, Vol. CXXI, August, 1949, p. 136-150.
5. "The Doctrinal Authority of Papal Encyclicals", by Msgr. Joseph Clifford Fenton. Exact from the American Ecclesiastical Review, Vol. CXXI, August, 1949, p. 136-150.
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