O Dia da Expiação ou juízo



A vida e a santidade do antigo Israel estavam centralizadas no santuário. Esse espaço inigualável era uma reprodução em miniatura do centro divino de operações no Céu, a habitação terrestre do próprio Deus por meio da qual Ele prometia e revelava o método divino de redenção que viria na pessoa de Jesus Cristo.

No sistema israelita de sacrifícios e ministério sacerdotal, o Senhor lidava com a tragédia do pecado e colocava ao alcance do pecador a solução divina para esse problema.

O altar do holocausto no átrio ou pátio exterior era o local em que o sangue dos sacrifícios era oferecido para fazer expiação pelo povo (Levítico 17:11).

No serviço diário, o pecador contrito levava o animal do sacrifício para o santuário e, estendendo a mão sobre a cabeça da vítima inocente, confessava sua culpa perante Deus. A imposição das mãos estava associada ao objetivo fundamental do sacrifício: "para que seja aceito a favor dele, para a sua expiação" (Levítico 1:4).

Por esse ato, o pecador arrependido se identificava completamente com a vítima sacrifical, e reconhecia que, pela violação da lei de Deus, encontrava-se em um estado de culpa e alienação, e, portanto, condenado à morte. Contudo, mediante a oferta sacrifical, o pecado e a penalidade incidiam sobre o animal do sacrifício, e não sobre o pecador, cuja vida era então poupada por Deus. Isso se cumpriu na morte de Cristo na cruz. Ele assumiu o nosso pecado e sofreu a penalidade que deveria ter sido nossa, a fim de que, nEle, pudéssemos ter vida, e vida em abundância (João 10:10)!

Depois da imposição das mãos e da morte do animal, o sangue era levado pelo sacerdote ao santuário (Levítico 4:5, 16), sendo que uma parte dele era aspergida sete vezes diante do véu que separava o Lugar Santo do Lugar Santíssimo (versos 6, 17), e a outra parte, colocada sobre os chifres do altar de incenso aromático (versos 7, 18). No caso da oferta pelo pecado de um príncipe ou cidadão comum, o sangue não era levado para o Lugar Santo, mas o sacerdote oficiante deveria comer a carne da oferta pelo pecado (Levítico 6:25-30). Desse modo, o sacerdote levava figuradamente sobre si a iniquidade, o que faria a expiação pelo pecador.

Em todo caso, os pecados do pecador eram simbolicamente transferidos para o santuário, que assumia a responsabilidade por eles. A obra do sacerdote de levar o pecado de outra pessoa nalgumas situações, e em outras, de trazer o sangue para o Lugar Santo do tabernáculo prefigurava o que nosso bendito Redentor fez e está fazendo por nós. Cristo é tanto o Cordeiro de Deus quanto o Sacerdote-Mediador (João 1:29; Hebreus 8:1-2, 6). Ele não tinha nenhum pecado em Si mesmo, e, por isso, como Sacerdote, poderia levar a culpa de todo o mundo em Seu próprio corpo e ministrar os benefícios de Seu sangue derramado na cruz no santuário celestial, na nova aliança!

Ao longo do ano, todos os tipos de pecados e impurezas rituais eram transferidos para o santuário hebreu mediante os sacrifícios levados pelos pecadores arrependidos, o que, naturalmente, contaminava os lugares santos. Uma obra especial se tornava necessária para sua remoção, de modo que o tabernáculo fosse restaurado à sua original pureza e santidade. O serviço anual, chamado Dia da Expiação, era então o tempo solene designado por Deus para essa obra final de purificação do santuário e do povo. Era, portanto, o clímax de todo o sistema levítico, em que o sumo sacerdote, sozinho, entrava no Lugar Santíssimo, na presença de Deus, para fazer uma expiação final pelos israelitas e pelo tabernáculo.

Disse mais o SENHOR a Moisés: Mas, aos dez deste mês sétimo, será o Dia da Expiação; tereis santa convocação e afligireis a vossa alma; trareis oferta queimada ao SENHOR. Nesse mesmo dia, nenhuma obra fareis, porque é o Dia da Expiação, para fazer expiação por vós perante o SENHOR, vosso Deus. Porque toda alma que, nesse dia, se não afligir será eliminada do seu povo. Quem, nesse dia, fizer alguma obra, a esse eu destruirei do meio do seu povo. (Levítico 23:26-30).

