A experiência da salvação



A provisão feita por Cristo por meio do evangelho é inclusiva e toda-abrangente (João 3:16; I João 2:2).

Tal provisão foi estabelecida nos concílios secretos do Altíssimo "antes dos tempos eternos" (Tito 1:2), sendo a única e legítima pré-determinação de que fala as Escrituras.

O propósito de Deus é salvar a todos os que pela fé aceitam a Cristo como seu Redentor (Romanos 8:29-30; Efésios 1:4-5).

Não obstante, a escolha é nossa. Ninguém será salvo porque foi obrigado a tomar essa decisão. Como o Criador de entidades morais livres e conscientes, Deus respeita nossas escolhas.

O convite feito mediante o evangelho é estendido a todos, indistintamente, mas a decisão de aceitar ou não a oferta da graça depende de cada um de nós. Por meio das três mensagens angélicas (Apocalipse 14:6-12), Deus apela pela última vez para que façamos a escolha certa.

O evangelho eterno apresenta a solução divina para o problema do pecado e da morte - solução que possibilita uma nova relação com Deus e uma nova vida procedente de Deus.

A salvação, porém, não é uma experiência pontilhar ou momentânea, como se apenas aceitar a Cristo como Salvador levasse os salvos para o céu. O conceito bíblico de salvação tem um significado mais amplo. Trata-se de uma experiência linear, progressiva, que inclui três partes distintas, mas não separadas (1).

Há três passagens bíblicas bastante instrutivas nesse sentido (note as expressões em negrito):

Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos. (II Timóteo 1:9)
Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus. (I Coríntios 1:18)
Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida. (Romanos 5:10)

Com base nesses textos inspirados, conclui-se que a salvação é uma experiência consolidada em três tempos: passado ("nos salvou"), presente ("somos salvos") e futuro ("seremos salvos").

Esses três tempos na experiência da salvação se referem, respectivamente, à justificação, santificação e glorificação. Vamos considerar resumidamente cada uma delas.

Justificação


O ensino bíblico sobre justificação revela que Deus justifica ou declara justo a todo aquele que verdadeiramente recebe a Cristo como seu Salvador (Romanos 3:25-26; 5:16). Este é um ato divino em benefício do pecador que ocorre no momento da conversão.

Deus efetivamente perdoa os pecados passados com base no sacrifício vicário de Seu Filho na cruz. Ao perdoar, Deus não releva o pecado. Em realidade, nosso Salvador assume o custo da transgressão, declarando sem culpa todos os que aceitam Sua oferta redentora.

No Calvário, Jesus assumiu o castigo que pesava sobre nós, significando, portanto, que não há nenhum castigo pendente, nem nesta vida nem na eternidade, que tenhamos que sofrer.

Com efeito, não há salvação ou justificação para o pecador sem a salvação e justificação de Deus.

A justificação do homem se realiza somente por intermédio da justificação divina. Ninguém é bom ou justo o bastante para justificar-se perante Deus e ser salvo. A justificação é recebida por intermédio da fé no Salvador, mas é concedida única e exclusivamente por Seus divinos méritos.

Isto significa que nem mesmo a fé, por si só, é meritória (ver Gálatas 5:22-23; Romanos 12:3; 10:17). Somos salvos com base na fidelidade e justiça de Cristo, não na nossa. Porém as reclamamos em nosso favor por meio da fé em Jesus, e Deus aceita a justiça de Seu Filho em lugar da nossa, lançando a fidelidade e obediência de Cristo a crédito do pecador (Romanos 5:19; II Coríntios 5:21).

Assim como Deus, com base na promessa, creditou a justiça de Cristo a Abraão por meio da fé, não lhe imputando o pecado (Romanos 4:3-25; conforme Gênesis 15:6), Deus também declara justos os crentes em virtude de seu relacionamento com Cristo, que guardou a lei perfeitamente (Salmo 40:8; Mateus 5:17). Pela fé, os perdoados alcançam a justificação, em vez da condenação, porque Cristo pagou a pena do pecado (Romanos 8:1).

Portanto, ao declarar o homem justo, Deus lhe concede uma sentença favorável e o início de uma nova vida em Cristo. Isso não quer dizer que o crente é justificado no sentido de que ele não é mais um pecador.

