"Derrubem as paredes da divisão!"



Ao mesmo tempo em que Donald Trump se mostra irredutível quanto à construção de um muro na fronteira entre os EUA e o México, ele parece igualmente determinado a cumprir sua promessa de campanha envolvendo outro muro, o da separação entre Igreja e Estado, porém no sentido inverso.

Se o plano de um muro físico tem sido alvo de tantas controvérsias, a ponto de causar até mesmo um mal-estar entre o então candidato Trump e o papa Francisco, o mesmo se pode dizer do muro constitucional que garante liberdade de consciência, contra o qual vozes conservadoras vêm se opondo sistematicamente.

Não é de surpreender que o apelo para "derrubar as paredes da divisão" tenha sido a nota tônica da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos 2017, realizada de 18 a 25 de janeiro, e que evocou os 500 anos da Reforma Protestante. O tema deste ano - "Reconciliação" - foi sugerido pelo Conselho de Igrejas na Alemanha (ACK), a convite do Conselho Mundial de Igrejas!

Com o propósito de fornecer subsídios ao evento e para todo o ano de 2017, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, em conjunto com a Comissão Fé e Constituição do Conselho Mundial de Igrejas, preparou e publicou um documento de reflexão intitulado "Reconciliação, é o amor de Cristo que nos impele".

Significativamente, o documento retrata os "muros" que dividem os cristãos como símbolos do pecado, os quais "prejudicam a comunidade e unidade" dos crentes, e apela:

Confessemos nossos pecados e oremos por perdão e cura das feridas que resultaram de nossas divisões. Ao mencionarmos esses pecados veremos como eles se tornam um muro que nos divide.

O "muro de separação" de Thomas Jefferson


Em 1802, Thomas Jefferson escreveu uma carta em resposta à Associação Batista de Danbury, que lhe perguntava sobre por que ele não pretendia proclamar dias nacionais de jejum e ação de graças, como haviam feito seus predecessores, George Washington e John Adams. A carta de Jefferson contém a célebre frase que nos remete à Cláusula do Não-Estabelecimento em vigor nos EUA: "um muro de separação entre Igreja e Estado".

Jefferson assegurou-se de todas as maneiras que suas palavras não ofendessem seus destinatários, enquanto reafirmava sua firme convicção de que o governo não poderia adotar qualquer medida que pudesse ser interpretada como o estabelecimento de uma religião oficial. Eis suas palavras:

Partilhando convosco da certeza de que a religião é uma questão que se coloca exclusivamente entre o Homem e o seu Deus, que ele não deve prestar contas a ninguém por sua fé ou seu culto, que os legítimos poderes do governo dizem respeito somente às ações e não às opiniões, contemplo com soberana reverência este ato de todo o povo americano, o qual declarou que seu legislador não deveria "propor nenhuma lei concernente ao estabelecimento da religião, ou proibindo o seu livro exercício", construindo assim um muro de separação entre Igreja e Estado. Aderindo a essa expressão da vontade suprema da nação em favor dos direitos de consciência, verei com sincera satisfação o progresso dos sentimentos que tendem a restaurar ao homem todos os seus direitos naturais, convencido de que ele não desfruta do direito natural em oposição aos seus deveres sociais.

E Thomas Jefferson tinha razão. O "muro de separação" é uma garantia constitucional à liberdade de consciência, mas há um crescente clamor para que esse baluarte da liberdade, um dos valores americanos mais fundamentais, seja lançado por terra em nome de uma maior participação das igrejas na esfera pública.

Derrubando o "muro" em nome da liberdade (!)


Esse sentimento é expresso, por exemplo, em um texto extraído do livro de Daniel L. Dreisbach, Thomas Jefferson and the Wall of Separation Between Church and State (New York University Press, 2002), e publicado no site do Centro de Recursos para a Educação Católica (CERC, na sigla em inglês), dedicado a fortalecer e defender o catolicismo.

O autor argumenta que a própria natureza de um "muro" redefine os princípios da Primeira Emenda em detrimento da religião, restringindo a capacidade das igrejas de influenciar a vida pública. Eis alguns trechos reveladores (Note o teor e as implicações de suas palavras. O texto completo da citação pode ser acessado aqui):