Há aqui expressões bastante significativas que descrevem o Dia da Expiação como um evento sobremodo solene: "santa convocação", "afligireis a vossa alma", "nenhuma obra fareis". Tratava-se, pois, de um dia sem igual para Israel, o único dia de jejum obrigatório, de absoluto descanso, em que, à semelhança do sábado semanal, proibia-se todo tipo de trabalho. Era também um dia de julgamento, pois toda a alma que não se afligisse nessa ocasião, isto é, que não procedesse a um solene exame de consciência diante de Deus seria eliminada do seu povo. Da mesma forma, qualquer pessoa que trabalhasse nesse dia, Deus a destruiria. O rigor dessa sentença enfatizava a solenidade da obra da salvação e juízo, um assunto sobre o qual o israelita jamais deveria ser leviano.




A solenidade envolvendo o Dia da Expiação tornava essa ocasião única para Israel. Martin Pröbstle, autor da Lição da Escola Sabatina do último trimestre de 2013, ressalta esse fato ao mencionar que Levítico 16, um capítulo que trata em detalhe da celebração do Dia da Expiação, foi intencionalmente colocado no centro do livro de Levítico, que está no centro do Pentateuco, para ilustrar o santíssimo caráter desse ritual (ver ilustração acima). Na verdade, o Dia da Expiação era o dia mais sagrado do ano, quando a pessoa mais santa de Israel (o sumo sacerdote) entrava no lugar mais santo da Terra (o Lugar Santíssimo) para realizar a obra mais sagrada de todas (a purificação do santuário, a obra da expiação final).

A cerimônia anual da expiação e seu significado


O ritual realizado nesse dia era único em sua natureza e propósito. Depois que o sumo sacerdote sacrificava um novilho por seus pecados, de maneira a estar ele mesmo purificado para entrar no Lugar Santíssimo do santuário e efetuar a cerimônia da purificação (Levítico 16:3, 6), dois bodes eram trazidos à presença de Deus, "à porta da tenda da congregação" (verso 7). Lançavam-se sortes sobre ambos os bodes: "uma, para o Senhor, e a outra, para o bode emissário" (verso 8). O bode para o Senhor era oferecido por oferta pelo pecado, ao passo que o bode emissário deveria ser apresentado vivo perante o Senhor, a fim de realizar um tipo específico de expiação (versos 9, 10).

O ritual se justificava porque o santuário assumia a responsabilidade pelos pecados e impurezas confessados dia após dia durante o ano pelos pecadores arrependidos, o que contaminava cumulativamente o santuário, tornando-se necessária uma purificação anual no Dia da Expiação. Nesse dia, a purificação do tabernáculo e do povo constituía a obra central do ministério sumo sacerdotal, o ponto culminante dos serviços levíticos para o qual cada israelita volvia toda a sua atenção, em reverente expectativa e profundo exame de consciência, pois "naquele dia, se fará expiação por vós, para purificar-vos; e sereis purificados de todos os vossos pecados, perante o Senhor" (Levítico 16:30).

No ministério diário ou contínuo realizado cada dia ao longo do ano, os pecados confessados eram removidos do pecador e transferidos para o santuário, mas na cerimônia anual da expiação efetuava-se uma obra final de remoção de pecados, não executada pelo serviço diário. O sangue dos sacrifícios contínuos era o veículo que simbolicamente transportava os pecados confessados para o tabernáculo, contaminando, assim, os lugares santos, porém o sangue do bode para o Senhor no Dia da Expiação não contaminava esses lugares, mas os purificava dos pecados dos filhos de Israel, pelos quais o santuário havia assumido a responsabilidade. Ellen G. White esclarece esse ponto ao escrever em Patriarcas e Profetas, p. 357:

O sangue de Cristo, ao mesmo tempo que livraria da condenação da lei o pecador arrependido, não cancelaria o pecado; este ficaria registrado no santuário até à expiação final; assim, no cerimonial típico, o sangue da oferta pelo pecado removia do penitente o pecado, mas este permanecia no santuário até ao dia da expiação.

O serviço anual da expiação era, pois, definitivo e abrangente em seus efeitos. Beneficiava o santuário como um todo e toda a congregação dos filhos de Israel, que necessitavam ser purificados de suas impurezas e transgressões e de todos os seus pecados (Levítico 16:16). Naquele dia, realizava-se uma purificação total, uma completa remoção do pecado, pela qual se consumava a salvação, experimentada nos serviços diários.

A cerimônia com os dois bodes revelava de maneira inequívoca dois aspectos distintos do trato de Deus com o problema do pecado. O primeiro bode, cujo sangue era derramado e por meio do qual o santuário e o povo eram purificados, apontava para a expiação feita por Cristo pelos nossos pecados. O outro bode, cujo sangue não era derramado, não tinha parte na efetivação da redenção pessoal, pois "sem derramamento de sangue, não há remissão" (Hebreus 9:22). Ele apontava para a final e completa erradicação do pecado, em consequência da redenção efetuada por Cristo. Erradicar o pecado envolve a eliminação de Satanás e de seus seguidores, uma certeza prefigurada pelo isolamento do segundo bode.

