A "medição" do santuário de Deus e dos adoradores



Qualquer discussão séria sobre a adoração de Deus deve levar em conta a perspectiva do Apocalipse sobre o assunto. É o que procuramos fazer nos artigos anteriores, ao considerarmos, ainda que genericamente, as razões do por quequando e como devemos adorar a Deus.

A própria singularidade da estrutura literária do Apocalipse, disposta a partir do ponto de vista do ministério de Cristo no santuário celestial, justifica essa conclusão, pois o santuário e a adoração estão, naturalmente, ligados.

Assim é que o tema da adoração constitui o foco das profecias do Apocalipse, em particular daquelas relacionadas ao tempo do fim.

E o registro de João a respeito da maneira como os seres celestiais adoram a Deus, em absoluta reverência e santidade, tem muito a nos ensinar sobre a natureza da adoração e até mesmo a espécie de louvor que Deus espera de Seus verdadeiros adoradores.

Alegar que a Sagrada Escritura não fornece diretrizes claras acerca de detalhes como esse é fechar os olhos à plena suficiência da revelação de Jesus Cristo por intermédio de Seus servos, os profetas.

É mister, pois, que deixemos a Palavra de Deus falar à nossa mente, e, à medida que ela nos conduz para a obra de Cristo em Seus santuário, possamos obter uma compreensão e uma experiência mais profundas da adoração aceitável a Deus.

Colocando o assunto na perspectiva certa


Quando notamos que a mensagem pastoral e profética do Apocalipse é estruturada do ponto de vista da obra celestial de Cristo no santuário, não só a nossa visão dos fatos ali narrados muda substancialmente, mas também a nossa própria vida!

Produz-se na alma maior senso de necessidade, de urgência, de comprometimento com o Senhor face à Revelação, condição essencial para que haja reavivamento e reforma entre o povo de Deus. (1)

Tal senso enche o nosso coração de um gozo inexprimível e paz abundante, porque desperta-nos para aquilo que realmente importa, isto é, às questões de interesse eterno! Nada que o mundo proporcione pode satisfazer-nos nesse sentido (I João 2:17).

Mas representa também uma advertência para nós, visto que, mediante a obra de nosso grande Sumo Sacerdote no local do trono de Deus, o caráter de cada adorador está sendo avaliado à luz de seu relacionamento com Cristo e Sua Palavra.

Poderia haver um assunto mais solene e de maior importância? Que o destino de cada adorador que professa o nome de Jesus esteja sendo eternamente determinado, para o bem ou para o mal (I Pedro 4:17-18; Apocalipse 22:11)?

Da mesma forma que o israelita olhava para o antigo tabernáculo em busca de salvação, devemos hoje pela fé fixar nossos olhos em Cristo e na Sua obra conclusiva no santuário celestial. O nosso destino eterno depende disso.

Medindo o santuário e seus adoradores


Apesar de o santuário ser central no livro de Apocalipse, a primeira metade do livro apresenta apenas o simbolismo do primeiro compartimento [o Lugar Santo], com a ação mudando para o segundo compartimento [Lugar Santíssimo] em Apocalipse 11:19. (2)

Essa extraordinária mudança na dinâmica da revelação de Jesus Cristo, determinada pela obra profética do "anjo forte" de Apocalipse 10, é de grande significação para o crente, especialmente do ponto de vista da adoração!

E qual visão João recebeu logo após essa significativa transição na revelação profética? A visão sobre a medição do santuário de Deus e de Seus adoradores!

Foi-me dado um caniço semelhante a uma vara, e também me foi dito: Dispõe-te e mede o santuário de Deus, o seu altar e os que naquele adoram; mas deixa de parte o átrio exterior do santuário e não o meças, porque foi ele dado aos gentios; estes, por quarenta e dois meses, calcarão aos pés a cidade santa. (Apocalipse 11:1-2)

A medição do templo de Deus e de Seus adoradores e a abertura do Lugar Santíssimo do santuário celestial descrita no verso 19 são acontecimentos equivalentes. Ambas as visões se referem a um único e mesmo evento, e são reveladas no interlúdio entre a sexta e a sétima trombetas, ou seja, no período que corresponde ao tempo do fim.

Antes que possamos considerar o significado dessa visão, é de vital importância perceber como nosso Salvador estabelece uma clara distinção entre os verdadeiros e os falsos adoradores.

Cristo conhece Sua igreja


Em primeiro lugar, Cristo conhece os que Lhe pertencem (II Timóteo 2:19)!

Na primeira experiência visionária de João, o Filho do Homem é a figura central, o Rei-Sacerdote, que anda entre os sete candeeiros de ouro, cada qual simbolizando, em seu sentido histórico, diferentes períodos da experiência da igreja (Apocalipse 1:12-13, 20)!

A garantia da presença de Jesus é, para a igreja militante, motivo de seu maior regozijo e esperança, sendo que a visão reafirma a promessa do Salvador feita a ela na pessoa de Seus discípulos (Mateus 28:20)!