Na verdade, a justificação comprova que somos culpados diante de Deus, que Jesus pagou nossa culpa e agora estamos livres da condenação. O pecado ainda existe em nós, mas não tem mais domínio sobre nós (Romanos 6:11-12).

Por outro lado, persistir em uma vida de pecado depois de haver recebido a graça perdoadora de Jesus é negar seu divino propósito. A graça é um dom gratuito do ponto de vista humano, mas caríssima do ponto de vista divino (I Coríntios 6:20). Paulo declara:

Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De nenhum modo! Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos? (Romanos 6:1-2)

Uma vez crucificados com Cristo, morremos para o pecado, para o velho homem, e ressurgimos para uma nova vida em Cristo, crescendo mais semelhantes a Ele pela contemplação de Seu caráter (Romanos 6:5-14).

Embora exista a possibilidade de o crente pecar (I João 2:1), sua aversão ao pecado e a disposição em cumprir a vontade de Deus são evidências de que ele está justificado, que experimentou o novo nascimento e que tem passado da morte para a vida.

Mas a justificação divina requer uma resposta humana baseada na fé. Justificação não é automática. Se o pecador aceitar a Jesus Cristo pela fé como expiação dos seus pecados, confiando no sangue purificador de Jesus, então haverá justificação. (2)

Santificação


O arrependimento no Espírito nos leva ao pé da cruz, e, por meio da fé, o mesmo Espírito nos assegura a realidade da justificação de Cristo, produzindo uma nova vida na alma.

Essa nova vida decorrente da justificação precisa, porém, se tornar permanente através da santificação, determinada pela permanência do Espírito nos que andam não "segundo a carne, mas segundo o Espírito" (Romanos 8:4).

Há, então, uma renovação no Espírito que abrange o coração e a mente, os desejos e pensamentos, os quais são submetidos a Cristo e recebem a impressão de Seu caráter.

É por meio desta obra divina que a promessa de Deus de escrever Sua lei na mente e no coração (Jeremias 31:33) é cumprida na vida do crente, permitindo-lhe partilhar da experiência de seu Mestre: "Agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração, está a tua lei." (Salmo 40:8).

A justificação é a primeira etapa da obra da graça por cujo meio somos salvos da culpa do pecado e reconciliados com Deus. A santificação é a continuidade dessa obra excelsa, por intermédio da qual somos salvos do poder do pecado e restaurados à imagem de Deus.

Ao contrário da justificação, que ocorre num instante, quando o pecador em sincero e contrito arrependimento confessa os pecados e aceita o perdão de Deus, a santificação constitui uma experiência de crescimento contínuo na graça (Romanos 12:1-2; Tito 2:11-14).

A santificação não é, pois, um alvo a ser alcançado, mas um processo de desenvolvimento do caráter.

À medida que consagramos nossa vida na apreciação do caráter de Cristo, buscando ser mais semelhantes a Ele, mais claramente discernimos a imaculada perfeição de Seu ser em profundo contraste com nossos defeitos. É a nossa verdadeira condição e a necessidade de solução que despertam nossa total dependência de Cristo.

Santificação envolve conflito e perseverança


O conselho de Paulo aos cristãos para que desenvolvam sua salvação com temor e tremor (Filipenses 2:12) revela que, a despeito da justificação, nossa salvação individual ainda não está completa, que precisamos esforçar-nos com temor e respeito para completá-la, obtendo de Deus o poder para vencer o que nos impede de alcançar êxito (Filipenses 1:6).

Apesar de renascidos em Cristo por meio da fé, nossa antiga natureza ainda reclama reconhecimento. Nos vemos como protagonistas de uma luta diária em que as tendências pecaminosas militam contra o espírito, e cumpre-nos reprimi-las constantemente.

Paulo viveu esse conflito dramático. Sabia que não era possível conciliar a antiga natureza com a vida piedosa e abnegada requerida por Cristo. Reconhecendo que a vida cristã é marcada por contínua luta, deixou-nos um testemunho positivo sobre a necessidade de todo crente: "Dia após dia, morro!" (I Coríntios 15:31).

Mas os que desejam morrer diariamente para o eu precisam receber diariamente o batismo do Espírito. Daí o conselho de Paulo à igreja: "enchei-vos do Espírito" (Efésios 5:18).