Vejamos tudo isso mais de perto!

A função mais importante do sumo sacerdote era a de servir de mediador entre Deus e os homens. Ambos encontram-se separados em função do pecado do homem, e a expiação, em suas fases de redenção na cruz, de intercessão no Céu e de juízo, é a maneira de Deus reconciliar-Se com o homem, de conquistá-lo e trazê-lo de volta a Ele. No Dia da Expiação, o sumo sacerdote se tornava um exemplo vivo de Cristo, na medida em que sua obra definitivamente purificava e reconciliava o povo com Deus e bania a presença do pecado do acampamento. Tal é o trabalho de Cristo no santuário celestial em nosso favor (Romanos 8:34; Apocalipse 3:5). Assim como os israelitas olhavam com grande interesse e reverência para o sumo sacerdote em sua atividade no Dia da Expiação, assim devemos nós hoje olhar com os mesmos sentimentos para Cristo em Sua obra de expiação final no Céu!

As atividades do sumo sacerdote no Dia da Expiação ensinavam que o ministério de Cristo em nosso favor vai muito além de Seu ato de redenção na cruz. Elas apontavam para a solução final do problema do pecado, seu efetivo banimento pela destruição de seu originador, Satanás, em última instância o responsável por todos os pecados que afligem o mundo e causam desarmonia no Universo, e que exigiram a vida do Filho de Deus.

Ora, Cristo não está interessado em perdoar pecados indefinidamente. A natureza de Seu caráter exige muito mais do que somente perdão, mas um enfrentamento do problema do pecado até ao seu último limite. Como lembra Edward Heppenstall, o grandioso propósito de nosso Senhor não é somente perdoar pecados, mas triunfar sobre eles e erradicá-los. Satanás ainda está em plena atividade, ao causar miséria, sofrimento e dor em toda parte. O aumento vertiginoso do pecado e de suas consequências está além da capacidade de descrever. Porém o pecado e os pecadores contumazes serão finalmente isolados, banidos e destruídos (Malaquias 4:1).

Não admira, pois, que o Dia da Expiação fosse o ato culminante do ministério do santuário terrestre. Ele ilustrava a solução final para o problema do pecado, que inclui a destruição de seu originador. Prefigurava nosso grande Sumo Sacerdote em Sua dupla função de Redentor e Juiz, assim como o sumo sacerdote na antiga dispensação efetuava durante a expiação anual uma obra de redenção e juízo. Se o evangelho não tivesse essa dimensão - a certeza de um juízo divino que condena o pecado à sua final destruição -, o mal jamais seria erradicado. Nesse caso, os pecadores seriam estimulados a uma contínua rebelião contra Deus, e o caos se perpetuaria. A justiça de Deus deve triunfar pela eliminação do pecado até ao seu último vestígio.

A destruição do pecado e de seu originador


Tendo em vista essa grandiosa verdade, percebe-se uma dupla expiação acontecendo no serviço anual do santuário levítico, em que o tabernáculo era restaurado à sua original pureza e santidade, e o povo, trazido a uma relação mais íntima com Deus. O bode para o Senhor, representando Jesus Cristo, era oferecido por oferta pelo pecado, ou oferta de purificação. Essa oferta era determinante para fazer expiação redentora pelo santuário e em favor dos sacerdotes e de todo o povo da congregação (Levítico 16:33).

Note que apenas o bode para o Senhor é mencionado como oferta pelo pecado (versos 9, 15). Somente depois de feita a purificação do santuário e do povo pela manipulação do sangue do bode para o Senhor é que entrava em cena o bode vivo, ou bode emissário, que, em hebraico, significa "pertencente a Azazel".

Ora, uma miríade de eruditos e intérpretes bíblicos sustenta que Azazel representa um ser pessoal, em oposição ao Senhor, que é também um ser pessoal. Essa conclusão é baseada unicamente no texto que estamos considerando, no qual está implicado um paralelismo intencional entre o "bode para o Senhor" e o "bode para Azazel". Ambos têm uma atuação relacionada ao problema do pecado, mas cada um deles desempenha uma função expiatória completamente distinta.

Observe que o bode vivo levava sobre si os pecados do povo, mas não vicariamente, no sentido de um substituto, como Jesus. O animal não era sacrificado, e, portanto, não tinha nenhuma participação efetiva na purificação do santuário e do povo. O bode vivo entrava em ação somente depois que estes já haviam sido purificados!