Se o candeeiro fosse deixado à mercê dos homens, a frágil chama certamente se extinguiria, e o mundo seria entregue à densa escuridão. É o constante cuidado de Cristo que a sustém, e assegura pela Sua graça que a luz que procede dEle ilumine as regiões mais distantes da Terra.

Por outro lado, os contrastes entre a igreja com a qual Cristo Se identifica e os professos adoradores saltam aos olhos!

Nosso Sumo Sacerdote conhece o labor e a perseverança de Seu povo, ao passo que identifica os professos apóstolos como homens hipócritas e mentirosos (Apocalipse 2:2). Acompanha de perto a tribulação de Sua igreja, porém caracteriza os seguidores nominais como a "sinagoga de Satanás" (verso 9).

Cristo olha com vívido interesse para os que conservam o Seu nome e não negam a Sua fé, enquanto que os falsos discípulos são associados à Balaão, o profeta mercenário (versos 13-14). Conhece as obras de fé de Sua igreja, mas expõe aqueles que se declaram Seus porta-vozes e não o são (versos 19-20).

Por fim, nosso Redentor reconhece o remanescente que se conserva puro em Sua presença, ao passo que os adoradores de fachada são por Ele considerados como estando mortos (Apocalipse 3:4, 1).

A "medição": um ato sobremodo solene


Tais contrastes são fundamentais para se compreender a visão de João em Apocalipse 11:1-2. Ao receber do Céu um "caniço semelhante a uma vara", ele é ordenado a medir "o santuário de Deus, o seu altar e os que naquele adoram".

A cena nos remete a duas experiências similares no Antigo Testamento - o contexto mais amplo que nos ajudará a esclarecer essa passagem.

Tanto Ezequiel (1:16; 2:1-5) como Zacarias (40-48) descrevem visões nas quais um mensageiro celeste mede o novo templo prometido e a cidade de Deus.

Em ambas as visões, Deus promete a restauração e preservação da adoração verdadeira entre os israelitas depois de seu retorno do cativeiro babilônico - a adoração pura, completamente separada da iniquidade e das coisas que a contaminam!

Em síntese, o ato de medir seria, então, a ação de Deus no sentido de restaurar e manter pura a adoração legítima e garantir a integridade e segurança dos verdadeiros adoradores.

Há, porém, no Antigo Testamento uma terceira experiência que é decisiva na interpretação de Apocalipse 11:1-2.

Trata-se da descrição do Dia da Expiação encontrada em Levítico 16, e que também tinha a função de purificar! No verso 33, lemos:

Fará expiação pelo santuário, pela tenda da congregação e pelo altar; também a fará pelos sacerdotes e por todo o povo da congregação.

Os mesmos elementos e a mesma sequência aparecem em Apocalipse 11:1 - o santuário, o altar e os adoradores, com a omissão dos sacerdotes, pois, no Novo Testamento, Cristo é o verdadeiro Sumo Sacerdote que não necessita de expiação para Si mesmo!

Um dia de medição ou juízo


De modo que a experiência de João na visão se refere à medição do santuário e dos adoradores em termos de juízo ou separação "entre o justo e o perverso, entre o que serve a Deus e o que não o serve" (Malaquias 3:18).

Com exceção do sacerdócio, pela razão apresentada logo acima, as outras três entidades que necessitam da expiação em Levítico 16 são precisamente os três elementos a serem "medidos" em Apocalipse 11:1, e exatamente na mesma ordem!

Ken Strand, citado por George Knight, esclarece que "o antigo Dia da Expiação era uma espécie de dia final de medida dentro do ano religioso israelita. Havia uma aura de julgamento final em relação a ele, pois nesse dia deveria ocorrer separação". (3)

O ato de medir significa, portanto, separar a comunidade santa da falsa adoração e preservar a adoração verdadeira no "santuário de Deus". No Apocalipse, o "templo de Deus" é fundamentalmente o templo celestial onde Cristo ministra ante o trono de Deus (Apocalipse 5:6-10; 7:14-19; 11:19). (4)

É por isso que nos referimos no princípio à medição do santuário e dos adoradores (Apocalipse 11:1) e à abertura do Lugar Santíssimo do santuário celestial (verso 19) como um mesmo evento dentro da experiência visionária de João.

O santuário a ser medido não é o templo judeu, que já não mais existia nos dias em que João recebeu essa visão, mas o santuário de Deus no Céu, para o qual olham pela fé os fiéis adoradores!

Lembre-se: A ênfase não é étnica ou geográfica, mas cristocêntrica! Cristo é o agente e, ao mesmo tempo, o objeto central das profecias, e, por extensão, a Sua igreja.

Na perspectiva ampliada do Apocalipse, a "medição" se refere à obra final de Cristo em Seu santuário, que visa à vindicação do templo celestial e de seus leais adoradores, face às pretensas reivindicações de santidade e autoridade do anticristo (Daniel 8:9-12; Apocalipse 13:4, 8, 11-17)!

Vindicação dos fiéis adoradores


Note que, na visão, o átrio exterior do santuário não deve ser medido, "porque ele foi dado aos gentios; estes, por quarenta e dois meses, calcarão aos pés a cidade santa" (Apocalipse 11:2).