A própria natureza de um muro favorece a redefinição dos princípios da Primeira Emenda. Um muro é uma barreira bilateral que inibe as atividades do poder civil e da religião, ao contrário da Primeira Emenda, que impõe restrições somente ao poder civil. Em suma, um muro não apenas impede o governo civil de se intrometer no domínio religioso, mas também proíbe a religião de influenciar a conduta do governo civil. As várias garantias da Primeira Emenda, no entanto, eram inteiramente um controle ou restrição ao governo civil, especificamente ao Congresso. [...] a proibição da Primeira Emenda ao estabelecimento religioso era uma clara restrição ao poder do governo civil (ou seja, o governo federal) no sentido de favorecer legalmente a qualquer igreja ou para invadir o domínio religioso. Um "muro", porém, é uma barreira bilateral que inevitavelmente restringe a capacidade da religião de influenciar a vida pública, portanto necessariamente e perigosamente excede as limitações impostas pela Primeira Emenda. [...]
O muro "alto e inexpugnável" construído pela atual Suprema Corte inibe a capacidade da religião de orientar a ética e a política públicas, priva os cidadãos religiosos da liberdade civil de participar da política com ideias inspiradas por seus valores espirituais, e viola o direito das comunidades e instituições religiosas de estender seus ministérios proféticos à esfera pública. Esse "muro", dizem os críticos, tem sido usado para silenciar a voz religiosa no mercado de ideias e, semelhante a uma apartheid religiosa, segregar comunidades de fé por trás de uma barreira restritiva.
Devemos enfrentar o fato desconfortável de que, durante boa parte da história americana, a frase "separação entre Igreja e Estado" e sua formulação metafórica, "um muro de separação", tem sido frequentemente expressão de exclusão, intolerância e fanatismo, Essas frases são usadas para silenciar pessoas e comunidades religiosas e excluí-las da plena participação na vida pública. [...]
Novamente, em meados do século XX, a retórica da separação foi reavivada e finalmente constitucionalizada por elites anticatólicas, como John Dewey, Hugo Black e seus simpatizantes da União pelas Liberdades Civis Americanas, e dos Protestantes e Outros Americanos Unidos pela Separação da Igreja e do Estado, os quais temiam a influência e a riqueza da Igreja Católica e percebiam a educação paroquial como uma ameaça às escolas públicas e aos valores democráticos.
Em resumo, os termos "separação da Igreja e do Estado" e "muro de separação", embora não sejam necessariamente expressões de intolerância, têm sido frequentemente identificados na experiência americana com os desagradáveis impulsos do nativismo e do fanatismo. Essas frases, em nossa experiência cultural e política, estão carregadas de conotações nativistas e intolerantes, sobre as quais eu creio que devemos reconsiderar a propriedade de seu uso continuado no discurso jurídico e político.

O preço da liberdade é a eterna vigilância


Norman Cousins, jornalista americano de política, escritor, professor e defensor da paz mundial escreveu em seu livro Em Deus nós Confiamos: As Crenças e Ideias Religiosas dos Pais Fundadores Americanos:

É significativo que a maioria dos Pais Fundadores tenha crescido em um forte ambiente religioso; muitos tinham antecedentes familiares calvinistas. Reagindo contra isso [o estabelecimento de uma Igreja oficial], eles não reagiam contra ideias religiosas básicas ou contra o que eles consideravam ser a natureza espiritual do homem. Certamente não se voltaram contra Deus ou perderam o respeito pelas crenças religiosas. De fato, foi sua maior preocupação pelas condições em que a livre crença religiosa seria possível que os levou a investir tanto de seu pensamento e energia à causa dos direitos humanos. [...]
Eles acreditavam que a experiência religiosa era intensamente pessoal, e estavam historicamente conscientes da facilidade com que as religiões tendem a investir umas contra as outras, muitas vezes à custa da própria religião. Portanto, se o direito natural do homem às suas crenças religiosas devia ser mantido, teve que ser protegido não somente contra o Estado autoritário, antirreligioso, mas também contra o monopólio religioso. [...]
As liberdades constitucionais dos americanos não são o resultado exclusivo das reações contra as tiranias na Inglaterra e na Europa que os colonos pensavam ter deixado para trás. Não houve praticamente uma forma de perseguição conhecida no Velho Mundo que não houvesse sido transplantada para o Novo. A Declaração dos Direitos surgiu não tanto como uma reação às opressões na Europa, mas como o meio específico para prevenir as indignidades humanas e abusos da liberdade vividos aqui na América Colonial. Para assegurar-se disso, os homens da Convenção Constitucional da Filadélfia não contemplaram a história europeia. Na verdade, se há algo que distingue os Pais Fundadores é seu interesse e autoridade de experiência histórica. Eles, contudo, não necessitavam olhar muito longe para os grandes e evidentes exemplos de perseguição e negação da liberdade humana. Esses abusos existiam ao redor deles. Isso foi especialmente verdadeiro no campo da religião. (1)

Se aqueles que prezam a liberdade religiosa negligenciarem, em nome dos novos tempos, as verdadeiras razões pelas quais os Pais Fundadores criaram as garantias constitucionais que protegem os direitos inalienáveis de consciência, estarão contribuindo para destruir a própria liberdade que tanto professam amar e proteger. A Bíblia e a história testificam amplamente dos trágicos resultados dessa negligência.

De olho no crepúsculo da história


Com percepção iluminada, Ellen G. White escreveu:

Quando as principais igrejas dos Estados Unidos, ligando-se em pontos de doutrinas que lhes são comuns, influenciarem o Estado para que imponha seus decretos e lhes apoie as instituições, a América protestante terá então formado uma imagem da hierarquia romana, e a inflição de penas civis aos dissidentes será o resultado inevitável. (2)

É a formação desse cenário que presenciamos agora, em cumprimento à palavra profética. O curso atual dos acontecimentos é uma advertência para nós de que o tempo está próximo.

Como Herbert E. Douglass observa, é possível que os adventistas do século 19 tivessem que usar a imaginação sobre sua perspectiva a respeito dos eventos finais. O mesmo não pode ser dito dos adventistas atuais. Eles só precisam usar os olhos e ouvidos. O entardecer não chega abruptamente. No crepúsculo, tudo permanece aparentemente sem mudanças. Mas é no crepúsculo do dia que devemos estar atentos à brisa fria que paira no ar, se não quisermos repentinamente nos tornar vítimas da escuridão. (3)

Notas e referências


1. Norman Cousins. "In God we Trust": The Religious Beliefs and Ideas of the American Founding Fathers. New York: Harper & Brothers Publishers, 1958, p. 9 e 10.

2. Ellen G. White. O Grande Conflito. Décima Nona Edição. Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1978, p. 443.

3. Herbert E. Douglass. Profecias Surpreendentes. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012, p. 128.

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