Havendo, pois, acabado de fazer expiação pelo santuário, pela tenda da congregação e pelo altar, então, fará chegar o bode vivo. Arão porá ambas as mãos sobre a cabeça do bode vivo e sobre ele confessará todas as iniquidades dos filhos de Israel, todas as suas transgressões e todos os seus pecados; e os porá sobre a cabeça do bode e envia-lo-á ao deserto, pela mão de um homem à disposição para isso. Assim, aquele bode levará sobre si todas as iniquidades deles para a terra solitária; e o homem soltará o bode no deserto. (Levítico 16:20-22)

O animal era apresentado vivo perante o Senhor e permanecia vivo até o fim da cerimônia, para fazer expiação pelo santuário e pelo povo, porém no sentido punitivo (Levítico 16:10), tendo em vista que o bode suportava a responsabilidade final pelo pecado. Assim, o bode emissário ou azazel não era um meio de expiação redentora, a não ser um veículo pelo qual o pecado e as impurezas eram efetivamente removidos do acampamento e levados ao deserto, para bem longe do povo e do santuário. Ao enviar os pecados do povo para Azazel, através do bode, esse poder estava sendo identificado como a fonte original do pecado e da impureza.

Com efeito, o Dia da Expiação anunciava em símbolos o triunfo final da santidade e pureza sobre o poder contaminante do pecado e do mal, trazendo esperança para o povo de Deus e a certeza de que Seu trono permanecerá seguro para sempre. O confronto entre Cristo e Satanás, representado pelo papel antagônico dos dois bodes, antecipava a derrota do poder adversário, responsável em última instância pelo pecado e impureza que campeiam neste mundo. Vindicava o caráter de Deus diante das acusações de Lúcifer no Céu, e resolvia de uma vez por todas que este ser deve assumir a responsabilidade por haver originado o pecado.

O destino do bode emissário tipificava, portanto, o destino de Satanás durante o milênio. João, aliás, alude a Levítico 16 em Apocalipse 20:1-3 ao descrever Satanás sendo preso por uma "grande corrente" e lançado "no abismo". Em grego, essa palavra corresponde à mesma expressão usada por Jeremias ao se referir a Terra em seu estado de desolação, "sem forma e vazia", "um deserto", em virtude dos juízos punitivos de Deus (Jeremias 4:23-26). Ellen White escreve em Patriarcas e Profetas, p. 358:

Visto que Satanás é o originador do pecado, o instigador direto de todos os pecados que ocasionaram a morte do Filho de Deus, exige a justiça que Satanás sofra a punição final. A obra de Cristo para a redenção dos homens e purificação do Universo da contaminação do pecado, encerrar-se-á pela remoção dos pecados do santuário celestial e deposição dos mesmos sobre Satanás, que cumprirá a pena final. Assim no cerimonial típico, o ciclo anual do ministério encerrava-se com a purificação do santuário e confissão dos pecados sobre a cabeça do bode emissário. Em tais condições, no ministério do tabernáculo e do templo que mais tarde tomou o seu lugar, ensinavam-se ao povo cada dia as grandes verdades relativas à morte e ministério de Cristo, e uma vez ao ano sua mente era transportada para os acontecimentos finais do grande conflito entre Cristo e Satanás, e para a final purificação do Universo, de pecado e pecadores.

Tendo em vista que o santuário terrestre era "uma figura das coisas que se acham nos céus" (Hebreus 9:23), a obra de expiação final ou julgamento realizada no Dia da Expiação prefigurava o ministério sumo sacerdotal de Cristo como Mediador e Juiz no santuário celestial (verso 24; 8:1-2).

Assim como no serviço típico os pecados confessados do povo eram finalmente removidos do tabernáculo e levados ao deserto pelo bode emissário, sendo para sempre separados da congregação, assim Cristo, nosso Sumo Sacerdote, efetua uma expiação final e definitiva pelos pecados confessados dos verdadeiros arrependidos, os quais serão apagados dos registros do Céu, para nunca mais serem lembrados!

Esta fase derradeira e culminante da obra de Cristo em Seu santuário é o solene evento a respeito do qual as profecias outrora fechadas de Daniel se referem, e que, pela obra profética do "anjo forte" de Apocalipse 10, constitui a nota tônica do evangelho eterno para o tempo do fim.

Necessitamos compreender com mais propriedade esta dimensão do evangelho tipificada pelo Dia da Expiação, e que, desde 1844, tem se cumprido na derradeira obra de nosso Sumo Sacerdote em Seu duplo papel de Mediador e Juiz no santuário celestial. Este será o objetivo de nosso próximo post, pela graça do Senhor Jesus.

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