Isso revela que João deveria "medir" somente os adoradores de Deus, o grupo que tem o direito de estar onde os gentios não podem ingressar (Hebreus 10:19-23), embora aqueles ainda estejam fisicamente no mundo. O grande átrio exterior representa, sem dúvida, a Terra, em contraste com o santuário de Deus no Céu.

A menção ao período de opressão à "cidade santa" - quarenta e dois meses - é inédita no Apocalipse, e constitui a primeira referência ao material profético de Daniel envolvendo tempo.

Refere-se ao período de supremacia do "chifre pequeno", ou anticristo (Daniel 7:25), que persegue os adoradores de Deus, descritos em Apocalipse 11:2 como "cidade santa", em contraste com a "grande cidade", Babilônia (17:18), que representa os opressores.

Esse "chifre fazia guerra contra os santos e prevalecia contra eles, até que veio o Ancião de Dias e fez justiça aos santos do Altíssimo; e veio o tempo em que os santos possuíram o reino" (Daniel 7:21-22).

A justiça que o profeta menciona é garantida mediante um juízo que tem lugar na sede de operações no Céu (Daniel 7:9-10), um tribunal divino que entra em sessão algum tempo depois do período de atividade do chifre pequeno (verso 25), a fim de tirar-lhe o domínio e dá-lo ao "povo dos santos do Altíssimo" (versos 26-27)!

É a esse juízo que a mensagem do primeiro anjo de Apocalipse 14:6-7 se refere!

A visão de abertura da seção do Apocalipse em que a dinâmica da revelação profética passa a ocorrer na perspectiva do segundo compartimento do santuário celestial - visão que se refere à medição do santuário de Deus e de Seus adoradores - aponta justamente para o mesmo evento antecipado em Daniel, o que conecta as duas visões!

Que esperança há aqui para os genuínos adoradores de Deus!

Entre o sexto e o sétimo selos (Apocalipse 7), encontra-se entre parênteses a garantia de que, a despeito dos terrores que cercam a segunda vinda de Cristo (6:15-17), Deus tem um povo que prevalecerá.

De maneira semelhante, o parêntese entre a sexta e a sétima trombetas também funciona como uma garantia de que, em meio aos horrores ligados ao toque das trombetas, o templo de Deus, isto é, o plano da redenção aqui retratado, e Seus verdadeiros adoradores estão seguros. (5)

Conclusão


A separação final e definitiva entre os fiéis adoradores e os idólatras já está ocorrendo! Não é um acontecimento a ter lugar num futuro distante. O anjo portador do evangelho eterno em Apocalipse 14 adverte que este tempo chegou!

Hoje, os adoradores de Deus estão sendo "medidos" com base na perfeita norma da justiça divina e à luz dos registros nos livros do Céu, enquanto que os poderes da religião apóstata vão se intensificando, à medida que o tempo transcorre.

Podemos estar certos de que, a julgar pela presente ordem de coisas nos níveis ambiental, político, econômico, social e religioso, nosso Sumo Sacerdote está para encerrar Seu ministério final no santuário celestial.

O veredito que se pronunciará a nosso respeito na qualidade de adoradores dependerá de nossa relação com Cristo a partir da "palavra de Deus" e do "testemunho de Jesus", porque é justamente por meio destas duas grandes colunas da fé que podemos discernir os limites entre a adoração verdadeira e a falsa, entre o santo e o comum.

A renovação da adoração verdadeira no meio do povo de Deus só pode se tornar uma realidade dentro de uma percepção renovada do mandato do Céu à igreja do tempo do fim (Apocalipse 10 e 11), que a reaviva e a ilumina com um conhecimento mais profundo do livro de Daniel sob a guia do Espírito Santo.

Restaurar esse legado profético entre nós hoje, de modo a reavivar a legítima adoração de Deus, é tudo o que importa.

Notas e referências


1. De fato, Ellen G. White ressalta que a compreensão dos eventos finais antecipados no Apocalipse é condição essencial para que haja essa dupla experiência na igreja remanescente. Ela escreve: "Os perigos dos últimos dias estão sobre nós, e por nosso trabalho devemos advertir o povo do perigo em que está. Não deixeis que as cenas solenes que a profecia tem revelado sejam deixadas por tocar. Se nosso povo estivesse meio desperto, se reconhecesse a proximidade dos acontecimentos descritos no Apocalipse, realizar-se-ia uma reforma em nossas igrejas, e muitos mais creriam na mensagem." - Testemunhos para Ministros e Obreiros Evangélicos, p. 118.

2. George R. Knight. A Visão Apocalíptica e a Neutralização do Adventismo: Estamos apagando nossa relevância? Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010, p. 68.

3. Ibid., p. 67 e 68.

4. Hans K. LaRondelle. As Profecias do Tempo do Fim. XIX - A Missão Profética das Testemunhas de Deus - Apocalipse 11.

5. Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia. Volume 7. Vanderlei Dorneles (Ed.). Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014, p. 886.

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