A expressão denota continuidade da ação. É este andar no Espírito que nos capacita a andar como Jesus andou (I João 2:6). Não serão alguns passos que farão diferença, mas sim nossa íntima relação com Ele cada dia.

Aceitar a Jesus envolve uma experiência constante e crescente. Envolve também humildade, disposição e coragem para morrer diariamente para o eu em nome de Cristo.

Consideremos o exemplo de nosso Salvador (Filipenses 2:5-8).

Jesus Cristo era exatamente igual ao Pai em cada aspecto de Sua divindade. Não Se apegou, porém, a essa igualdade, embora pudesse fazê-lo por direito, mas esvaziou-Se inteiramente a Si mesmo, abrindo mão de Seus atributos divinos e tornando-Se o mais humilde servo. Ao esvaziar-Se a Si mesmo, Jesus encheu-Se do Espírito Santo (Lucas 4:1), e durante todo o Seu ministério terrestre permaneceu assim, completamente dependente do Pai (João 5:19 e 30).

E do mesmo modo como Jesus dependia do Pai, importa que hoje sejamos totalmente dependentes de Cristo (João 6:57; 15:5)

Na santificação, Cristo é a norma da existência cristã (Filipenses 1:21), um movimento constante de avanço impulsionado pelas verdades que aprendemos sobre Ele e que devem determinar nossos pensamentos e comportamento.

Por meio de Sua Palavra, Cristo ensina os princípios que devemos seguir, e Ele mesmo Se apresenta como o modelo que devemos imitar. Na caminhada da santificação não há uma conclusão. Há sempre realização, marcada por novos avanços, até que todos nós alcancemos "à medida da estatura da plenitude de Cristo" (Efésios 4:13).

Glorificação


Na justificação, somos salvos da culpa do pecado. Na santificação, somos salvos do poder do pecado. Na glorificação, somos libertos da presença do pecado! São três dimensões do plano divino de redenção que estão intimamente ligadas entre si num fluxo contínuo.

Como lembra W.H. Endruveit, a salvação é uma unidade progressiva. A separação é didática apenas para melhor compreensão, mas existencialmente é uma peça só. (3)

Os três aspectos dessa unidade progressiva e contínua possuem a mesma base: a morte vicária de Jesus Cristo na cruz. A fé consiste no meio pelo qual se aceita o presente da salvação. Fé é simplesmente confiar em Deus, em vez de resistir a Ele. Este é o "como" ser salvo. O "como" abrange toda a experiência da salvação - passada, presente e futura. (4)

A glorificação é o elo final de nossa esperança! A boa nova de um novo corpo sem a presença do velho homem (I Coríntios 15:51-54). Nada de lutas dramáticas, de conflitos angustiosos, de tendências para o pecado. Uma nova e única natureza - a natureza de Cristo! Natureza que se deleita em amar, obedecer e andar nos caminhos de Deus.

A glorificação é a grande certeza de que os últimos vestígios da presença do pecado serão finalmente erradicados, tanto da nossa própria vida, como das obras criadas por Deus.

Glorificação é a restauração completa e definitiva de tudo o que foi perdido por causa do pecado. É a erradicação do sofrimento, da morte e da dor. E mais importante ainda: glorificação implica comunhão face a face com Deus, quando, então, conheceremos como somos conhecidos (I Coríntios 13:12)!

O Apocalipse testifica desta maravilhosa certeza:

Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. (Apocalipse 21:1-4)

Diante da promessa do Senhor e das maravilhosas provisões da Sua graça, não vale a pena buscar diligentemente nova vida espiritual em Deus?

No reino espiritual não pode haver dois senhores. Ou reina o eu ou governa Cristo. Só um deles pode ocupar o trono do coração. E visto que nosso Salvador não força a entrada, cumpri-nos abrir-Lhe voluntariamente o coração, a fim de que Ele entre e habite em nós!

E podemos fazê-lo pela contemplação de Sua pessoa, pela apreciação de Seu caráter, e pelo senso de Sua bondade e de Seu amor!

Eis a única forma de conhecer a essência da experiência da salvação, o único modo de obter nova vida, e, portanto, nova esperança e novo gozo!

Notas e referências


1. W.H. Endruveit. Experiência da Salvação. São Paulo, 2007, p. 95

2. Ibid., p. 108.

3. Ibid., p. 103.

4. Ibid., p. 104.

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